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Um selo que retrata Robert Falcon Scott em uma de suas expedições polares.
Muitas das medidas de saúde empregadas na primeira expedição de Scott e Shackleton são semelhantes às usadas atualmente. A diferença é que agora temos uma compreensão muito melhor do porquê. Sergey Goryachev/ Shutterstock

Como os exploradores polares da expedição Discovery de 1901 se mantiveram saudáveis durante sua jornada na Antártica

A Antártica é o continente mais inóspito da Terra. É seco, frio e completamente escuro durante meses do ano. Os exploradores do período do Rei Eduardo VII, no começo do século 20, foram alguns dos primeiros a enfrentar o inverno antártico, desenvolvendo novos conhecimentos que ainda hoje são utilizados pelos cientistas.

A expedição Discovery (1901-1904) desempenhou um papel fundamental na história da exploração polar. Ela foi liderada pelo comandante da Marinha Real Robert Falcon Scott, um explorador polar pioneiro que morreu em 1912 após tentar chegar ao polo sul. O terceiro tenente da expedição foi Ernest Shackleton, que depois liderou três outras viagens ao continente, incluindo a trágica e célebre viagem com o navio Endurance.

Não só Shackleton, mas também Falcon se tornaria um nome conhecido. Mas foi a expedição Discovery que lançou suas carreiras. Juntos, eles estabeleceram um recorde em dezembro de 1902, chegando mais perto do polo sul do que qualquer outro até então.

A viagem também moldou a forma como os dois homens pensavam sobre saúde, especialmente como prevenir e tratar o escorbuto. Minha pesquisa examinou como os oficiais, médicos e organizadores da expedição procuraram manter os exploradores saudáveis na Antártica, especialmente durante o inverno polar. Devido a esse trabalho, ninguém da expedição morreu por problemas de saúde (embora dois homens tenham morrido em acidentes).

Dieta

A alimentação era uma questão de vida ou morte para os exploradores polares. Acredita-se que os problemas com alimentos enlatados tenham contribuído para o fim da expedição Franklin, que desapareceu no Ártico no final da década de 1840.

As preocupações com os alimentos também foram motivadas pela ideia de que a carne mal conservada causava escorbuto (embora hoje saibamos que ele é causado pela falta de vitamina C na dieta).

Como os especialistas em saúde de hoje, os exploradores eduardianos se preocupavam tanto com a variedade de alimentos quanto com sua qualidade. “Dê aos homens uma boa alimentação saudável e garanto que vocês não terão doenças”, aconselhou o explorador norueguês do Ártico Fridtjof Nansen ao médico da expedição Discovery antes da partida.

Os organizadores da expedição testaram amostras de alimentos para analisar seu conteúdo nutricional. Todos os alimentos enlatados também foram inspecionados antes da expedição para verificar se havia sinais de deterioração. Apesar dessas precauções, os exploradores descobriram que grande parte de seus alimentos enlatados estava podre quando chegaram à Antártica. Isso se deveu à má qualidade dos alimentos enlatados que lhes foram fornecidos.

Para evitar que os homens comessem alimentos contaminados, os médicos da expedição verificaram cada lata antes do consumo. Porém, como os alimentos enlatados não continham muita vitamina C, a expedição ainda sofreu um ataque de escorbuto. Esse ataque só terminou quando eles começaram a comer mais carne fresca de foca.

Scott e Shackleton passaram a ver os alimentos frescos como a melhor maneira de prevenir e tratar o escorbuto, embora nenhum deles entendesse o motivo. Hoje sabemos que isso se deve ao fato de as carnes levemente cozidas conterem vitamina C.

Os exploradores passaram a ver os alimentos processados como mais perigosos do que os alimentos frescos. Essas discussões se parecem muito com os debates recentes sobre os riscos à saúde dos alimentos ultraprocessados. Os exploradores enfatizavam o fato de sempre terem acesso a carne fresca.

Uma foto do Discovery.
Houve muito debate sobre a ventilação no navio. Wikimedia Commons

Ar

Os exploradores também se preocupavam com a qualidade do ar no navio.

Os cientistas agora entendem que a poluição do ar tem efeitos negativos à saúde. Mas na era do rei Eduardo VII, a má qualidade do ar era entendida de forma diferente.

O ar ruim era visto como uma ameaça devido a teorias médicas mais antigas que argumentavam que a saúde precária era causada por “miasmas” - gases podres produzidos por matéria em decomposição. O frio, as correntes de ar e a umidade também eram considerados perigosos.

Sistemas de ventilação especialmente construídos foram instalados no navio. O sistema empregava dois fogões para ventilar os alojamentos dos exploradores com ar quente. Porém, uma vez na Antártica, o sistema não se mostrou confiável e consumiu muito combustível. O navio também era menos hermético do que o esperado, o que significa que foi ventilado sem a necessidade de usar os sistemas especialmente construídos.

Mas nem todos concordavam com a importância da ventilação. Scott comentou que “a questão do ar fresco e da ventilação era algo que nos proporcionava um campo constante de discussão”. Até mesmo os dois médicos da expedição tinham opiniões diferentes.

Um deles achava que era mais importante manter os aposentos ventilados abrindo as janelas todas as manhãs. O outro argumentava que era melhor se manter aquecido, mesmo que o ar não fosse tão fresco.

Eles nunca resolveram essa discordância, mas chegaram a um acordo sobre a frequência com que as janelas deveriam ser abertas.

Exercício

Havia mais consenso entre os exploradores sobre a importância dos exercícios. Mesmo nos anos 1900, o exercício era visto como uma forma importante de se manter saudável, capaz de combater os efeitos negativos percebidos da vida urbana moderna.

No verão antártico, os exploradores passavam a maior parte do tempo andando de trenó. Esse era um trabalho árduo, que levava os exploradores a seus limites físicos.

Mas no inverno, os exploradores ficavam em seus navios ou perto deles. Para se manterem saudáveis, eles faziam caminhadas diárias. Como comentou o segundo em comando da exposição, “Não há dúvida de que as pessoas se sentiam melhor depois de uma caminhada intensa sobre o gelo”. Essas caminhadas eram importantes do ponto de vista psicológico, pois proporcionavam breves oportunidades de privacidade e reflexão. Scott observou: “Durante a maior parte do inverno, a maioria dos oficiais preferiu fazer sua caminhada diária sozinhos.”

Os exploradores também praticavam esportes coletivos, como futebol e hóquei, e andavam de tobogã. O médico júnior da expedição afirmou que o “ar e o exercício” eram a chave para dormir bem e manter o apetite durante o inverno polar.

Em uma expedição à Antártica, manter-se física e mentalmente saudável era uma questão de sobrevivência, portanto, não é de se admirar que os exploradores passassem tanto tempo pensando nesses detalhes.

Muitas das medidas de saúde empregadas na primeira expedição de Scott e Shackleton são semelhantes às usadas atualmente. A alimentação, a qualidade do ar e os exercícios ainda são considerados importantes para a boa saúde. Mas, em comparação com esses exploradores polares do começo do século 20, agora temos uma compreensão muito melhor do porquê.

This article was originally published in English

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