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Invisíveis: não se sabe exatamente quantos brasileiros estão se mudando neste momento devido às mudanças climáticas atuais, porque não existem sistemas centralizados de registro para monitorá-los. AP Photo/Carlos Macedo

O Brasil precisa de uma nova abordagem para a mobilidade climática

As devastadoras inundações no Rio Grande do Sul, em maio, resultaram em 182 mortes e deslocaram mais 423.000 pessoas. Embora seja a pior catástrofe natural do estado em quase um século, movimentos populacionais em massa desencadeados por mudanças climáticas não são uma novidade no Brasil.

Nas últimas duas décadas, pelo menos 8 milhões de brasileiros migraram devido a tempestades, inundações, incêndios florestais, secas ou aumento do nível do mar. Só em 2023, aproximadamente 745 mil pessoas foram deslocadas por eventos climáticos extremos combinados com os efeitos do El Niño. Esse aumento na mobilidade climática não apenas revela os perigos das mudanças climáticas, mas também expõe o despreparo de governos e sociedades para enfrentar esses desafios.

No Brasil e em outros lugares, a decisão de ficar ou partir não é apenas motivada por eventos climáticos cada vez mais intensos e frequentes. Riscos socioeconômicos persistentes, como insegurança alimentar, pobreza, desigualdade e acesso a serviços básicos, desempenham um papel central.

No entanto, não se sabe exatamente quantos brasileiros estão se mudando devido às mudanças climáticas porque não existem sistemas centralizados de registro para monitorá-los. Enquanto os eventos extremos geram manchetes, pessoas deslocadas, migrando voluntariamente ou realocadas devido a desastres naturais e degradação ambiental, ou mesmo populações vulneráveis “presas” e incapazes de se mover, são em grande parte invisíveis.

Os países da América Latina e do Caribe enfrentam um futuro de ameaças climáticas crescentes, que incluem inundações, incêndios florestais, aumento do calor e do nível do mar. No Brasil, as temperaturas devem subir entre 1,7°C e 5,3°C até o final do século. A precipitação anual e as secas devem aumentar no norte, centro e sul do país. Pelo menos 2.000 dos 5.568 municípios são “extremamente vulneráveis” e precisam urgentemente de planos de “emergência climática”. No entanto, apenas 14 dos 26 estados do Brasil elaboraram tais estratégias. Apesar da crescente preocupação pública, as autoridades nacionais e estaduais não priorizaram a adaptação e a resiliência relacionadas ao clima.

Líderes federais, estaduais e municipais do Brasil precisam desenvolver e implementar uma estratégia nacional e uma resposta coordenada interagencial que seja proporcional à escala da ameaça. O próximo Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas e o Fundo Verde para o Clima devem incluir disposições claras para abordar a mobilidade climática, incluindo projetos piloto nas áreas mais vulneráveis. O Plano Nacional de Adaptação (PNA) do Brasil, elaborado há uma década, precisa urgentemente de uma atualização. O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEM) também deve começar a monitorar a mobilidade climática como parte de seu mandato.

O Brasil precisa mudar sua postura de reativa para proativa em relação às crises climáticas, fortalecendo a resiliência. Isso exigirá a expansão das capacidades de alerta precoce e resposta do país, incluindo nos níveis estadual e municipal. Investimento em estratégias de adaptação baseadas em ecossistemas devem ser direcionados tanto para áreas de expulsão quanto para áreas de realocação, a fim de minimizar os riscos antes, durante e após a movimentação das pessoas.

Outras prioridades incluem melhorias na resiliência e infraestrutura em comunidades propensas a inundações e costeiras, maior acesso a culturas e gado resistentes à seca, e medidas para qualificar e requalificar pessoas cujos meios de subsistência serão impactados pelas mudanças climáticas.

As autoridades brasileiras poderiam acelerar os avanços atualizando a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e o PNA para refletir a velocidade dos riscos da mobilidade climática. É verdade, que a última versão do PNA destaca as ameaças representadas por eventos extremos cada vez mais frequentes e os riscos das mudanças climáticas para as oportunidades de emprego e padrões de migração, especialmente entre os pobres.

O PNA também destaca o aumento dos chamados “refugiados ambientais” e a migração para as cidades, além de apresentar uma estratégia setorial nacional com disposições para realocar e redistribuir populações em áreas prioritárias. Essas estratégias devem ser atualizadas e aceleradas, incluindo um financiamento adequado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, potencialmente, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial.

Diante da certeza de que os choques e tensões climáticas vão aumentar, são necessários passos mais ousados. O Brasil poderia se inspirar na Colômbia, que está prestes a aprovar uma nova lei de “mobilidade climática” (Projeto de Lei 299) que especifica os direitos das populações afetadas, propõe um registro unificado para monitorar os movimentos populacionais e atribui responsabilidades claras para a ação, desde o nível central até o local.

O Brasil também poderia aprender com a experiência do Chile, que já investiu em planejamento preparatório para populações deslocadas e migrantes climáticos, incluindo a identificação de áreas para potencial realocação de populações deslocadas pelo clima com base em sua capacidade de absorção.

Além disso, em vários estados caribenhos, incluindo Santa Lúcia, as autoridades locais estão investindo na restauração de terras costeiras para reduzir a probabilidade de realocação. Para construir resiliência local, o Brasil deve expandir os esforços para formalizar assentamentos precários, investir em habitações seguras e sustentáveis e regularizar a posse da terra.

À medida que as implicações de um mundo em aquecimento se tornam mais claras, o Brasil enfrenta um cenário complexo de escolhas sobre como se preparar para a movimentação de pessoas. Como grandes cidades da China e da Indonésia aos EUA e Europa, que estão sendo sobrecarregadas pelo aumento do nível do mar, o Brasil pode ter que construir cidades inteiramente novas.

No Rio Grande do Sul, isso já é uma possibilidade real. O vice-governador do estado explicou que “não podemos descartar ter que remover cidades inteiras de onde estão e reconstruí-las em outros locais”. Com mais da metade de todos os brasileiros vivendo a menos de 150 quilômetros da costa, esses desafios podem estar mais próximos de casa do que muitos imaginam.

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