Menu Close
Enfermeira aplica vacina em uma criança pequena, nos braços do pai
A percepção equivocada de que “gastar bem” é sinônimo de “gastar pouco” pode estar impedindo que o sistema de saúde universal brasileiro melhore em eficiência, alcance e organização. AP Photo/Renata Brito

Análise: Brasil precisa criar novas fontes de custeio para o SUS

A pandemia da Covid-19 reforçou a importância dos sistemas universais de saúde, da soberania sanitária e da autonomia produtiva dos países, requerendo o fortalecimento das capacidades estatais, para atender em particular às demandas da população brasileira por serviços públicos de saúde.

O desafio reside na constatação de que para preencher os pressupostos constitucionais do SUS, mediante uma regra de financiamento menos dependente do ciclo econômico, o gasto público em saúde deve alcançar no mínimo 6% do PIB nos próximos 5 anos, acompanhado de forte regulação estatal sobre o preço e a qualidade de bens e serviços produzidos pelo mercado no setor saúde.

Eficácia, efetividade e custos

Além do mais, a aplicação de uma política de saúde eficiente deve ser cotejada com a eficácia e a efetividade, ou seja, não basta ser eficiente, se os indicadores e os desfechos das condições clínicas e epidemiológicas não são melhorados, tampouco se as necessidades de saúde e de assistência médica não são atendidas.

Desse modo, tendo em mente o combate ao desperdício e à corrupção, seria prudente evitar a adoção de um certo modismo gerencial, que acaba difundindoideia de que não adianta gastar mais, porque o SUS gasta mal, até porque a busca da eficiência em direção à eficácia e efetividade pode, na realidade, significar e exigir o aumento dos gastos sociais e dos investimentos públicos.

Infelizmente, no Brasil, muitas vezes, a “eficiência” aparece como panaceia administrativa, a qual acaba servindo para reforçar a imagem de que os problemas do SUS resultam da falsa dicotomia entre financiamento e gestão – quando é plausível admitir que boa parte de seus problemas de gestão tenham decorrido em razão de um quadro de restrição orçamentária.

A ilusão da redução

No plano teórico e empírico, portanto, em direção a um sistema público de saúde com mais qualidade, é necessário, de uma parte, desfazer a ilusão de que simplesmente a diminuição de recursos vai aumentar a eficiência do SUS e, de outra, ampliar a percepção de que não basta ser eficiente (fazer de modo econômico), é preciso também ser eficaz e efetivo (fazer de modo resolutivo o que é necessário e ético), para garantir acesso aos trabalhadores, famílias brasileiras e grupos mais vulneráveis, afirmando o direito social à saúde da Constituição de 1988.

No contexto de reconstrução nacional, a nova regra fiscal deve ter um papel relevante para a estabilização da economia, destacando-se a aplicação de gastos estratégicos com fortes efeitos redistributivos e multiplicadores como os de saúde.

É verdade que se tal regra promoverá avanços em relação ao teto de gastos, uma vez que a austeridade impôs uma perda em termos nominais de R$ 75,8 bilhões ao SUS (além dos R$ 11 bilhões relativos aos royalties do petróleo soma-se os R$ 64,8 bilhões retirados após a introdução da Emenda Constitucional 95), empresta igualmente certo zelo fiscalista à política econômica, diminuindo a possibilidade de abrir novo ciclo de desenvolvimento no curto prazo.

No entanto, apesar do delicado contencioso acerca do piso deste ano, o governo federal tem dado sinais que pretende construir alternativas para superar o quadro de desfinanciamento da saúde pública promovido por Temer e Bolsonaro.

Reforma tributária

Além dos R$ 20,7 bilhões adicionais da PEC da Transição, o Presidente Lula garantiu a ampliação do orçamento em cerca de R$ 40 bilhões em 2024, uma vez que a saúde não acompanhou a regra de gasto que funcionará com o novo arcabouço fiscal (15% da Receita Corrente Líquida).

Sem dúvida, é preciso avançar com a reforma tributária para recompor as perdas patrocinadas pelo teto de gasto (EC 95), a partir da criação de novas fontes de custeio do SUS, deixando as emendas parlamentares fora do piso da saúde ou mesmo do teto da despesa primária.

Afinal, o financiamento adequado do SUS é condição necessária para a garantia do direito universal, integral e igualitário à saúde, permitindo inscrever o setor no centro de um modelo de desenvolvimento, marcado pelo crescimento econômico inclusivo e sustentável.

Want to write?

Write an article and join a growing community of more than 185,700 academics and researchers from 4,983 institutions.

Register now