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CMS experiment at Cern.
Experimento CMS no Cern. D-Visions / Shutterstock

Bóson de Higgs: a partícula subatômica que guarda a chave para desvendar o Universo

Um gigante da física de partículas, Peter Wade Higgs faleceu em sua casa em Edimburgo, na Escócia, em 8 de abril de 2024, aos 94 anos. Seu legado inigualável, sintetizado pela descoberta do bóson de Higgs, continua a moldar profundamente o futuro da física de partículas como nenhuma outra descoberta anterior. Esta é a história de seu legado.

Quando Higgs nasceu em 1929, nossa compreensão da matéria era completamente diferente. Os físicos haviam desenvolvido um modelo simples da matéria com três partículas fundamentais, ou elementares (aquelas que não podem ser divididas em partículas menores).

Essas partículas eram os prótons, que existem nos núcleos dos átomos, os elétrons, que circundam os prótons, e os fótons, pacotes de luz responsáveis por uma força da natureza chamada força eletromagnética.

Durante a vida de Higgs, uma revolução surpreendente se desenrolaria, culminando na criação do Modelo Padrão da física de partículas, a estrutura mais bem-sucedida da História para a compreensão dos blocos de construção do Universo.

Higgs forneceria o coração para essa teoria. Para entender a importância do trabalho de Higgs, é necessário compreender o quebra-cabeça que a natureza apresentou aos físicos, começando com a descoberta do nêutron em 1932.

O nêutron é uma partícula subatômica, um parceiro neutro do próton, mas um pouco mais pesado. Se arrancado do núcleo atômico, um nêutron se decompõe em um próton e um elétron em cerca de dez minutos.

Para explicar esse decaimento é necessária uma nova força e uma nova partícula para mediá-la (conhecida como “portadora de força”). O novo portador de força tinha de ser muitas vezes mais pesado do que o nêutron e o próton, o que a teoria então predominante não conseguia explicar.

De acordo com essa teoria, os portadores de força tinham de ser sem massa. Esse era o caso do portador de força para a força eletromagnética, o fóton. Os físicos chamam essa característica da teoria de simetria.

Na física, as teorias com mais simetria têm menos parâmetros livres, ou seja, menos partes da teoria que podem ser alteradas. Um parâmetro adicional, como a massa de um portador de força, tornaria a teoria inconsistente.

Os físicos sabiam que algumas partículas tinham massa, mas não conseguiam explicar esse fato. Eles precisavam encontrar a maneira certa de quebrar ou superar a simetria dessa teoria, dando massa às partículas de uma forma compatível com tudo o que se sabia sobre as leis da natureza. Na época em que Higgs começou a trabalhar em suas ideias, na década de 1960, a questão de como as partículas elementares adquiriam massa era um assunto central na física.

Peter Higgs.
Peter Higgs recebeu o Prêmio Nobel de Física de 2013 por seu trabalho. Henrik Montgomery / Shutterstock

No início da década de 1960, o físico americano Phil Anderson percebeu que a simetria problemática dessa teoria poderia ser superada em supercondutores (um material que conduz eletricidade com resistência zero) ou em um gás carregado chamado plasma. Entretanto, para uma teoria que deveria explicar a massa, uma solução viável não poderia depender de um meio ou material específico.

Mais tarde, Higgs e outros teóricos desenvolveram um modelo que superou essa dificuldade. Os outros físicos eram Gerald Guralnik, Carl Hagen, Tom Kibble, Robert Brout e François Englert. Englert viria a dividir o Prêmio Nobel de Física de 2013 com Higgs.

Em retrospecto, a ideia era simples: um campo de fundo permeia todo o espaço, criando o tipo de meio para o qual a ideia de Anderson funcionou. Higgs publicou seu primeiro artigo sobre o assunto em 1964. Em 1966, ele foi o primeiro a prever que esse “campo de Higgs” também deveria vir acompanhado de uma “partícula de Higgs”. Se descoberta, ela provaria que o Modelo Padrão era uma teoria consistente da natureza.

No entanto, a busca pelo bóson de Higgs acabou sendo um desafio extraordinário. O próprio Higgs achava que a questão não seria resolvida em sua vida. Foram necessários quase 50 anos e o maior experimento já construído, o Grande Colisor de Hádrons (LHC) no Cern, para finalmente encontrar o bóson de Higgs. Em 4 de julho de 2012, imagens de Higgs, comovido até as lágrimas com o anúncio, percorreram o mundo.

O Modelo Padrão da física de partículas.
O Modelo Padrão da física de partículas. Alionaprof / Shutterstock

Nosso Universo é fundamentalmente moldado pelas propriedades exclusivas do bóson de Higgs. De forma similar aos estados sólido, líquido e gasoso da matéria, o campo de Higgs corresponde a uma fase do Universo que pode ser determinada pela medição da maneira como o bóson de Higgs interage com outras partículas.

Na década que se seguiu à sua descoberta, muitas dessas interações foram observadas no LHC. Esses resultados levantaram novas questões. A estabilidade do Universo - sua capacidade de persistir em seu estado atual mais ou menos para sempre - parece depender da massa e das interações do bóson de Higgs.

Se as medições atuais dessa partícula estiverem corretas, o Universo não é estável em seu estado atual. Isso significa que ele poderia eventualmente passar por uma transição para outra forma. As respostas que descobrirmos para essa pergunta podem provar que o Modelo Padrão está errado.

Os físicos também querem responder se o campo de Higgs realmente explica todas as massas das partículas elementares, como previsto pelo Modelo Padrão. Para muitos bósons de Higgs produzidos no LHC, não conseguimos descobrir em quais outras partículas eles decaem. Se conseguíssemos, poderíamos testar teorias mais especulativas ligadas à matéria escura ou outras teorias além do Modelo Padrão.

Para responder a essas perguntas, a Europa, os EUA e a China propuseram planos para a construção de novos colisores de partículas com foco no estudo do bóson de Higgs. O legado de Higgs será o programa experimental de física de partículas do século XXI.

Higgs foi um físico de uma era diferente. Atualmente, seria impensável que alguém com seu histórico de publicações permanecesse no meio acadêmico. Ele publicou apenas um punhado de artigos, quase todos de sua autoria. A cultura acadêmica de hoje cria uma competição feroz e uma pressão para publicar com frequência.

Higgs reconheceu isso em uma entrevista em 2013: “É difícil imaginar como eu poderia ter paz e tranquilidade suficientes no clima atual para fazer o que fiz em 1964… Hoje eu não conseguiria um emprego acadêmico… Não acho que seria considerado produtivo o suficiente”.

Isso deve ser visto como um aviso. Descobertas exigem tempo para ler e estudar trabalhos em outros campos, como o tempo que Higgs gastou para entender o trabalho de Anderson. Elas exigem que as universidades criem ambientes que priorizem o tempo para a pesquisa, em vez de colocar os pesquisadores em posições precárias, dependentes da busca constante de financiamento.

Seria totalmente adequado se o legado de Peter Higgs, que transformou nossa compreensão da física de partículas, também transformasse nossa abordagem da pesquisa.

This article was originally published in English

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