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O Sol surgindo de trás de nuvens
Uso de tecnologias de geoengenharia para interferir na quantidade de radiação solar que atinge a Terra, e assim tentar combater o aquecimento global, foi objeto de recentes discussões na ONU, mas consequências são imprevisíveis Shutterstock

Esfriar a Terra refletindo a luz do Sol não é uma ideia tão brilhante assim, mas uma distração perigosa

A Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente analisou na semana passada uma resolução sobre interferência na radiação solar, que se refere a tecnologias controversas destinadas a mascarar o efeito de aquecimento global, provocado pelo aumento da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, refletindo parte luz solar que atinge o planeta de volta para o espaço.

Os defensores da ideia argumentam que estas tecnologias limitarão os efeitos das mudanças climáticas. Na realidade, este tipo de “geoengenharia” corre o risco de desestabilizar ainda mais um sistema climático já profundamente perturbado. Além disso, o seu impacto só poderá ser conhecido após a sua utilização.

Inicialmente, o projeto de resolução pedia a convocação de um grupo de especialistas para examinar os benefícios e os riscos da interferência na radiação solar. A proposta foi retirada de pauta na última quinta-feira depois de a assembleia não ter chegado a um consenso sobre o controverso tema.

Um resultado notável destas discussões, no entanto, foi um apelo de alguns países do Sul Global pela “não utilização” de tecnologias de interferência na radiação solar. Apoiamos firmemente esta posição. As mudanças climáticas causadas pela Humanidade já são uma experiência em escala planetária - e não precisamos de outra.

Um negócio arriscado

Em alguns círculos, a geoengenharia solar ganha proeminência como resposta à crise climática. No entanto, estudos têm identificado de forma consistente os potenciais riscos colocados por estas tecnologias, tais como:

Aqui, discutimos vários exemplos de interferências na radiação solar que exemplificam as ameaças representadas por estas tecnologias. Estes são também ilustrados no gráfico abaixo.

Uma infografia que mostra os potenciais efeitos não intencionais de vários métodos de engenharia solar.
Infográfico mostra os efeitos dos métodos de geoengenharia solar. Authors provided

Balões de ensaio

Em abril de 2022, uma empresa americana lançou dois balões meteorológicos ao ar a partir do México. A experiência foi realizada sem aprovação das autoridades mexicanas.

A intenção era esfriar a atmosfera desviando a luz solar. A redução do aquecimento resultante seria vendida com lucro como “créditos de carbono” a quem quisesse compensar a poluição pela emissão de gases do efeito de estufa.

Um esfriamento significativo do clima exigiria, na realidade, a injeção de milhões de toneladas métricas de aerossóis na estratosfera, utilizando uma frota de aviões voando a grande altitude. Tal empreendimento alteraria os padrões globais de vento e precipitação, conduzindo a mais secas e ciclones, exacerbando chuvas ácidas e retardando a recuperação da camada de ozônio.

Uma vez iniciada, esta dispersão de aerossol na estratosfera teria de ser efetuada continuamente durante pelo menos um século para se obter o efeito de arrefecimento desejado. Uma parada prematura levaria a um aumento sem precedentes das temperaturas globais, ultrapassando em muito os cenários de mudanças climáticas extremas.

Terra seca e rachada
Lançar aerossóis na atmosfera pode provocar mais secas. Shutterstock

Cabeças nas nuvens

Outra tecnologia de geoengenharia solar, conhecida como “marine cloud brightening” (“clareamento de nuvens marinhas”, em tradução livre), busca tornar as nuvens baixas mais refletivas pulverizando gotículas microscópicas de água do mar no ar. Desde 2017, são realizados testes na Grande Barreira de Coral da Austrália.

O projeto é de escala minúscula, e envolve bombear água do mar para um barco e pulverizá-la a partir de bicos em direção ao céu. O líder do projeto diz que a máquina geradora de névoa teria de ser aumentada por um fator de dez, para cerca de 3 mil bicos, para clarear as nuvens próximas em 30%.

Após anos de testes, o projeto ainda não produziu provas empíricas de resultados revistas por pares de que o clareamento das nuvens poderia reduzir a temperatura da superfície do mar ou proteger os corais do processo de branqueamento.

A Grande Barreira de Coral tem o tamanho da Itália. Para aumentar a escala das tentativas de clareamento das nuvens seriam necessárias até mil máquinas em barcos, todas bombeando e pulverizando grandes quantidades de água do mar durante meses no verão. Mesmo que funcionasse, a operação dificilmente seria, como afirmam os seus proponentes, “ambientalmente benigna”.

Os efeitos da tecnologia, por sua vez, permanecem pouco claros. Para a Grande Barreira de Coral, menos luz solar e temperaturas mais baixas poderiam alterar o movimento e a mistura da água, prejudicando a vida marinha. A vida marinha que pode também ser morta pelas bombas de água, ou afetada negativamente pela poluição sonora adicional. E, em terra, o aumento das nuvens marinhas pode levar a alterações nos padrões de precipitação e aumento da salinidade, prejudicando a agricultura.

Em termos mais gerais, no ano passado, 101 governos concordaram com uma declaração que descreve a geoengenharia marinha, incluindo o clareamento de nuvens, como tendo “o potencial para efeitos prejudiciais que são generalizados, duradouros ou graves”.

Uma visita de estudo sobre o clareamento das nuvens em 2021 (Southern Cross University)

Bolas de vidro, bolhas e espumas

O Arctic Ice Project, por seu lado, envolve espalhar uma camada de minúsculas esferas de vidro sobre grandes regiões de gelo marinho para clarear a superfície e frear o derretimento do gelo.

Foram realizados testes em lagos congelados na América do Norte. Recentemente, os cientistas mostraram que as esferas na verdade absorvem parte da luz solar, acelerando a perda de gelo marinho em algumas condições.

Outra intervenção proposta é pulverizar o oceano com microbolhas ou espuma do mar para tornar a superfície mais reflexiva. Isso envolveria o uso de grandes concentrações de produtos químicos para estabilizar as bolhas ou a espuma na superfície do mar, representando um risco significativo para a vida marinha, o funcionamento do ecossistema e a pesca.

Sem mais distrações

Alguns cientistas que estudam a geoengenharia solar discutem a necessidade de “rampas de saída” - o encerramento das pesquisas quando uma intervenção proposta for considerada tecnicamente inviável, muito arriscada ou socialmente inaceitável. Acreditamos que esse ponto já foi alcançado.

Desde 2022, mais de 500 cientistas de 61 países assinaram uma carta aberta pedindo um acordo internacional de não utilização da geoengenharia solar. Além dos riscos discutidos acima, a carta afirma que as tecnologias especulativas prejudicam a necessidade urgente de reduzir as emissões globais de gases estufa, e que não existe um sistema de governança global para regular de forma justa e eficaz sua implantação.

Os pedidos de experimentação das tecnologias de geoengenharia solar são equivocados e desviam energia e recursos do que precisamos fazer hoje: eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acelerar uma transição energética justa em todo o mundo.

Asa mudanças climáticas são o maior desafio que a Humanidade enfrenta, e as respostas globais têm sido lamentavelmente inadequadas. A Humanidade não deve se deixar desviar por distrações perigosas que não contribuem em nada para combater as causas fundamentais das mudanças climáticas, apresentam riscos incalculáveis e provavelmente atrasarão ainda mais a ação climática.

This article was originally published in English

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