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Um grande pássaro preto, morto, emaranhado em uma rede com muitos peixes
Aves marinhas, como a pardela, podem se afogar quando ficam emaranhadas em redes de deriva e outros equipamentos de pesca: novo estudo estima risco adicional a grandes predadores marinhos representado por atividade de barcos “fantasma” Roy Lowe, USFWS/Flickr, CC BY

Tubarões, tartarugas e outras criaturas marinhas enfrentam um risco maior da pesca industrial do que se pensava

Meus colegas e eu mapeamos a atividade de embarcações pesqueiras “fantasma” (dark ships ou dark vessels, em inglês) - barcos que desligam seus dispositivos de localização ou perdem o sinal por motivos técnicos - no Nordeste do Oceano Pacífico. Em nosso novo estudo, descobrimos que predadores marinhos altamente móveis, como leões-marinhos, tubarões e tartarugas-de-couro, estão sob ameaça mais significativa do que se pensava devido ao grande número de navios de pesca fantasma que operam onde essas espécies vivem.

Embora não possamos observar diretamente as atividades de cada um desses barcos fantasma, avanços tecnológicos, incluindo dados de satélite e aprendizado de máquina, permitem estimar para onde eles passam quando não estão transmitindo suas localizações.

Examinando cinco anos de dados de dispositivos de localização de embarcações pesqueiras e os habitats de 14 espécies marinhas de grande porte, incluindo aves marinhas, tubarões, tartarugas, leões marinhos e atuns, descobrimos que nossas estimativas de risco para esses animais aumentaram em quase 25% quando levamos em conta a presença de embarcações fantasma. Para alguns predadores individuais, como os atuns albacora e rabilho (bluefin), esse ajuste aumentou o risco em mais de 36%. Os principais pontos críticos estavam no Mar de Bering e ao longo da costa do Pacífico da América do Norte.

A captura acidental é o principal risco para algumas espécies marinhas ameaçadas de extinção.

Como realizamos nosso trabalho

Os barcos de pesca usam o Sistema de Identificação Automática, ou AIS, para evitar colisões entre si. Seus sinais de AIS são refletidos por satélites para alcançar os navios próximos.

Esses dados são uma ferramenta valiosa para mapear o risco no mar e compreender as pegadas das frotas pesqueiras. Os dados do AIS capturam cerca de 50% a 80% das operações de pesca que ocorrem a mais de 100 milhas náuticas (cerca de 185 quilômetros) da costa.

Mas, em algumas áreas, os sinais de AIS das embarcações não conseguem alcançar os satélites, seja porque a recepção é ruim ou porque muitas embarcações estão amontoadas - da mesma forma que os telefones celulares podem ter dificuldade para enviar mensagens de texto em áreas remotas ou em estádios lotados. E assim como o rastreamento da localização pode ser desativado nos telefones, os barcos de pesca podem intencionalmente desativar seu AIS se quiserem ocultar sua localização. Os barcos que fazem isso podem estar envolvidos em atividades criminosas, como pesca ilegal ou tráfico de pessoas.

Calculamos o risco que estas embarcações fantasma representam para a vida marinha sobrepondo sua atividade aos habitats modelados de 14 predadores marinhos altamente móveis. Usando o mesmo método, também calculamos o risco que as embarcações de pesca observáveis que transmitem suas localizações representam para a vida marinha. Esses dois cálculos nos permitiram entender o risco adicional das embarcações de pesca fantasma.

Uma foca em uma praia, com uma corda enrolada e conectada a um grande flutuador laranja ao seu lado
Uma foca-monge do Havaí emaranhada em uma grande boia de pesca. Doug Helton, NOAA/NOS/ORR/ERD, CC BY

Por que é importante

Sabemos que muitas criaturas marinhas, inclusive espécies ameaçadas de extinção, são mortas por sobrepesca (pesca excessiva), captura acidental e emaranhamento em equipamentos de pesca. Uma maior sobreposição entre a vida selvagem e os barcos de pesca significa que esses impactos prejudiciais têm maior probabilidade de ocorrer.

Mesmo considerando apenas barcos de pesca observáveis transmitindo suas posições, a presença de barcos indica um risco considerável para a vida marinha. Por exemplo, leões-marinhos da Califórnia alimentam-se nas águas costeiras do Pacífico, desde a fronteira canadense até a regia de Baja Califórnia, e são acidentalmente capturados por barcos que pescam alabote e pescada. Encontramos atividades de pesca observáveis em mais de 45% dos habitats dos leões-marinhos.

Em outro exemplo, os tubarões-salmão migratórios se alimentam de salmão perto das Ilhas Aleutas, no Alasca, durante o verão e se reproduzem em águas mais quentes nas costas do Oregon e da Califórnia durante o inverno. Ao longo de sua jornada, os tubarões-salmão são capturados acidentalmente em redes de pesca e espinhéis. Detectamos atividade de pesca de embarcações observável em quase um terço do habitat do tubarão-salmão.

Dezenas de barcos de pesca saem de um porto urbano
Barcos de pesca partem para o Mar da China Oriental em Zhoushan, província de Zhejiang, China. Shen Lei/VCG via Getty Images

Nossas descobertas indicam que essas ameaças são maiores quando há barcos de pesca fantasma. As estimativas de risco para os leões marinhos da Califórnia e para os tubarões-salmão aumentaram 28% e 23%, respectivamente, quando levamos em conta os barcos fantasma.

Essas informações podem afetar a regulamentação da pesca. Por exemplo, os reguladores usam informações de risco para estabelecer limites de captura para espécies como o atum; um risco maior pode significar que estes limites precisam ser menores.

Para espécies como leões-marinhos e tubarões-salmão que são capturadas acidentalmente, níveis de risco mais altos podem indicar que os barcos de pesca devem usar equipamentos mais seletivos. Atualmente, a Califórnia está agindo sobre essa questão, ajudando os pescadores a eliminar gradualmente o uso de grandes redes de emalhar de deriva em águas estaduais. Essas redes, que ficam penduradas como cortinas na água, capturam muitos outros peixes junto com a espécie-alvo.

A contabilização de embarcações fantasma é particularmente importante em águas internacionais, onde operam barcos de vários países, pois os dados de AIS são uma das fontes mais completas de atividade pesqueira entre nações. O rastreamento de embarcações fantasma pode ajudar a tornar essas informações tão abrangentes quanto possível e fornecer percepções sobre os impactos multinacionais da pesca.

Nosso estudo não leva em conta as embarcações que não usam nenhum sistema de rastreamento ou que usam outros sistemas além do AIS. Portanto, nossos cálculos de risco provavelmente subestimam o verdadeiro impacto da pesca sobre os grandes predadores marinhos.

O que vem agora?

Os oceanos do mundo são ricos em vida, mas pobres em dados, embora isso esteja mudando. As imagens de satélite de alta resolução poderão, em breve, oferecer ainda mais informações sobre o risco apresentado pelas embarcações fantasma.

O presidente dos EUA, Joe Biden, e outros líderes globais se comprometeram a proteger 30% do oceano até 2030. Dados melhores sobre as interações entre humanos e animais selvagens no mar podem ajudar a garantir que as novas áreas protegidas estejam nos lugares certos para fazer a diferença.

This article was originally published in English

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