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uma mulher ruiva tristonha usando headfones
Descobertas são profundamente perturbadoras, destacando que as mulheres que trabalham no setor enfrentam “limitações de oportunidade, falta de apoio, discriminação de gênero e assédio e agressão sexual Gorgev/Shutterstock

Sexismo permeia a indústria da música, e relatório ecoa o que as pesquisas afirmam há anos

O relatório Misogyny in Music (Misoginia na Música) do Comitê de Mulheres e Igualdade do Parlamento do Reino Unido, publicado em 30 de janeiro último, lança uma luz perturbadora sobre a discriminação de gênero, o assédio sexual e o abuso desenfreados no setor musical.

O inquérito interpartidário ouviu depoimentos de uma ampla gama de testemunhas ligadas à indústria da música. As descobertas são profundamente perturbadoras, destacando que as mulheres que trabalham no setor enfrentam “limitações de oportunidade, falta de apoio, discriminação de gênero e assédio e agressão sexual, bem como a questão persistente da desigualdade de remuneração em uma indústria dominada pelo trabalho autônomo e pelos desequilíbrios de poder entre os gêneros”.

O relatório chama a atenção para o uso indevido e generalizado de acordos de confidencialidade, que silenciam as vítimas e protegem os agressores, o que significa que: “As pessoas do setor que participam de shows e festas de premiação atualmente o fazem sentadas ao lado de abusadores sexuais que permanecem protegidos pelo sistema e pelos colegas.” A investigação também constatou que os problemas são “intensificados para as mulheres que enfrentam barreiras interseccionais, especialmente a discriminação racial”.

Esse relatório segue uma série de investigações recentes sobre discriminação na indústria da música.

Uma cultura de discriminação

Em setembro de 2022, a Independent Society of Musicians publicou seu relatório, Dignity At Work 2: Discrimination in the Music Sector (Dignidade no Trabalho 2: Discriminação da Indústria da Música). O relatório foi baseado em respostas de pesquisa de 660 pessoas do setor musical.

Descobriu-se que 66% sofreram alguma forma de discriminação e 78% dessa discriminação foi cometida contra mulheres. Dessa discriminação, 58% foram identificadas como assédio sexual, sendo que 76% dos trabalhadores em estúdios ou em eventos de música ao vivo sofreram discriminação. A pesquisa também constatou que 88% dos entrevistados autônomos não denunciaram a discriminação sofrida (94% não tinham a quem denunciar).

Importantes relatórios de pesquisa recentes também foram produzidos pela Black Lives in Music, a Donne Women in Music e a Women in CTRL. As descobertas também refletem vários das questões que surgiram por meio do trabalho da Women’s Musical Leadership Online Network, financiada pelo Arts and Humanities Research Council (AHRC), que lidero com a professora Helen Julia Minors da York St. John University.

Outros problemas para o setor

A discriminação de gênero permeia todas as camadas da indústria da música. Embora a representação das mulheres tenha aumentado nos últimos anos, os homens ainda dominam os cargos de liderança.

As persistentes associações de gênero de determinados instrumentos e gêneros musicais ainda impedem que as mulheres os utilizem ou os executem profissionalmente na mesma proporção que os homens. Historicamente, as mulheres eram incentivadas a tocar instrumentos “femininos”, como o piano ou a harpa, ao passo que os instrumentos de sopro e de metal - que exigem a distorção dos músculos faciais - eram fortemente desencorajados, assim como as cordas graves e a percussão.

Embora muitas dessas restrições históricas tenham desaparecido, elas permanecem nos dias de hoje para a bateria, o baixo e os metais. Jazz, heavy metal e rap (apesar de ter muitas mulheres artistas) ainda são vistos com frequência como gêneros masculinos.

mulher negra sentada em um teclado, com cara de cansada.
Os problemas se intensificam para as mulheres que enfrentam barreiras interseccionais, principalmente o racismo. Krakenimages.com/Shutterstock

O setor continua dominado pelos homens e assolado por práticas de trabalho desiguais. Muitas das pessoas que trabalham nessa indústria são autônomas, com contratos precários que geralmente envolvem horas antissociais sem as mesmas proteções que as pessoas que trabalham para empresas convencionais.

As mães musicistas autônomas geralmente não podem tirar licença maternidade de duração significativa, e os custos de cuidados com as crianças são exorbitantes. A recepção sexualizada e o constante escrutínio na mídia e nas redes sociais sofridos pelas mulheres no setor musical são exaustivos, ameaçadores e degradantes. O abuso e o assédio sexual generalizados aos quais tantas mulheres são submetidas são um segredo vergonhoso e aberto.

O relatório Misogyny in Music é um apelo urgente por mudanças.

Recomendações do relatório

O relatório inclui 34 recomendações. Ele pede que o governo legisle para “garantir que os trabalhadores autônomos tenham as mesmas proteções contra discriminação que os empregados”. Ele também solicita uma emenda à seção 14 da Lei da Igualdade do Reino Unido “para melhorar as proteções para pessoas que enfrentam desigualdade interseccional”.

O relatório pede que o governo britânico “apresente propostas legislativas para proibir o uso de acordos de não divulgação e outras formas de confidencialidade em casos que envolvam abuso sexual, assédio sexual ou má conduta sexual, bullying ou assédio e discriminação relacionada a uma característica protegida” (características protegidas pela Lei da Igualdade, como idade e raça). Ele também sugere uma moratória retrospectiva para as medidas já em vigor.

O relatório sinaliza a criação de uma nova Creative Industries Independent Standards Authority (CIISA, inglês para “Autoridade Independente de Padrões para a Indústria da Criação”) para atuar como “um órgão único e reconhecível ao qual qualquer pessoa do setor pode recorrer para obter apoio e orientação”.

Ele considera os requisitos adicionais que seriam úteis para introduzir em espaços nos quais se sabe que ocorre abuso, recomendando que estúdios e locais de música, a equipe de segurança que trabalha neles e os gerentes de artistas sejam todos licenciados.

O que fica claro no relatório é que o comportamento dos homens está no centro dessas questões. As medidas preventivas, no entanto, correm o risco de normalizar esse tipo de comportamento, pois colocam o ônus da responsabilidade sobre as mulheres para que não se tornem vítimas. Juntamente com as reformas legislativas, é necessária uma profunda mudança cultural na indústria da música para garantir que ela se torne um espaço mais seguro, inclusivo e solidário para as mulheres.

This article was originally published in English

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