A fascinação com o céu e o espaço acompanha os seres humanos há milhares de anos. Da Antiguidade até o século 20, a evolução do nosso conhecimento sobre o universo sempre foi mais teórica do que prática, fruto de observação e cálculos. Após a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria inaugurou a chamada “corrida espacial”, uma disputa tecnológica que passou a ter influência importante na geopolítica mundial.
Depois de um longo período desaquecido, o atual crescimento dos investimentos privados no setor estimula essa corrida a níveis nunca antes vistos.
Globalmente, os efeitos da exploração do espaço estão muito mais próximos do nosso dia a dia do que imaginamos. Diversas tecnologias usadas na manutenção do homem no espaço foram motor de inovações incorporadas pela indústria. Elas se fazem presentes em itens como filtros de água, unidades de terapia intensiva (UTI), exames de imagem, fórmulas infantis e dispositivos eletrônicos como câmeras e os nossos smartphones.
No Brasil, a exploração espacial também caminha a reboque do novo cenário. No último dia 31 de julho, o presidente Lula sancionou a Lei 14.946/2024, que regulamenta as atividades espaciais nacionais e cria o Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Espaciais (Sipae).
A lei determina regras, delimita responsabilidades e impõe condições para investimentos privados no setor espacial brasileiro, além de instituir mecanismos regulatórios, delegando à Agência Espacial Brasileira (AEB) a responsabilidade sobre a expedição de licenças e autorizações para operadores espaciais civis.
Desde o começo dos anos 2020, fala-se em uma nova corrida espacial internacional. Nela, há atores estatais como a China e a Índia, e empresas privadas como as americanas Blue Origin e SpaceX ganhando protagonismo.
A Boeing também investe no setor, e neste momento até protagoniza um caso de repercussão mundial, com os dois astronautas que faziam o voo inaugural da primeira nave espacial fabricada pela empresa presos no espaço, por conta de um defeito no equipamento.
No Brasil, apesar da nova regulação e do mercado aquecido no exterior, o país está ficando para trás nesse novo cenário.
Estudos realizados pelo Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (SoU_Ciência), um grupo multidisciplinar composto por pesquisadores de várias universidades brasileiras, apontam que o orçamento da AEB teve um retrocesso de 20 anos.
O levantamento conduzido pela pesquisadora Mariana Moura analisou a série histórica para o período de 2000 a 2022. Os dados foram extraídos do Sistema de Orçamento e Planejamento (SIOP), do Ministério do Planejamento. Em seguida, foram analisados os valores liquidados em três grupos de despesas: Investimento, Pessoal e Encargos e Outras Despesas Correntes. Os valores do estudo foram corrigidos com base no IPCA de janeiro de 2022. Conforme apresentado a seguir:
Uma história de altos, um presente de baixos
Entre 2004 e 2006, a AEB viveu uma alta sem precedentes em seu orçamento, que alcançou a marca dos R$ 500 milhões/ano. Essa realidade, no entanto, teve uma queda brusca a partir de 2007, quando os recursos caíram para R$ 250 milhões/ano. Apesar de aumentos pontuais registrados em 2009, o orçamento da Agência seguiu uma tendência de queda, atingindo seu patamar mais baixo em 2022.
Enquanto o mundo aposta nas pesquisas espaciais, a AEB terminou 2021 com um orçamento liquidado de R$ 67,8 milhões. O valor está abaixo do início da série histórica em 2000, que era R$ 68 milhões.
Esses números têm um significado particularmente importante para o contexto brasileiro. Diferente da imagem do homem que chega à Lua, o investimento em pesquisas espaciais no Brasil não tem como único impacto a exploração de corpos celestes. Muito pelo contrário: as atividades espaciais são cruciais para serviços de sensoriamento remoto e imagem, conectividade móvel e rede de internet banda larga, GPS e navegação, telessaúde via satélite e sistemas de alerta e assistência quando da ocorrência de desastres naturais - cada vez mais frequentes no país.
Uma função importante deste sistema está no monitoramento do território nacional, de suas fronteiras e florestas, essenciais para a garantia da soberania de um país. Pensando na importância ambiental cada vez mais crítica da Amazônia brasileira, esse monitoramento é essencial.
Em momentos recentes, quando o número de focos de queimadas vem se multiplicando pelo país, é possível ver na prática a importância estratégica do monitoramento por imagens via satélite.
Ressalta-se que o modelo brasileiro de pesquisa e desenvolvimento aeroespacial estabelece que boa parte dos dados estejam disponíveis para acesso público, o que não ocorre em outros países como Índia, China e Rússia. Essa política de dados abertos beneficia várias áreas empresariais brasileiras, com destaque para o setor agrícola.
Compreendendo a importância da pesquisa aeroespacial, temos que, no início deste século, o Brasil buscou posicionar-se como um ator relevante. Ampliou os recursos financeiros de sua agência pública, investiu na formação de mão de obra e buscou parcerias internacionais. Um exemplo é a parceria Brasil-China impulsionou a produção de satélites de observação da categoria CBERs no país, que permitiu que construíssemos o satélite Amazônia-1, com produção 100% nacional, gerando ganhos ambientais e econômicos para toda a sociedade brasileira.
Nos últimos dez anos, observamos uma queda nos investimentos, deixando claro que a valorização da pesquisa aeroespacial não foi uma política de Estado, mas de um governo que apostou que o Brasil poderia ganhar com o investimento nessa importante frente de pesquisa.
A queda nos investimentos revela um descompasso diante dos desafios e das potencialidades do país na área espacial. Nesse contexto, a tão esperada regulamentação do setor reforça a necessidade de retomar os investimentos na AEB, fomentando pesquisa, desenvolvimento e inovação na garantia da soberania nacional.