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O temido Coral-sol, que prejudica os ecossistemas recifais brasileiros, possui uma proteína altamente eficiente no combate ao parasita da doença de Chagas. Acervo ESEC Tamoios / ICMBio, CC BY

Butantan e Oxford se unem para sintetizar proteína de coral invasor que mata parasita da doença de Chagas

A Doença de Chagas é hoje endêmica em 21 países das Américas e faz parte do grupo de doenças tropicais negligenciadas (DTN). Cerca de 7 milhões de pessoas vivem com a doença no mundo inteiro, sendo somados entre 30 a 40 mil novos casos por ano e 12 mil mortes.

O protozoário, transmitido pelo inseto barbeiro, age de forma silenciosa. Para ter uma ideia, mais de 90% dos pacientes levam anos para descobrir a infecção. Isso é um problema, pois a demora no tratamento acaba dificultando a eliminação do parasita.

Buscar por novas terapias é fundamental para solucionar essa questão de saúde pública. E é isso que estamos fazendo. Recentemente, estudamos uma molécula do coral-sol(gênero Tubastraea), uma espécie invasora que ameaça os corais nativos da costa brasileira desde a década de 1980 e hoje se estende por cerca de 3,5 mil km.

A molécula em questão mostrou seletividade para o parasita, matando somente os parasitas sem afetar as células saudáveis. Os resultados da investigação foram publicados em 2022 na revista ACS Omega.

Mergulho nesse tema há 20 anos, tendo o apoio do Instituto Adolfo Lutz e agora do Instituto Butantan, para onde fui recentemente transferido. Fizemos a coleta do animal ACS (o coral-sol) no Centro de Biologia Marinha da USP em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, e, em laboratório, extraímos seus compostos químicos e os isolamos. Voilà: após diversas análises, vimos que um destes compostos apresentava atividade contra o chamado Trypanosoma cruzi.

Neste momento, estamos trabalhando em parceria com a Universidade de Oxford para sintetizar a tal molécula capaz de matar o Trypanosoma cruzi, parasita causador da doença. Isso significa que queremos desenvolvê-la em laboratório, eliminando a necessidade de extraí-la do coral.

As boas notícias não param aí. Em 13 de abril deste ano, foi publicado um estudo na revista Pharmaceuticals sobre uma bactéria encontrada em sedimentos marinhos de uma ilha no litoral norte de São Paulo que também contém compostos químicos que, quando isolados, se mostraram promissores contra o Trypanosoma cruzi.

Segundo o banco de dados MarinLit, o ambiente marinho é fonte de mais de 40 mil compostos de macro e microorganismos. No Brasil, temos a região conhecida como Amazônia Azul, um território que compreende a área oceânica brasileira do Atlântico, cobrindo 3,6 milhões de quilômetros quadrados, e apresenta uma enorme biodiversidade de potenciais candidatos farmacêuticos para combater as DTNs.

Vale dizer que as moléculas não precisam ser sintetizadas apenas do mundo marinho. Uma parceria com a Universidade Federal do ABC (Prof. João Lago) revelou uma planta brasileira conhecida como canela-amarela (Nectandra barbellata) que também foi capaz de eliminar o parasita em testes in vitro.

No Butantan, o plano é dar continuidade ao projeto e explorar compostos de venenos de animais. Vale ressaltar que não basta apenas identificar a molécula. É preciso também modificá-la para torná-la ainda mais eficaz.

Análises feitas no Reino Unido (Dundee), por exemplo, mostraram que o composto natural da planta Nectandra circulava no sangue de animais por apenas três minutos. Algumas modificações feitas pela equipe de pesquisadores em Oxford, permitiu que ela passasse a agir por 21 horas.

O enfrentamento à doença no Brasil

Atualmente existe apenas um fármaco disponível para o tratamento da Doença de Chagas no Brasil, chamado benznidazol. Mas há um problema: apesar de o medicamento melhorar o quadro clínico, ele não elimina o protozoário.

Além disso, o benznidazol apresenta uma eficácia de 70% na fase aguda, mas apenas de 10 a 20% na fase crônica da infecção. Estudos como estes citados acima trazem esperança de que, no futuro, conseguiremos desenvolver medicamentos potentes que atuarão contra a doença. Afinal, agora há base para isso.

A Doença de Chagas não é transmitida pela picada do barbeiro, mas sim pelas fezes do inseto depositadas sobre a pele. A picada, no entanto, estimula que o indivíduo coce o corpo, facilitando o contato com o material infectado, que pode ser levado aos olhos, boca, nariz ou mesmo feridas abertas. A transmissão do parasita também pode ocorrer através da ingestão de alimentos contaminados, como caldo de cana e açaí in natura.

O risco é maior para pessoas que residem em casas de estuque, taipa, sapê, pau a pique, madeira, entre outras estruturas que permitam a proliferação de insetos em frestas. O barbeiro também pode ser encontrado na mata, escondido em ninhos de pássaros, tocas de animais, cascas de tronco de árvores, montes de lenha e embaixo de pedras.

Em sua fase inicial, a infecção pode ser assintomática ou causar sintomas como febre prolongada, dor de cabeça, fraqueza intensa e inchaço no rosto e nas pernas. Quando ocorre a picada do barbeiro, é possível que surja uma lesão na pele, o que pode ser visto como alerta para as pessoas.

Cerca de 30% dos infectados sofrem com sequelas graves, caracterizadas pelo aumento do coração e insuficiência cardíaca, decorrente de uma inflamação crônica no músculo do coração. Algumas pessoas também podem enfrentar problemas digestivos, como dilatação do intestino e do esôfago. Todas essas complicações costumam levar anos para acontecer, o que fortalece a importância do rápido diagnóstico e tratamento.

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