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Fundada em terreno pantanoso apenas 10 metros acima do nível do mar, com um regime de chuvas intenso, pouca cobertura vegetal e saneamento básico muito precário, a sede da COP-30 sofre com problemas crônicos de alagamentos. Lalo de Almeida/Folhapress

A insustentável regulação urbana de Belém, sede da futura COP-30

A Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), evento que chama atenção de todos aqueles preocupados com a sustentabilidade da vida humana na Terra, acontecerá pela primeira vez em uma cidade amazônica. Sua 30ª edição (COP-30) está marcada para novembro de 2025 em Belém do Pará. Outrora conhecida como Cidade das Mangueiras, hoje Belém apresenta uma grande parcela de seu território que pode ser considerado um “deserto urbano”, tamanha a carência de cobertura vegetal. Resultado de expressivo crescimento horizontal nas últimas décadas (ação humana não acompanhada por um plano eficiente de arborização).

Belém é uma cidade que fica próxima à linha do Equador e, portanto, tem um clima predominantemente tropical úmido, cujas principais características são as elevadas temperaturas durante todo ano. O clima é quente e opressivo, com a temperatura em geral indo de 24° C a 32° C, e raramente é inferior a 23° C. As chuvas variam acentuadamente ao longo do ano, mas também costumam ser volumosas ao longo de todo ano. Até bem pouco tempo atrás, era comum os belenenses agendarem encontros antes ou depois da chuva da tarde.

Belém foi fundada em terreno pantanoso e está às margens do Rio Guamá e da Baía do Guajará. Sua altitude média é de aproximadamente 10 metros acima do nível do mar, o que a torna extremamente suscetível às variações das marés. Elas historicamente geram transtornos aos seus habitantes, seja quanto à definição de local de moradia - milhares de famílias habitam as margens dos rios urbanos na denominada “área de baixada” -, ou às enchentes nas áreas que outrora serviam como zona permeável de absorção do excesso de água dos rios e da chuva, e foram suprimidas pela ocupação humana e suas intervenções urbanas.

Os rios e igarapés que cortam a Belém foram em sua quase totalidade transformados em canais, galerias ou valas para transporte de esgoto sanitário. Retificados e concretados, os leitos dos cursos d’água foram impermeabilizados. Isto impede que absorvam e escoem a água das volumosas chuvas para o subsolo, agravando o problema crônico das enchentes e alagamentos. É muito comum ao belenense, sobretudo os que moram nas periferias da cidade, ter que dobrar a barra da calça ou levantar a saia em dias de chuva forte. Eu mesmo já fui vítima muitas vezes desta “injustiça” climática.

É bom dizer que as enchentes e alagamentos na cidade sempre existiram. Afinal, a localização e a topografia da cidade conspiram para que isso ocorra. Mas os pontos de inundação estão se multiplicando, ganhando maior dimensão e permanecendo por mais tempo até que as águas que circulam pelos canais voltem ao seu nível normal. Logo, existe uma piora de um problema urbano que gera mais caos à cidade que, em dois anos, será alvo de cobertura jornalística mundial.

Falhas de planejamento, regulação e comportamento

Alguns dirão que o problema das enchentes e dos alagamentos em Belém é provocado pela debilidade e inadequação das obras e serviços de macrodrenagem e de saneamento urbano, que consomem grandes quantias de recursos públicos sem solucionar a questão. Outros dirão que os principais culpados são os cidadãos e as empresas que, por falta de educação ambiental, descartam seus resíduos sólidos em locais inapropriados e de modo incorreto.

Mas também devemos lembrar que o mundo está diante de uma emergência climática, e que o aquecimento global aumenta a frequência e intensidade de eventos extremos, além da elevação do nível dos oceanos. Como dito antes, Belém é uma cidade das águas e altamente influenciada por elas. Os rios que cortam a cidade sofrem forte pressão das águas do Oceano Atlântico. Logo, se as geleiras derretem, o nível dos oceanos sobe, aumentando esta pressão e dificultando o escoamento da água dos rios e da chuva.

Para melhor explicar a relevância disso na dinâmica de vida de uma cidade costeira como Belém, podemos consultar ferramenta produzida pela NASA, a agência espacial dos EUA. Ela permite verificar como o derretimento de grandes geleiras impacta 293 cidades costeiras de todo o mundo, dentre as quais Belém.

Rua alagada no bairro Terra Firme, em Belém: falta de coleta de lixo, problemas de drenagem e esgoto a céu aberto contribuem para os alagamentos frequentes em época de chuva. Pedro Ladeira/Folhapress

Outro aspecto relacionado ao escoamento das águas urbanas é o sistema de microdrenagem, responsável pelo transporte da água pluvial de redes primárias (casas, edifícios, prédios públicos) até o sistema de macrodrenagem (canais, por exemplo). O sistema de microdrenagem, portanto, precisa funcionar bem para que haja fluxo das águas pluviais até as grandes vias drenantes de água, os canais e galerias. Caso contrário, haverá retenção de água em determinados pontos, gerando alagamentos.

Além disso, a legislação municipal urbana é exageradamente frágil em relação ao controle da taxa de permeabilidade do solo. Ela determina que uma apenas uma fração mínima do solo em lotes urbanos, que incluem casas, empresas, edifícios e condomínios, seja permeável. Este cenário resulta em uma cidade impermeável, sobrecarregando ainda mais uma rede de microdrenagem já sujeita a inconsistências. Assim, as enchentes e alagamentos se agravam, já que parte da água das chuvas que deveria ser absorvida pelo solo não é, dado o elevado nível de impermeabilização da cidade autorizado pela legislação vigente.

Percebemos em conversas com amigos e diferentes pessoas que existe uma cultura urbana consolidada em Belém que considera belo, moderno, até cult tornar a área de seu lote totalmente impermeável. Portanto, o que poderiam ser jardins são transformados em pisos de concreto. Dito de outro modo, os belenenses que aderem a essa falsa imagem de modernidade não percebem que estão contribuindo para a insustentabilidade da cidade.

Em resumo, seja na opção por um paradigma ultrapassado de macrodrenagem que retifica e impermeabiliza os rios urbanos, seja na conduta dos belenenses que descartam seus resíduos sólidos de maneira irresponsável ou, ainda, na adesão à cultura de impermeabilização do solo nos lotes urbanos, em todas situações existe a quase completa ausência da aplicação dos instrumentos de planejamento, regulação e fiscalização do uso do solo na cidade pelo Poder Público municipal. Além disso, as normas jurídicas existentes, extremamente permissivas, beneficiam principalmente os agentes do capital imobiliário.

Diante disso, para evitar que lideranças mundiais e representantes de quase 200 países tenham que enfrentar os transtornos das enchentes e alagamentos em Belém - inclusive ter que dobrar as barras de suas calças ou levantar as saias - fica a sugestão para que a COP-30 aconteça em outubro, mês que historicamente tem o menor índice de chuvas na cidade.

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