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Estudante do ensino médio em Hong Kong na saída de um teste de desempenho: investimentos dos países do sudeste asiático comprovam a conexão direta entre gastos com educação e melhoria da qualidade do ensino. AP Photo/Kin Cheung

Mitos da Educação: qualidade e desempenho dependem, sim, da elevação dos recursos financeiros

Ao longo do tempo, por diversas razões, em geral relacionadas à disputa pela destinação dos recursos financeiros disponíveis para desenvolver ações que projetem um futuro brasileiro menos desigual, análises e conclusões superficiais sobre a educação no Brasil foram se cristalizando na sociedade. Na série de artigos “Mitos da educação”, o mestre em Física e doutor em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) Nelson Cardoso Amaral examina em profundidade algumas dessas crenças equivocadas sobre o setor. Abaixo, no terceiro artigo da série, Nelson contesta o mito de que a educação no Brasil não carece de mais investimentos para melhorar de qualidade. Carece sim, e muito.


A cada três anos, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulga novos resultados para o PISA, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos, que oferece informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. O programa vincula dados sobre seus backgrounds e suas atitudes em relação à aprendizagem, e também aos principais fatores que moldam sua aprendizagem, dentro e fora da escola.

Se considerarmos os resultados do PISA como um explicitador da qualidade da educação de um país, podemos afirmar que existe uma relação, mesmo que não direta, entre os recursos financeiros aplicados em educação e os resultados do PISA.

Sabe-se, entretanto, que há controvérsias sobre a relação do PISA e a qualidade, por serem aplicadas provas que não consideram a realidade, a cultura e a tradição de cada país.

O PISA do ano de 2018 foi realizado com a aplicação das provas de leitura, matemática e ciências. A maior pontuação média foi obtida pelas regiões de Pequim, Xangai, Jiangsu e Zheijiang, na China, com 579 pontos, seguida de Singapura, com 556 pontos. O Brasil ocupou a posição 68 dentre 78 países, com 400 pontos.

Os bancos de dados internacionais da OCDE e do Banco Mundial permitem o cálculo do valor aplicado por pessoa de 0 a 24 anos, idades recomendadas para se realizar o processo educacional desde a educação infantil até a educação superior.

Neste caso, obtém-se que Singapura aplicou US$ 12.755 por estudante. E o Brasil, apenas US$2.490. O valor médio aplicado pelos 78 países que realizaram o PISA-2018 foi de US$ 6.842 po raluno, o que mostra a grande distância que o Brasil se encontra desse valor: 174,8% menos.

Nesta análise, para permitir comparações internacionais, utilizamos o dólar americano, convertido para a paridade de poder de compra (US$-PPC), que “são as taxas de conversão cambial que procuram equalizar o poder de compra das diferentes moedas, eliminando as diferenças nos níveis de preços entre os países”.

O gráfico abaixo mostra os valores aplicados por pessoa de 0 a 24 anos pelos países participantes do PISA-2018.

O eixo horizontal representa a lista de países que participaram dessa edição da prova internacional. No eixo vertical da direita são mostradas as pontuações do PISA-2018 em ordem decrescente e, no eixo vertical da esquerda, os valores aplicados por pessoa de 0 a 24 anos em US$-PPC.

Valores aplicados por pessoa de 0 a 24 anos e os resultados no PISA-2018.

As linhas de tendências traçadas mostram que à medida que as pontuações do PISA-2018 vão decrescendo, os valores aplicados por pessoa de 0 a 24 anos vão também caindo.

O primeiro colocado da lista (o número 1 no eixo horizontal do gráfico) é Singapura, que aplicou US$-PPC 12.755 por pessoa de 0 a 24 anos, com pontuação 556 no PISA-2018. O Brasil ocupa a posição 68 (a antepenúltima no corte apresentado pelo gráfico), com US$-PPC 2.490 aplicado por pessoa. A República Dominicana, com US$-PPC 1.919 e pontuação 334, ocuparia a última posição dentre todos os países.

Ou seja: o volume de dinheiro importa muito. Seja para estabelecer salários dignos, melhorar a estrutura física, equipar laboratórios, adquirir mobiliários, implantar ou modernizar as bibliotecas, realizar uma educação em tempo integral, todos fatores fundamentais para, em médio e longo prazo, melhorar a performance geral dos estudantes numa avaliação de desempenho com a feita pelo PISA.

Esses são parâmetros presentes nos estudos sobre o Custo Aluno Qualidade (CAQ) desenvolvidos por grupos de pesquisa brasileiros.

A evidência presente no gráfico nos mostra que a melhoria da qualidade, considerando o PISA como referência, somente será possível com a elevação do volume de recursos financeiros aplicados em todos os níveis e etapas da educação.

A Conferência Nacional de Educação (Conae-2024) realizada de 28 a 30 de janeiro de 2024 discutiu esta questão e estabeleceu para o próximo Plano Nacional de Educação para o período 2024-2034 como proposição:

“Consolidar a base da política de financiamento, acompanhamento e controle social da educação e ampliar o volume de recursos públicos aplicados exclusivamente em educação pública de maneira a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto - PIB - do país no 4º ano de vigência do PNE, 9% no 8° ano e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decênio.”

Isto implica em que se eleve o valor aplicado pelo Brasil para valores em torno de US$-PPC 5.000,00, ainda muito distante daqueles da Finlândia, US$-PPC 10.991,00, 516 pontos no PISA-2018, da Coréia do Sul, US$-PPC 9.776,00, 520 pontos ou da Austrália, US$-PPC 9.818,00, 499 pontos na edição 2018 da prova internacional.

Mito surgiu nos EUA

A força desta falácia de que não é preciso investir mais em educação se deve a estudos realizados nos Estados Unidos. Por não conseguirem ocupar as primeiras posições no PISA, apesar de aplicarem elevados recursos por pessoa de 0 a 24 anos, US$-PPC 12.295,00 e apenas 495 pontos no PISA-2018, os EUA procuraram conduzir a opinião pública à conclusão de que não há uma relação direta entre investimentos e desempenho, gerando o mito.

O fato de os EUA já aplicarem elevados recursos por pessoa de 0 a 24 anos, e a sua elevação não resultarem em melhores resultados para eles no PISA, pode indicar que deve existir um limite para o valor por pessoa nessa fixa etária. Mas abaixo disso, claramente pode haver melhora nos resultados, como é o caso do Brasil e de muitos outros países.

As conclusões dos estudos não consideraram ainda aspectos importantes presentes nas distintas sociedades, como história, tradição, cultura, desigualdade social, características sociais e econômicas da população e das famílias. São fatores que podem interferir fundamentalmente, além dos valores financeiros, nos resultados das provas aplicadas aos estudantes.

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