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Morador de Canoas, na Grande Porto Alegre, vivendo em um contêiner após perder tudo nas enchentes: das 27 capitais brasileiras, 15 não contam com nenhum plano de adaptação para mudanças climáticas. A capital gaúcha é uma delas. AP Photo/Tuane Fernandes

Desastre no RS expõe falhas nas políticas para pessoas em situação de rua no Brasil

O desastre que há mais de um mês o Brasil acompanha, impotente, no Rio Grande do Sul, deixa um alerta tão importante quanto os imensos prejuízos materiais, humanos e ambientais provocados pelas cheias no estado: a baixa capacidade das capitais brasileiras de se adaptarem para novos eventos extremos que podem e devem acontecer novamente e em breve.

No final de maio deste ano, o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), que coordena o “Núcleo Vitória” da rede de pesquisa do Observatório das Metrópoles, publicou o estudo “Crise climática e desastres socioambientais”, que avalia a adequação das maiores cidades do país para lidar com os efeitos imediatos das mudanças climáticas.

Metade das capitais brasileiras são incapazes de lidar com extremos climáticos

O trabalho evidenciou que, das 27 capitais, incluindo o Distrito Federal, 15 delas não contam com um Plano de Mudanças Climáticas.

Planos de Mudanças Climáticas são ferramentas de política pública fundamentais para o planejamento e a gestão de riscos contra eventos climáticos extremos em nível local. Capitais que não possuem este instrumento demonstram, no mínimo, falta de preparo e/ou diálogo popular sobre a questão. E Porto Alegre é uma delas.

Um dado adicional a esse cenário ruim é o número de pessoas em situação de rua no Rio Grande do Sul atualmente: segundo levantamento realizado pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania,, havia 9.859 pessoas vivendo sem teto no estado em 2023.

E mais um complicador: embora a ausência de uma moradia privada seja uma das características definidoras da população em situação de rua, este segmento muitas vezes é esquecido nas contabilizações de déficit habitacional no Brasil. Assim como o tema “habitação” raramente aparece nas definições de políticas públicas para as populações de rua - principalmente a nível municipal. Ou seja: a maioria dos prefeitos do país não prioriza a questão em suas plataformas de governo.

As chuvas e o aumento do déficit habitacional

No ano de 2019, segundo a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional no Rio Grande do Sul correspondeu a 226.083 domicílios. Deste total, 65.061 correspondiam ao conceito de “habitação precária”, que representa a soma dos domicílios “rústicos” ou “improvisados”.

Metodologicamente, não é possível afirmar uma correspondência direta entre os chamados domicílios rústicos e improvisados com a população em situação de rua. Mas é possível afirmar o inverso: os domicílios precários certamente sofreram mais intensamente os impactos das chuvas intensas.

É preciso pensar a habitação nas ações emergenciais voltadas à mitigação das crises socioambientais. Principalmente, é preciso pensar a população em situação de rua no âmbito dos Planos de Mudanças Climáticas.

Embora o IBGE tenha divulgado recentemente que existe um número muito expressivo de domicílios não ocupados no Brasil (cerca de 18 milhões de imóveis, ou 20% do total de domicílios existentes no país), o déficit habitacional ainda é uma questão premente em todos os estados.

Plano Nacional de Ruas Visíveis

No final de 2023, o governo federal lançou o Plano Nacional Ruas Visíveis, que se propôs a ser uma estratégia de ação e monitoramento para a efetivação de uma Política Nacional para a população em situação de rua no Brasil.

O plano utilizou a metodologia Housing First. Ela tem como pressuposto o acesso imediato à moradia como um fator estabilizador fundamental para a superação da situação de rua, e para o desenvolvimento de uma autonomia pessoal. Experiências nesse sentido já foram bem recebidas em diferentes lugares do mundo. Resta saber como tais propostas vão repercutir aqui, no âmbito de estados e municípios.

Precariedade crescente

O déficit habitacional brasileiro, segundo o último levantamento da Fundação João Pinheiro, realizado a partir da Pnad 2022, correspondeu a 6.215.313 domicílios - considerando as categorias de habitação precárias, a coabitação e o gasto excessivo com aluguel.

A habitação precária corresponde a cerca de 27% do total do nosso déficit habitacional. Por outro lado, a quantidade de pessoas em situação de rua vem aumentando exponencialmente. O IPEA estimou que havia em 2022, no Brasil, 281.472 pessoas que viviam em situação de rua, número que é 211% superior ao estimado em 2012.

Ambos indicadores denotam a urgência de se pensar a habitação como um direito humano acessível a todos. Ter uma moradia digna não significa acessar apenas a uma mercadoria de valor. Significa viabilizar a proteção de corpos e vidas humanas. Os eventos extremos derivados das mudanças climáticas só intensificam tal demanda.

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