No dia 25 de janeiro de 2019, o deslizamento da Barragem de Córrego do Feijão, operado pela mineradora Vale, mudou a vida de Brumadinho para sempre. O impacto de milhões de toneladas de lama e rejeitos matou diretamente 272 pessoas, e provocou alterações substanciais na vida de milhares de moradores da região.
Em 4 de fevereiro de 2021, assinou-se o Acordo de Reparação Integral que previa, entre outras medidas, a transferência permanente de renda para as pessoas atingidas.
O acordo fez toda a diferença com relação aos desdobramentos de outra tragédia relacionada, o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, operada pela mineradora Samarco, que ocorreu em 5 de novembro de 2014 matando 19 pessoas.
Lá, até hoje ainda está em discussão - no contexto da repactuação do termo de ajuste de conduta assinado em 2016 - a constituição ou não de um programa de transferência de renda como forma de reparação das pessoas atingidas. Desde então, outras 118 pessoas já morreram enquanto aguardavam a reparação.
As distintas formas de reparação aplicadas aos dois casos faz a diferença entre a sensação de reparação e de abandono entre as vítimas.
Longo trâmite legal
Em dezembro de 2023, foi promulgada a Lei 14.750, que trata da prevenção e recuperação de áreas atingidas por acidentes ou desastres. Também aqui, a versão final da lei nada traz sobre a obrigação do empreendedor responsável pelo risco de acidente ou desastre promover transferência de renda para as pessoas atingidas. O texto cita uma previsão genérica de indenização - ainda que o tema tenha sido tratado nas discussões que levaram à lei.
Essa fragilidade do texto legal traz dificuldades na aplicação efetiva das ações indenizatórias, onde a transferência de renda de forma permanente é sempre vista como uma das ações mais importantes a serem tomadas pelos responsabilizados pela tragédia.
A discussão ainda em andamento sobre a inclusão de transferência de renda na repactuação de Mariana, por exemplo, mostra como a renda é vista pelas pessoas atingidas como o instrumento mais efetivo de reparação.
Isso acontece porque as ações tradicionais de resposta a desastres promove alívio imediato das necessidades mais básicas: água, alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal, abrigo. Contudo, passada a emergência, o fluxo destes bens cessa, e a população antes atendida começa a se sentir abandonada enquanto espera a indenização.
É claro que o recurso da indenização (que costuma ser um valor alto, pago em apenas uma só vez ou em parcelas) também é uma opção que repara os danos mensuráveis, sejam eles materiais ou imateriais. Mas em geral ela só acontece muito tempo após o desastre. O que resta entre o momento em que cessam os auxílios emergenciais e o dia em que chega a indenização é a sensação real de abandono. Ou a renda…
Entre Brumadinho e Mariana, diferentes modelos de compensação
No caso de Mariana, após o desastre criou-se o Auxílio Financeiro Emergencial. Passados mais de oito anos, todo mês novas pessoas são incluídas e excluídas do Auxílio, mas não há uma solução definitiva de transferência de renda.
Já em Brumadinho, em 2021 o Auxílio Emergencial deu lugar, com a assinatura do Acordo de Reparação, ao Programa de Transferência de Renda, de caráter perene e com novas regras, permitindo a inclusão de mais pessoas atingidas.
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Por decisão do Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais, a Fundação Getúlio Vargas foi escolhida, em setembro de 2021, para ser a entidade gestora do Programa de Transferência de Renda.
O Acordo previa a destinação de R$ 4.4 bilhões para o Programa de Transferência de Renda. Esse dinheiro foi aplicado pela FGV em um fundo exclusivo, o Fundo FI FGV-PTR, com investimento exclusivamente em títulos públicos. Desde novembro de 2021, quando a FGV recebeu os recursos do Juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública de Belo Horizonte, o rendimento acumulado deste fundo é superior a R$ 1 bilhão, sendo esse rendimento revertido para o pagamento das pessoas atingidas.
Hoje, o Programa de Transferência de Renda atende mais de 130 mil pessoas na Bacia do Rio Paraopeba. Cada um dos beneficiários recebe valores que variam entre 1 salário-mínimo (R$ 1.412,00 em 2024) para adultos que moravam na chamada Zona Quente e 1/8 do salário-mínimo (R$ 176,50) para crianças menores de oito anos residentes fora da Zona Quente. Para fins de comparação, o Bolsa Família pagará, este ano, R$600,00 por família e um adicional de R$ 150,00 para crianças até sete anos e R$ 50,00 para crianças e adolescentes entre sete e quatorze anos.
A cada mês, mais de R$ 100 milhões são distribuídos para 26 municípios da Bacia do Paraopeba. Quase metade deste valor é dirigido a moradores de Brumadinho. Desde que a FGV assumiu o Programa de Transferência de Renda, já foram repassados, o equivalente a R$2,2 bilhões, quantia superior ao Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios de Brumadinho, Mario Campos, São Joaquim de Bicas e Fortuna de Minas.
É inegável o efeito deste volume de recursos na economia local. Assim, a transferência de renda, além de ser uma medida de reparação efetiva diretamente à população atingida, tem potencial de transformar as economias locais.