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Debate eleitoral na última eleição para presidente do Brasil: diálogo consistente e respeitoso são as aramas mais eficientes contra a intolerância e o discurso de ódio. AP Photo/Andre Penner

Análise: só a valorização do diálogo pode reduzir a hostilidade política na sociedade

Uma evidência da polarização na sociedade é quando a ênfase na importância do diálogo começa a ser vista como uma abordagem ingênua ou, pior ainda, como algo entediante. A busca por entendimento e a disposição para ouvir diferentes perspectivas passam a ser frequentemente encaradas com ceticismo e desdém, como se fossem atitudes antiquadas e utópicas. O diálogo é tido por parte da população como uma concessão de fraqueza ou, no mínimo, perda de tempo num contexto em que, para muitos, a única meta que de fato importa é “vencer o mal”. Que mal seria esse? A resposta vai depender do lado em que estamos no ringue da polarização afetiva.

É natural que pessoas tenham ideias e opiniões diferentes ou mesmo opostas. A chamada polarização ideológica faz parte do processo democrático. O problema começa no momento em que o diálogo e a disposição para encontrar meios-termos são substituídos pelo sectarismo e pela desqualificação do outro. Quando a comunicação se transforma numa guerra de pontos de vista, em meio à qual cada lado busca apenas impor sua verdade, a sociedade perde a capacidade de evoluir de maneira colaborativa. Essa falta de diálogo impede a resolução de problemas complexos e fomenta um ambiente de constante insegurança.

A polarização afetiva se dá, portanto, quando as diferenças ideológicas passam a vir acompanhadas por fortes emoções negativas em relação ao “outro lado”. O debate se torna pessoal e dominado pela hostilidade, dinâmica que intensifica a divisão social e dificulta ainda mais a construção de pontes e a busca por soluções comuns.

O nível mais extremo da polarização afetiva é aquele em que começamos a desconfiar, desgostar ou mesmo atacar alguém simplesmente por essa pessoa ter opiniões diferentes das nossas – uma realidade que não está distante dos brasileiros. Ao contrário: hoje é difícil encontrar quem não tenha algum exemplo, pessoal ou muito próximo, de relacionamentos afetados negativamente por divergências políticas na última década.

Em outubro de 2022, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais mais polarizadas de todos os tempos no Brasil (embora as de 2018 e 2014 não tenham ficado muito atrás), uma pesquisa da Genial/Quaest mostrou que a polarização já havia deixado marcas profundas nas relações pessoais, com 11% dos eleitores rompendo relações familiares ou de amizade por causa de divergências políticas. Além disso, 33% dos eleitores de Lula e 41% dos de Bolsonaro afirmaram que ficariam infelizes se um filho se casasse com alguém que apoiasse o candidato rival. As divisões políticas se tornaram emocionalmente carregadas, abalando profundamente a convivência social.

Esses efeitos se manifestam também no nível do indivíduo quando observa-se o medo de se expressar e a autocensura. Uma pesquisa do Instituto Sivis trouxe o dado de que 23% das pessoas deixam de opinar, sempre ou de maneira frequente, sobre temas políticos no ambiente familiar por medo de uma eventual reação.

Não houve melhoras de 2022 para cá. O Edelman Trust Barometer apontou, em 2023, o Brasil como o sétimo país mais polarizado entre os 28 avaliados – muito próximo de se tornar “severamente polarizado”. Essa visão é compartilhada pela população. Outro levantamento, promovido pela Genial/Quaest em fevereiro deste ano, revelou que 83% dos brasileiros consideram a nação mais dividida que no passado. Como mudar esse cenário?

Na Alemanha, o programa Germany Talks (“A Alemanha Fala”), realizado pela organização My Country Talks, tem reunido desde 2017 cidadãos com opiniões políticas divergentes para diálogos individuais. Em 2021, mais de 24 mil pessoas se inscreveram e quase 15 mil participaram das conversas.

Os debates abordaram temas polêmicos e polarizantes no país naquele momento, como questões de gênero, vacinação, políticas climáticas e tributação de combustíveis. O impacto foi significativo: 58% dos participantes expressaram desejo de manter contato com seus parceiros de debate e 55% afirmaram ter mudado de opinião em pelo menos um ponto após as conversas.

Teve mais: um estudo realizado por pesquisadores das universidades de Stanford e Harvard registrou uma significativa queda na discriminação contra opositores políticos após esses diálogos. Foi realizado um experimento no qual cada participante recebeu 100 euros para dividir com outra pessoa. O que aconteceu foi que os participantes demonstraram uma redução de 77% na polarização afetiva.

Na prática, repartiram os 100 euros de forma mais equitativa, oferecendo cerca de 45 euros a mais para a outra pessoa, independentemente de seu pensamento político, enquanto os que não integraram as conversas tenderam a compartilhar valores mais baixos, especialmente com aqueles de ideologias opostas.

Por outro lado, o teste mostrou também que o diálogo não muda as visões políticas dos participantes – o que não devemos avaliar como algo negativo. Combater a polarização afetiva não significa convencer ou, muito menos, converter o outro. O verdadeiro poder do diálogo está em criar espaços para a compreensão mútua e a empatia, mesmo entre pessoas com opiniões divergentes – compreendendo o que sustenta as ideias, crenças e motivações alheias para promover um ambiente de respeito.

Construir futuros comuns exige que nos afastemos da necessidade de concordar em todos os pontos e nos aproximemos da disposição para ouvir. Soluções negociadas são a chave para enfrentar desafios coletivos, pois permitem que diferentes perspectivas sejam consideradas e integradas.

A experiência alemã desde então se estendeu para mais de cem países, mobilizando cerca de 300 mil participantes, e agora chega ao Brasil com a iniciativa O Brasil Fala, que pretende ouvir 10 mil brasileiros – todas as pessoas podem se inscrever para participar. É um passo muito importante.

Porém, para que o diálogo tenha um impacto real no país, governos, organizações da sociedade civil, instituições de ensino e veículos de mídia têm um papel central a cumprir. Precisamos criar espaços de debate, oferecer treinamento em comunicação não violenta, integrar a prática do diálogo nos currículos educacionais e combater a desinformação. Somente com a colaboração coordenada de todos esses atores será possível criar uma cultura de diálogo que transforme conflitos – eles mesmos naturais e necessários – em oportunidades de crescimento.

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