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Chaminé de usina despeja resíduos na atmosfera
O decrescimento fará com que os países industrializados tenham menos receitas para mitigar as alterações climáticas. GettyImages

Movimento ‘Degrowth’: atrasar crescimento econômico é má ideia para lidar com mudança climática

O movimento degrowth - ou “decrescimento” - está em alta entre alguns políticos na Europa. Em maio deste 2023, o conceito ganhou espaço na conferência Beyond Growth (Além do Crescimento), uma iniciativa multissetorial do Parlamento Europeu.

O antropólogo econômico Jason Hickel, autor do livro “Menos é mais - Como o decrescimento vai salvar o mundo”, é uma das principais referências do movimento, e o define como:

“Uma redução planejada do uso de energia e de recursos destinada a trazer a economia de volta ao equilíbrio com o mundo vivo, de forma a reduzir a desigualdade e melhorar o bem-estar humano.”

A crença do movimento degrowth é que outras abordagens para a crise ecológica, como o crescimento verde e as metas de desenvolvimento sustentável, são fúteis. Isso porque estariam enraizadas no capitalismo democrático, que é obcecado pelo crescimento econômico. Desta forma, o movimento clama por um projeto de “transformação socioecológica radical” que desloque o capitalismo e “des-cresça” o Ocidente. O sul global está isento.

Até o momento, a corrente econômica dominante no mundo tem desprezado o decrescimento, considerando que talvez nem valha a pena dar atenção. As análises críticas de nomes destacados em economia como Ted Nordhaus, Branko Milanovic e Andrew McAfee, se resumem a artigos ao estilo blog.

O degrowth, no entanto, levanta críticas muito válidas contra o crescimento econômico e o paradigma do crescimento verde que sustenta a atual estratégia global para lidar com a crise ecológica. Mas será que o movimento oferece soluções viáveis? Colapso ecológico ou decrescimento são as duas únicas opções que temos pela frente? O decrescimento vai mesmo salvar o mundo, como Jason Hickel proclama com confiança?

Em artigos acadêmicos publicados pelo instituto alemão IZA, de pesquisa internacional em Economia do Trabalho, argumento que a proposta de decrescimento não é uma solução para a crise ecológica ou para as deficiências do capitalismo democrático.

O decrescimento seria ineficaz e poderia ser ainda pior para o meio ambiente, já que o foco nos países industrializados atingiria duramente os países em desenvolvimento devido às interdependências econômicas.

A meu ver, o Ocidente vem experimentando condições de decrescimento (a “grande estagnação”) há décadas. E esse experimento resultou em muitos males sociais e políticos. O movimento degrowth é uma reação contra o próprio decrescimento.

Falhas no argumento degrowth

O movimento degrowth defende que a redução do Produto Interno Bruto (PIB) das economias avançadas diminui as emissões de carbono o suficiente para evitar uma sobrecarga do meio-ambiente. Meu argumento é que a simples redução no PIB dos países desenvolvidos não teria impacto significativo sobre a pegada ecológica global.

Atualmente, a maior parte das emissões de carbono (63%) vem de países em desenvolvimento, onde elas continuarão aumentando. A China, por exemplo, constrói por semana o equivalente a duas novas usinas de energia movidas a carvão.

Muitos dos principais emissores de carbono do mundo –empresas de combustíveis fósseis– estão localizados no sul global. A lista inclui a Saudi Aramco, a National Iranian Oil, a Petroleos Mexicanos, a PetroChina, a Petroleos de Venezuela e a Kuwait Petroleum. Elas também são de propriedade ou controladas por governos, o que torna bastante estranho que Jason Hickel defenda a nacionalização das empresas de combustíveis fósseis entre as soluções do decrescimento…

Além do mais, considerar o sul global isento de ‘des-crescer’ é um reconhecimento implícito de que o próprio decrescimento pode causar danos. O movimento também ressalta que os países desenvolvidos deveriam compensar o sul global. Isso implicaria um passe livre aos contaminadores com presença no hemisfério, já que governos enriquecidos com combustíveis fósseis poderiam receber trilhões a título de reparação e investir ainda mais em seus mesmos setores poluentes.

O degrowth também seria ineficaz quanto a reduzir o crescimento econômico e o consumo. Pelo contrário, é provável que a maioria das propostas principais estimulem um aumento. Por exemplo, o movimento fala de autossuficiência energética, renda básica e semanas de quatro dias de trabalho. E sugere proibir a publicidade. São medidas sujeitas a um efeito rebote de recuperação da economia –incentivando precisamente o que se busca limitar.

Uma coisa leva a outra

O decrescimento pode ser ineficaz não apenas na redução da sobrecarga ecológica. Ele pode acabar contaminando também.

Primeiro, a redistribuição para os países menos desenvolvidos, como propõe o movimento, estimularia o crescimento da economia e do consumo agregado nesses países. Ironicamente, embora os adeptos do degrowth rejeitem a teoria neoliberal, eles parecem admitir que a redistribuição não tem efeito então sobre o crescimento econômico.

Em segundo lugar, uma queda na receita dos países desenvolvidos significa menos recursos para investir em tecnologias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Os defensores do decrescimento podem argumentar que bastaria transferir os gastos do consumo ostensivo para o investimento verde. No entanto, seria inconsistente com o fato de que os países mais inovadores não são os garotos-propaganda de Jason Hickel, como Sri Lanka ou Cuba, mas sim os que possuem maiores PIB, como Estados Unidos e Suíça.

Inovação custa dinheiro. Portanto, a economista britânica Kate Raworth, que cunhou a “teoria donut”, se engana quando afirma que “os limites fomentam a criatividade”.

Com os recursos e a inovação sob a pressão do decrescimento, as empresas podem simplesmente substituir técnicas de produção mais limpas e caras por outras mais baratas e mais poluentes. E sem perspectiva de crescimento futuro, a dívida se contrai, impedindo projetos necessários com investimento de risco.

O resultado é que o degrowth deixaria o mundo mais vulnerável aos impactos da deterioração ambiental.

O decrescimento também pode prejudicar os países em desenvolvimento devido à interdependência da economia global. Isso pode prejudicar desproporcionalmente os mais pobres entre os pobres –e piorar a desigualdade global.

A crise da COVID-19 destacou essa relação interdependente. A pobreza aumentou de forma mais acentuada no sul global do que no norte. O impacto da pandemia indicou como seria difícil para o sul se dissociar do norte.

Decrescimento e ditadura

Devido a essas deficiências, o decrescimento é politicamente inviável. Juntos, democracia e degrowth são desconfortáveis. O único exemplo na história de uma sociedade estacionária (sem crescimento) sustentável e próspera foi o Japão durante o período Edo (Tokugawa) (1603-1868). No entanto, foi uma “ditadura brutal”.

Considerando que é improvável que uma democracia opte voluntariamente pelo decrescimento, o movimento pode colocar o Ocidente em um caminho perigoso para rejeitar a democracia com um revés de coletivo autoritário.

O movimento degrowth acredita que o materialismo e as emissões de carbono não podem ser dissociados do crescimento econômico, mas que a inovação, a criatividade, a felicidade e o progresso social podem. Isso ignora a quantidade de progresso social que acompanhou os últimos dois séculos de crescimento econômico.

O físico Tom Murphy, que frisou os limites do crescimento econômico, alertou que:

“Em tempos de abundância, podemos nos dar ao luxo de ser gentis com aqueles que são diferentes. Somos menos ameaçados quando estamos confortáveis. Se o nosso padrão de vida no século XXI atingir um pico […], talvez não possamos nos dar ao luxo de ver nosso progresso social como uma catraca irreversível. Tempos difíceis reavivam velhos instintos tribais: o diferente não é bem-vindo.”

This article was originally published in English

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