As operadoras de redes elétricas, como a National Grid do Reino Unido - e o Operador Nacional do Sistema (ONS) no Brasil -, dependem de computadores de alto desempenho para planejar as expansões da rede e programar quando a energia deve ser produzida a partir de diferentes fontes. Esses problemas estão se tornando maiores e mais complexos devido à transição para emissões líquidas zero de carbono (“net zero”, ou “carbono zero”), e agora estão atingindo os limites até mesmo dos mais poderosos supercomputadores do mundo.
A computação quântica, no entanto, pode abri uma nova avenida para avanços neste sentido. Meu grupo de pesquisa na Universidade de Oxford investiga como a computação quântica pode oferecer valor para a transição para o carbono zero. Meu colega Xiangyue Wang e eu publicamos recentemente um artigo na revista Joule que identifica oportunidades promissoras para que a computação quântica ajude a otimizar o planejamento e a operação de redes de energia net zero.
Nos próximos cinco anos, a National Grid planeja gastar £ 30 bilhões na atualização da infraestrutura da rede elétrica como parte da transição do Reino Unido para uma rede descarbonizada. Grandes investimentos também estão planejados para tecnologias de baixo carbono, incluindo energia eólica, solar, nuclear e baterias. Além disso, milhões de veículos elétricos (EVs) e bombas de calor serão adicionados às redes de distribuição locais para descarbonizar o transporte e o aquecimento.
As decisões de planejamento, incluindo onde construir geradoras de energias renováveis, quando atualizar as linhas de transmissão elétrica e como implantar carregadores de EVs, afetarão diretamente o valor de nossas contas de energia, a frequência com que as pessoas passam por cortes no fornecimento e a rapidez com que o Reino Unido pode atingir suas metas de carbono zero. Com bilhões sendo investidos na rede, é fundamental que os planejadores entendam como gastar esse dinheiro com sabedoria.
Além do planejamento da rede, a operação de uma rede net zero também é um problema de otimização desafiador, pois os fluxos de energia da rede devem corresponder à demanda e, ao mesmo tempo, permanecerem dentro de limites seguros o tempo todo. Caso contrário, a rede corre o risco de sofrer interrupções no funcionamento. Isso está se tornando mais difícil devido à variabilidade e à incerteza das gerações eólica e solar.
Outro desafio é a eletrificação do transporte e do aquecimento, que concentra a demanda quando as pessoas chegam em casa depois do trabalho. Uma solução é ajustar quando os veículos elétricos são carregados e quando as bombas de calor são acionadas. Pequenas mudanças no uso, somadas em milhões de residências, podem ser equivalentes à produção de grandes usinas de energia. Entretanto, isso aumenta significativamente o número de dispositivos na rede que precisam ser programados, tornando a programação muito mais difícil.
A corrida para inovar
Em 2019, o Google demonstrou a supremacia quântica - resolvendo um problema que nenhum computador clássico poderia resolver em um período de tempo viável - ao concluir um problema de simulação de física em 200 segundos. Esse mesmo problema teria levado 10 mil anos para ser resolvido por um supercomputador clássico equivalente usando o melhor algoritmo conhecido na época.
Isso deu início a uma corrida contínua entre pesquisadores que trabalham para expandir os limites da computação clássica e da computação quântica. Os computadores quânticos estão agora atingindo a escala e a maturidade em que podem oferecer valor tangível para alguns setores da economia, inclusive farmacêutico e financeiro.
Os computadores clássicos armazenam informações em cadeias de bits, em que cada bit tem um valor de 0 ou 1. As operações lógicas em bits são usadas para computação. Em um computador quântico, a unidade básica de informação é o bit quântico, ou “qubit”. Os qubits podem ser construídos de várias maneiras, por exemplo, usando circuitos supercondutores ou átomos aprisionados por lasers.
Quando medido, um qubit será lido como 0 ou 1, exatamente como um bit clássico. Entretanto, em um computador quântico, os qubits podem ser controlados usando os princípios da física quântica - as leis que regem o comportamento das partículas subatômicas. Isso permite que os computadores quânticos representem grandes quantidades de informações clássicas com apenas alguns qubits e realizem tipos específicos de cálculos que são praticamente impossíveis para os computadores clássicos.
Os pesquisadores descrevem a computação quântica como estando na “era do quantum de escala intermediária ruidosa” (NISQ). Espera-se que computadores quânticos grandes e de uso geral permaneçam fora de alcance por pelo menos uma década. Entretanto, os dispositivos NISQ já se mostram promissores para problemas de otimização de grade combinatória. Esses são problemas com decisões interligadas de sim ou não que criam um conjunto exponencialmente grande de possibilidades, como decidir onde construir novas unidades de geração, quais linhas de transmissão atualizar e quais usinas elétricas específicas devem ser iniciadas ou desligadas.
Há também um conjunto mais amplo de oportunidades em que a computação quântica é pouco explorada. A computação quântica poderia acelerar a simulação e a otimização dos fluxos de energia da rede. Ela também poderia acelerar o aprendizado de máquina - o uso de algoritmos que melhoram seu desempenho quando expostos a dados. Isso poderia ajudar os operadores de rede a usar dados de medidores inteligentes de grande volume para melhorar a previsão, a programação e o planejamento. Com pequenos dispositivos NISQ, uma abordagem promissora é uni-los a grandes computadores clássicos e usá-los para acelerar partes específicas de algoritmos complexos que são mais adequados à computação quântica.
Apesar do estágio inicial da pesquisa de computação quântica na rede elétrica, já existem iniciativas do setor em andamento para desenvolver algoritmos quânticos que poderiam permitir a expansão da rede e a programação inteligente de carregamento de EVs.
Considerando a meta de descarbonização, a energia necessária para os computadores quânticos é uma possível preocupação, especialmente a energia para resfriamento, já que os computadores quânticos geralmente exigem temperaturas extremamente baixas (perto do zero absoluto ou -273,15°C) para uma operação confiável. Entretanto, pesquisas indicam que quando um computador quântico consegue resolver um problema usando muito menos operações do que um computador clássico, isso também pode economizar energia. Por exemplo, a demonstração de supremacia quântica do Google não só aumentou enormemente a velocidade da computação, mas também reduziu o uso de energia em um fator de 557.000.