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Imagem de uma célula humana (azul) atacada pelo vírus HIV. A nova variante trata-se de uma cepa que surgiu a partir da combinação entre dois ou mais subtipos do vírus. Essa variante viral foi identificada em amostras obtidas de três indivíduos vivendo com o HIV no Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul. National Institute of Allergy and Infectious Diseases/NIH

Identificada nova forma genética do HIV que circula no Brasil

Uma nova forma genética do HIV foi identificada circulando no Brasil por uma equipe formada por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, Fundação Oswaldo Cruz e Universidade de Cape Town.

Essa variante viral foi identificada em amostras obtidas de três indivíduos vivendo com o HIV nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, entre 2007 e 2019, e foi classificada como CRF146_BC. Trata-se de uma cepa recombinante do vírus, que surgem a partir da combinação entre dois ou mais subtipos do HIV.

O HIV tem como uma de suas características mais marcantes a grande variabilidade genética, sendo classificado em tipos, grupos, subtipos e formas recombinantes que podem ser únicas (URF, do inglês Unique Recombinant Form), quando encontradas em um único indivíduo e circulantes (CRF, do inglês Circulant Recombinant Form) quando passam a circular na população.

Nesse último caso, as CRF são identificadas a partir de um código que inclui o número de ordem e os subtipos dos vírus parentais do mosaico (por exemplo CRF146_BC). Até o momento, 157 CRFs com padrões genéticos distintos foram identificadas no mundo.

A frequência das variantes do vírus varia em cada região geográfica e de forma global, o subtipo C predomina no mundo, com quase 50% de todas as infecções, seguido pelo B com aproximadamente 12% dos casos. Nesse cenário, foi estimado que os vírus recombinantes representem em torno de 23% das infecções globais, sendo 17% causadas por CRFs e 6% por URFs. (Referência DOI: 10.1016/S1473-3099(18)30647-9). No Brasil, o subtipo B é a forma predominante (67%), mas formas como os subtipos C (14%), F (10%) e recombinantes são frequentemente identificados.

O estudo coordenado por mim na Universidade Federal da Bahia (UFBA) identifica a segunda Forma Recombinante Circulante (CRF) dos subtipos B e C no Brasil. A primeira, com estrutura genética distinta, foi identificada em 2006. Apesar de ter sido identificada agora, a CRF146_BC foi identificada em amostras coletadas entre 2007 e 2019.

O estudo mostrou que os vírus isolados nesses quatro indivíduos são descendentes de um mesmo ancestral, indicando que esta variante do HIV-1 já estava circulando no país desde àquela época e que se disseminou para diferentes partes do Brasil.

Os vírus recombinantes surgem quando uma célula é simultaneamente infectada por dois subtipos diferentes do HIV-1. Assim, em conjunto com dados de outros estudos da epidemiologia molecular do HIV-1 no Brasil, os quais identificaram diferentes formas recombinantes únicas e circulantes entre os subtipos mais prevalentes no país (B, F e C), esse achado aponta que casos de dupla infecção ou reinfecção devem estar ocorrendo com certa frequência.

Essa alta taxa de ocorrência de recombinação, amplifica a variabilidade genética do vírus e pode servir de alerta, apontando para a necessidade de vigilância, monitoramento e medidas de controle, como programas de prevenção. A nova infecção para um indivíduo vivendo com o HIV-1 pode trazer impactos para o tratamento, uma vez que o vírus pode apresentar mutações associadas com resistência aos medicamentos antirretrovirais.

Além disso, novas variantes do vírus, podem acumular características genéticas que favoreçam a transmissibilidade, impacto na carga viral, na progressão para aids, na aquisição mais rápida de mutações de resistência embora estudos ainda sejam necessários para confirmar esses possíveis impactos.

Além disso, o aumento da diversidade viral se constitui como um desafio para o desenvolvimento de uma vacina universal e eficaz, uma vez que esta deve ser capaz de prevenir a infecção por uma ampla gama de subtipos e formas recombinantes.

Dessa forma, estudos da epidemiologia molecular do HIV-1 que permitem identificar os padrões genéticos do vírus e o surgimento de novas variantes são importantes para o monitoramento da epidemia de HIV/AIDS.

Na pesquisa conduzida na UFBA, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz e a Universidade de Cape Town, uma variante com genoma recombinante envolvendo os subtipos B e C foi encontrada entre indivíduos vivendo com o HIV acompanhados no Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES).

A partir disto, as sequencias genômicas deste vírus foram comparadas com sequências recombinantes que também apresentavam os mesmos subtipos parentais (B e C), disponíveis em bancos de dados públicos. Entre as sequências avaliadas de todo o mundo, muitos padrões distintos de recombinação foram observados mas chamou a atenção o fato de que outras duas amostras provenientes do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul apresentavam o mesmo padrão genético e a mesma origem evolutiva.

Esses achados permitiram a classificação da CRF146. É importante ressaltar que ainda não se sabe se ela pode apresentar vantagens adaptativas ou replicativas, ou diferenças relativas à eficácia do tratamento. Para avaliar essas características, novos estudos, envolvendo acompanhamento de pacientes e ensaios celulares poderão contribuir.

Chama a atenção, no entanto, que a nova variante compartilha com outras cepas BC encontradas pelo mundo, sobretudo na China, o fato da maior parte da estrutura genômica ser formada por sequências do subtipo C com apenas pequenas inserções do subtipo B. Assim, pode estar havendo uma pressão seletiva para a manutenção do subtipo C, podendo indicar vantagens adaptativas para o vírus.


Este artigo foi fruto do trabalho de doutorado do aluno Rodrigo Cunha Oliveira, de quem fui coordenadora de pesquisa.

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