Quando você pensa em trabalho doméstico, provavelmente remete-se a ações: lavar a louça, fazer o que consta na lista de tarefas, cortar legumes para a refeição. E não é novidade dizer que as mães geralmente assumem o ônus da maioria dessas atividades.
Mas há uma dimensão invisível que se desenrola nos bastidores: o esforço cognitivo que antecipa as necessidades, planeja, organiza e delega. Em outras palavras, alguém tem que se lembrar de substituir o detergente e selecionar quais legumes cortar.
Nossa nova pesquisa constatou que essa dimensão cognitiva do trabalho doméstico, geralmente chamada de “carga mental”, é dividida de forma ainda mais desigual entre os casais do que a dimensão física, e parece afetar especialmente a saúde mental das mulheres. De acordo com o estudo que publicamos no “Archives of Women’s Mental Health”, as mães que assumem uma parte mais desproporcional do trabalho doméstico cognitivo relatam níveis mais altos de depressão, estresse, insatisfação no relacionamento e esgotamento.
Rastreamento de quem faz o quê
Perguntamos a 322 mães de crianças pequenas sobre quem em sua família é responsável por 30 tarefas domésticas comuns. Colaboramos com os criadores do sistema Fair Play - um livro e um jogo de cartas criado para quantificar melhor a divisão do trabalho nas famílias - para dividir cada tarefa em duas dimensões: cognitiva (antecipar, planejar, delegar e pensar sobre o que tem que ser feito na casa) e física (a execução prática dos serviços). Em seguida, examinamos como tudo isso é compartilhado entre os parceiros.
Encontramos uma disparidade de gênero impressionante: em comparação com os parceiros, as mães não apenas realizavam mais tarefas domésticas físicas, mas cabia a ela também uma parcela significativamente maior de trabalho cognitivo.
Em média, as mães relataram ser responsáveis por cerca de 73% de todo o trabalho doméstico cognitivo, em comparação com os 27% de maridos, e 64% de todo o trabalho doméstico físico, em comparação com os 36% deles. De fato, para cada tarefa que examinamos, a diferença de gênero foi maior para a dimensão cognitiva do que para a dimensão de execução física.
Houve apenas um serviço em que pais e mães fizeram mais planejamento e execução: levar o lixo para fora. Eles também realizaram mais tarefas de manutenção da casa, mas as mães cuidaram mais do planejamento relacionado.
É interessante notar que, embora uma divisão desigual de trabalhos físicos em casa estivesse ligada a uma pior qualidade do relacionamento do casal, foi a responsabilidade cognitiva que teve um impacto mais profundo sobre o bem-estar psicológico das mulheres.
A dinâmica familiar tem impacto na sociedade
A divisão desigual da ocupação dentro do lar é um dos principais impulsionadores da desigualdade global de gênero, suprimindo a participação plena das mulheres na força de trabalho remunerada e afetando significativamente a saúde e o bem-estar delas.
Nosso estudo é um dos primeiros a investigar a dimensão cognitiva do trabalho doméstico e seus efeitos sobre a saúde mental materna. A ocupação por pensar o que precisa ser feito pode ser particularmente desgastante para as mulheres porque muitas vezes é realizada nos bastidores e não é reconhecido ou apreciado pelos outros. Isso também retira a energia mental de outras prioridades.
Outros estudos indicam que as mulheres sofrem mais efeitos negativos dos cuidados com os filhos e com o trabalho doméstico em comparação com os homens, como taxas mais altas de depressão, em parte devido à carga cognitiva mais pesada que carregam.
O que ainda não se sabe
Nosso estudo foi limitado por sua dependência do trabalho doméstico autorrelatado e pelo fato de que pudemos coletar dados apenas de mães em relacionamentos de casais heterossexuais que coabitam. Estudos futuros podem pesquisar ambos os parceiros e observar diretamente quais tarefas eles fazem na residência comum. Também poderão analisar diferentes tipos de configurações de relacionamento, inclusive casais de gays e lésbicas.
Não sabemos muito sobre os efeitos de longo prazo da divisão da carga cognitiva sobre a saúde mental, especialmente das mulheres.
A divisão injusta é uma fonte frequente de estresse nos relacionamentos e comumente citada pelas mulheres como motivo de divórcio. A carga cognitiva pode ser um aspecto subestimado da carga de trabalho doméstico que merece mais atenção dos terapeutas de casais, conselheiros de saúde mental e educadores de relacionamentos pré-matrimoniais.