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Pesquisa conduzida por laboratório do Departamento de Química da PUC-Rio fecha parceria com instituto da Prefeitura para obter amostras de produtos apreendidos para análises de composição e toxicidade. AP Photo/Nam Y. Huh

Cientistas da PUC-Rio vão analisar composição dos cigarros eletrônicos vendidos na cidade e seus possíveis impactos na saúde

Os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vaporizadores (vapes), e-cig ou e-cigarettes, começaram a ser comercializados em 2004, na China. A partir de 2006, eles foram introduzidos na Europa e na América do Norte e ganharam muitos adeptos por serem considerados uma alternativa ao cigarro tradicional. Os cigarros eletrônicos evoluíram muito nestes últimos anos em termos de tecnologia, com o surgimento de vaporizadores maiores, modulares e líquidos com uma vasta gama de sabores.

Os cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil desde 2009, de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 46 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) . Em 24 de abril de 2024 a Anvisa publicou RDC 855/2024 reiterando a proibição.

A RDC 855 “proíbe a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar (DEF)”. A resolução também proíbe “o uso destes dispositivos em recintos coletivos fechados, como restaurantes, bares, cinemas, salas de aula, teatros e estádios”.

Muitos usuários de cigarros eletrônicos no Brasil, no entanto, não têm conhecimento da proibição devido à facilidade de adquirir esses produtos em diversos estabelecimentos, como quiosques e bares, e com ambulantes etc. Como a importação é proibida, os produtos que eles compram são claramente provenientes de contrabando. Apesar dos esforços da Polícia Federal para impedir a entrada, muitas cargas passam sem ser apreendidas em meio à vastidão de nossas fronteiras.

O uso de cigarros eletrônicos tem aumentado no Brasil, despertando preocupação quanto aos possíveis danos à saúde dos usuários. Por serem um produto relativamente novo, ainda não se sabe exatamente quais são os danos que os vapes podem causar ao longo do tempo.

Preocupação que cresce pelo aumento do seu consumo entre os jovens, além de poder servir de porta de entrada para o tabagismo tradicional. O setor de saúde brasileiro considera um retrocesso a possível liberação do produto no Brasil em discussão no Congresso, ainda mais pelo fato de o país ter um programa exitoso na redução do consumo de tabaco.

O que tem no ‘vape’

Em alguns países os vapes são usados como uma estratégia para parar de fumar. Mas, diferente do que muitos pensam, o que sai do vape não é só um vapor de água inofensivo. Esse tipo de produto contém quatro substâncias básicas: nicotina, glicerina vegetal, propilenogligol e saborizantes. A nicotina é altamente viciante, e seu uso crescente entre adolescentes e indivíduos que não precisam parar de fumar pode levar a uma dependência geral maior de nicotina na população.

Além disso, outros contaminantes adicionados de forma intencional e não podem estar presentes na fumaça do vape. Os líquidos também podem ser de fabricação artesanal, já que as substâncias que o compõem são comercializadas no país. Isso aumenta o risco de haver produtos de má qualidade no mercado. Estas substâncias desconhecidas podem apresentar riscos potenciais indefinidos à saúde tanto dos usuários de cigarros eletrônicos quanto de pessoas expostas aos seus vapores.

Os cigarros eletrônicos também não costumam ser descartados corretamente. Os resíduos destes dispositivos apresentam componentes importantes como circuitos, baterias de íons de lítio e tanques que contém a nicotina que podem acabar espalhados pelo ambiente.

Parceria para análises

Diante disso, o Laboratório de Química Atmosférica (LQA) do Departamento de Química da PUC-Rio está à frente de estudos sobre o tema desde 2017. Naquele ano, organizou o seminário “Produtos de tabaco de nova geração: o que diz a ciência?” com a colaboração de outros professores do departamento para discutir com a sociedade, pesquisadores, indústria e órgãos governamentais os prós e contras desses novos produtos, repetindo o encontro em 2019.

Devido a tantas incertezas sobre a composição desses produtos, o LQA articulou com a Anvisa a importação de amostras para pesquisa. Mas como o produto é proibido no Brasil, mesmo com o aval da agência a importação foi barrada.

Comprar o produto no mercado ilegal para o estudo, por sua vez, colocaria em xeque os resultados e a ética. Dessa forma, a alternativa encontrada foi uma parceria com o Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e Inspeção Agropecuária (IVISA-Rio), órgão da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

O IVISA-Rio é responsável pela fiscalização e apreensão de cigarros eletrônicos na cidade do Rio, que serão doados para análises no LQA. Esse acordo de colaboração técnica está sendo finalizado e em breve receberemos as primeiras amostras.

Decisões informadas

Enquanto ainda não temos os produtos em mãos, estamos desenvolvendo metodologias já analisando a composição química e toxicologia dos solventes, nicotina e aromatizantes que são comercializados legalmente no país e podem estar sendo usados para o preparo de líquidos de forma artesanal.

Inicialmente, avaliamos os efeitos biológicos destes produtos em fungos Saccharomyces cerevisiae (levedura de cerveja) e células humanas do coração da linhagen H9c2 usando diferentes proporções de glicerina vegetal e propilenoglicol, os líquidos que estão em maior proporção e servem para dissolver a nicotina e dos aromatizantes dos vapes.

Nossos resultados preliminares mostraram que a toxicidade das matérias-primas usadas em vapes nas leveduras tem relação dependente da concentração, com inibição de seu crescimento e morte. Na exposição aguda, a glicerina pura e o propilenoglicol foram tóxicos tanto para leveduras quanto para as células humanas H9c2, sendo mais tóxica com aumento da quantidade de propilenoglicol na solução.

Testes de conteúdo elementar e composição orgânica ainda serão realizados, assim como análises de toxicidade dos elementos isolados usados nos líquidos, como nicotina e saborizantes.

Em paralelo, fizemos uma parceria com o professor Sergio Lifschitz, do Departamento de Informática da PUC-Rio, para o desenvolvimento de um questionário visando identificar o perfil dos usuários maiores de 18 anos destes produtos.

O questionário está disponível no site: Pesquisa Vapes e também será aplicado na comunidade dos frequentadores do campus da PUC-Rio por meio de uma parceria com a Vice-reitoria Comunitária e a agência Comunicar e Serviço Médico.

O LQA busca, por meio dessas pesquisas, fornecer o máximo de conhecimento à sociedade e aos órgãos reguladores sobre os cigarros eletrônicos, permitindo que tomem decisões mais informadas e eficazes sobre o futuro destes tipos de produtos no Brasil.

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