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Balanço de como o mundo está avançando nos objetivos do Acordo de Paris estará no cerne das discussões da COP, que também devem abordar responsabilização, mecanismos de financiamento e transição energética. AP Photo/Rafiq Maqbool, File

COP-28: nova oportunidade para o mundo reafirmar compromisso real com luta contra mudanças climáticas

A 28ª Conferência das Partes (COP-28) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), que acontece em Dubai a partir de 30 de novembro, surge em um momento crítico para o mundo, marcado por conflitos, eventos climáticos extremos e um panorama econômico desafiador. A COP-28 é uma oportunidade para reafirmar o compromisso multilateral de resolver a mudança climática, apesar destes desafios.

No cerne desta COP está o primeiro ciclo do Balanço Global ou Global Stocktake (GST), um mecanismo essencial para avaliar como o mundo está avançando em relação aos objetivos do Acordo de Paris e catalisar ações transformadoras. O processo do GST, realizado a cada cinco anos, examina o progresso coletivo em áreas como mitigação, adaptação e perdas e danos, além dos meios de implementação e suporte, sempre embasado na melhor ciência disponível.

Ao longo de 2023, relatórios científicos de monta produzidos pelo IPCC, pelo PNUMA, pela IEA e pela própria UNFCCC deixaram claro o grande hiato entre o cenário desejável de manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC e a rota atual de crescentes emissões de gases de efeito estufa, aumento planejado da produção de combustíveis fósseis e baixa adaptação.

O papel do GST será oferecer uma resposta ambiciosa e visionária para guiar ações imediatas e aceleradas em todos os países e sistemas. Porém, é preciso ainda pavimentar o caminho para que isso aconteça em Dubai. Em um workshop realizado pré-COP em Abu Dhabi, em 30 de outubro, os países que são Partes do Acordo de Paris apresentaram suas visões sobre o possível resultado do GST, revelando suas diferenças e delineando quais são os pontos críticos nas negociações.

Um assunto bastante importante é sobre como o resultado da avaliação global deverá informar as respostas nacionais e a cooperação internacional. Espera-se que o GST não seja apenas um “check-up” periódico, mas um meio de se garantir que as metas do Acordo de Paris sejam atingidas, constantemente atualizadas e reforçadas em resposta às mudanças climáticas globais.

Sobre isso, há oposição já identificada ao que se possa estabelecer como dia seguinte do 1º ciclo de GST (GST1). Ou seja, processos que conectem o que será decidido na COP-28 com as futuras metas que cada país estabelecerá até 2025, no âmbito das suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs). Existem propostas de diversos blocos, a exemplo das pequenas ilhas (AOSIS), países menos desenvolvidos (LDCs) e União Europeia (UE), para que a decisão do GST fomente diálogos para apoiar a preparação das NDCs, além de uma revisão das lições aprendidas com o GST1, e acompanhamento regional, fora da UNFCCC, incluindo em Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (MDBs). Há uma forte narrativa de outros grupos como o chamado ABU (que reúne Argentina, Brasil e Uruguai) sobre a natureza nacionalmente determinada das NDCs e advertências contra medidas que infrinjam isso. A negociação sobre o day after do GST será quente.

Chaminés de uma fábrica tendo como pano de fundo o pôr do Sol
Poluição de uma fábrica em Hong Kong: discussão sobre equidade e responsabilidade deverá focar na velocidade dos esforços, mais em quem deve fazer antes do que em quem deve fazer mais. Kawing921/Unlimphotos

Outros pontos

Outro ponto de dissonância é a questão de equidade e responsabilidade, especialmente relevante para o Brasil e seus parceiros no G77+China. Enquanto os países em desenvolvimento defendem que a equidade deve refletir os princípios de responsabilidades comuns, mas diferenciadas (CBDR), os países desenvolvidos sustentam que a equidade deve considerar a evolução das responsabilidades e capacidades nas últimas décadas. Essa discussão não foi superada pelo Acordo de Paris, mesmo que ele tenha desenhado uma plataforma em que todas as Partes contribuem, sem exceção. O que está em jogo aqui é a velocidade dos esforços: quem deveria fazer mais antes.

Mais um ponto de negociação são as respostas setoriais. Algumas nações, incluindo o Grupo Árabe, Arábia Saudita e Rússia, mostram desconforto com a definição de metas ou objetivos setoriais para energia, por exemplo, no âmbito do GST. Enquanto isso, países como Índia e Brasil pressionam por ações “financiadas”, colocando como condição de qualquer acordo que haja financiamento previsível dos países que têm essa obrigação no âmbito da Convenção Quadro desde sua criação.

Sobre o assunto financeiro, persistem divisões significativas sobre como refleti-lo na estrutura do resultado geral do GST na COP-28. Diversos países desenvolvidos veem os fluxos financeiros (conforme disposto no Artigo 2.1c do Acordo de Paris) como separados e mais amplos do que o financiamento climático (Artigo 9 do Acordo de Paris), em contraste com a visão de muitos países em desenvolvimento. Esse último seria, segundo eles, apenas a cooperação estabelecida no âmbito da Convenção, por exemplo, contribuições aos fundos multilaterais como Green Climate Fund e Fundo de Adaptação. Já os fluxos financeiros mais amplos estão na casa dos trilhões de dólares, englobando o sistema financeiro internacional e orçamentos domésticos, entre outros.

Em conexão com o GST, uma das questões centrais da COP-28 é a transição energética. Esse não é um assunto contemplado por meio de um item na agenda de negociação - mas o objetivo de triplicar a energia renovável e dobrar a eficiência energética até 2030, simultaneamente eliminando progressivamente os combustíveis fósseis, será inevitavelmente discutido pelas Partes.

Na minuta de elementos da decisão compartilhada pelos copresidentes do GST, há texto sobre o tema. Sua inserção em uma decisão final sobre o GST é esperada, ainda que não garantida. Basta lembrar que os chefes das delegações tiveram que demonstrar todo o seu gingado diplomático na COP-26 em Glasgow, quando a palavra de eliminação gradual de carvão (phase down) entrou no texto de capa, e na COP-27, em Sharm el-Sheik, quando se falou disso e de acabar com subsídios aos combustíveis fósseis. Na COP-28 - e no GST em particular - não deve ser diferente.

Além do GST, outros pontos altos do “pacote da COP-28” são a operacionalização do fundo de perdas e danos e o objetivo global de adaptação, abordando os impactos desproporcionais das mudanças climáticas em países vulneráveis. A reforma da arquitetura financeira internacional para melhor servir à ação climática e o enfoque na proteção e restauração da natureza, incluindo o papel central dos sistemas alimentares, também são pontos de destaque, ainda que não entrem como itens a serem formalmente negociados.

O sucesso da conferência será medido por sua capacidade de demonstrar a disposição dos líderes em superar divisões climáticas, dar respostas concretas ao GST, anunciar ações transformadoras, garantir resultados negociados que reforcem a eficácia do processo da UNFCCC, e estabelecer padrões elevados de responsabilização (accountability). As decisões e ações tomadas em Dubai moldarão o futuro da política climática global e a credibilidade do regime climático. Com o alinhamento de líderes, partes interessadas e observadores da sociedade civil, a COP-28 tem o potencial de ser um marco histórico.

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