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Humanos modernos e neandertais compartilharam descendência, conhecimento, ferramentas e enfeites corporais, em um sinal de amizade entre as duas espécies Gorodenkoff/Shutterstock

Sapiens e neandertais, amizade em tempos difíceis

Todos os dias aprendemos mais e mais sobre uma história fascinante. Há mais de 40 mil anos, duas linhagens diferentes de humanos coincidiram no tempo: Neandertais e sapiens. Falamos de linhagens porque ambas deram origem a um descendente comum, nós mesmos.

Sabemos agora que as pessoas de ascendência não africana têm de 1% a 2% de DNA Neandertal em seu genoma. Essa porcentagem reflete uma estimativa média de sua contribuição genética para o DNA sapiens. Entretanto, há estimativas que elevam essa proporção para 4% ao considerar diferentes populações.

Neandertais e sapiens usaram a caverna de Ardales, localizada no município de mesmo nome em Málaga. Ayuntamiento de Ardales

Atualmente, os africanos subsaarianos têm cerca de 0,5% de DNA Neandertal graças ao retrocruzamento, resultado das migrações de humanos modernos com DNA de Neandertal de volta à África. Os nativos americanos e da Oceania têm de 1% a 2%, com algumas diferenças regionais, refletindo a migração inicial de ancestrais asiáticos para essas áreas.

A seleção natural eliminou e reteve diferentes genes de Neanderthal. Aqueles que ofereceram uma vantagem foram mantidos em maior proporção, como certos traços físicos. Também aqueles que favorecem a imunidade e maior capacidade termorregulatória. Outros, por sua vez, nos predispõem a certas doenças, como depressão ou artrite.

Cultura compartilhada

A mistura entre sapiens e neandertais ocorreu em vários eventos em diferentes regiões da Europa e da Ásia.

Por um lado, eles compartilharam os mesmos habitats por milhares de anos. Em tempos de escassez, as migrações foram frequentes e os grupos menos numerosos, nesse caso os neandertais, tenderam a aceitar o que é diferente. Isso é mera sobrevivência.

Isso não deveria ser surpreendente, já que a fisionomia do rosto dos sapiens deve ter parecido “atraente” para os neandertais, como Juan Luis Arsuaga explica em _The Neanderthal Necklace.

Por outro lado, ambos os grupos teriam tido uma capacidade física para a linguagem. Embora seja difícil de provar, os neandertais poderiam ter apresentado alguma forma de comunicação verbal. É a anatomia de suas cordas vocais, do trato vocal e do tamanho e estrutura do cérebro, especialmente nas áreas relacionadas à linguagem, que leva a essa afirmação. Além do formato do hioide, como apontam os pesquisadores da caverna Kebara, em Israel.

Ornamentos pessoais pertencentes à indústria Chatelperroniana encontrados na caverna de Renne (Arcy-sur-Cure, França) François Caron, Francesco d'Errico, Pierre Del Moral, Frédéric Santos e João Zilhão / Wikimedia Commons, CC BY

Eles também compartilhavam conhecimento tecnológico, a indústria lítica do Paleolítico Médio. Foram encontradas evidências de intercâmbio cultural, como a adaptação de técnicas sapiens pelos neandertais. Uma das áreas emblemáticas onde esse fenômeno foi estudado é a região de Chatelperron, na França.

Ambos também eram altamente simbólicos. Além das representações de sapiens, temos testemunhos de neandertais, por exemplo, na caverna Gorham (Gibraltar) ou na caverna Ardales (Málaga).

No complexo da caverna Gorham, em Gibraltar, foram encontrados restos de produção lítica neandertal e representações artísticas de sapiens. Wikimedia Commons, CC BY

Ambos os grupos também empregaram itens de valor simbólico, como ornamentos pessoais, penteados, pingentes, o uso de ocre e oferendas em sepultamentos.

Encontro ou conflito?

Embora existam evidências que sugerem conflito entre neandertais e sapiens, as evidências são limitadas e sujeitas a interpretação. Podemos provar que o agressor era um sapiens ou um neandertal? Certamente que não.

O crânio de Shanidar, com 60-80.000 anos de idade, foi o primeiro esqueleto de Neandertal encontrado no Iraque. James Gordon / Wikimedia Commons, CC BY

Isso é o que acontece com restos mortais como o crânio de Saint-Césaire (França), com uma fratura na base relacionada a um golpe forte. Ou com o crânio de Shanidar 3 (Iraque), que apresenta um ferimento perfurante em uma costela, possivelmente devido a uma flecha ou projétil.

Em um nível teórico, podemos propor diferentes interpretações que justificariam o conflito com base em diferentes evidências. Por um lado, a menor diversidade genética dos neandertais poderia apontar para mais conflitos ou pressões por sobrevivência.

Por outro lado, evidências diretas nos dizem que deve ter havido competição por recursos, ocupando os mesmos habitats.

Além disso, as evidências arqueológicas indicam que as marcas em ossos e a disposição das ferramentas em alguns locais podem ser indicativos de conflito.

Diante dessas hipóteses, temos uma realidade: sua anatomia não foi um impedimento para o relacionamento ou a procriação entre os dois grupos. E a aparência física não parece ter sido um obstáculo.

Amizade em tempos difíceis

Tudo isso, mais a necessidade de tolerar situações em tempos de escassez, nos incentiva a pensar em um encontro “amigável”. Dessa “amizade”, temos evidências arqueológicas claras por meio da troca de ferramentas, conchas perfuradas e tingidas, bem como diferentes matérias-primas, como sílex ou obsidiana.

As descobertas sugerem que houve um tipo de comércio direto, migrações e transmissão cultural. E essa troca tinha de ser significativa, pois incluía a transferência de ferramentas, ornamentos, pigmentos e, muito provavelmente, ideias simbólicas.

Por todas essas razões, é prudente pensar que poderia ter havido “amor” entre os neandertais e os sapiens, pois para sobreviver é essencial amar a própria prole. E o fruto desse amor somos nós mesmos.

This article was originally published in Spanish

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