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Profissional da saúde mulher segura seringa para aplicar vacina em homem negro
Na semana em que o Ministério da Saúde determinou a aplicação de dose extra da vacina bivalente para idosos e grupos de risco diante do surgimento de uma nova variante, o sanitarista Gonzalo Vecina Neto escreve sobre como a baixa procura pela vacinação de reforço é preocupante no Brasil. Fiocruz Imagens

Análise: Precisamos de uma nova vacina contra a Covid-19?

A pergunta mais adequada seria se precisamos de uma vacina atualizada contra a Covid-19. Essa resposta deve ser dada no contexto de uma pandemia que ganha cada vez mais complexidade. O vírus SARS-CoV-2, causador da doença, surpreendeu a ciência com a sua velocidade de disseminação e de produção de novas mutações.

Em novembro deste ano completaram-se dois anos da identificação da variante Ômicron por cientistas da África do Sul. A Ômicron e suas sublinhagens ampliaram muito a quantidade de pessoas infectadas, mas também fizeram cair a gravidade e a mortalidade. Atualmente, não sabemos ao certo se o que estamos vendo nos últimos meses é uma variante do time da XBB ou outra com mutações pequenas ainda não identificadas, mas fato é que depois de dois meses os casos começaram a cair novamente.

A lição aprendida a duras penas sobre a Covid-19 foi que quanto maior o número de casos, maior a probabilidade de mutações do vírus e de novas versões com capacidade de espalhamento mais intensa do que a anterior. Foi o que vimos em novembro de 2021, quando o SARS-CoV-2 deu um salto com o surgimento da nova variante Ômicron. Com mais de 50 mutações na proteína usada pelo patógeno para penetrar nas células humanas (Spike), a variante Ômicron conseguiu furar a barreira das vacinas disponíveis. Com isso, pessoas vacinadas também podiam pegar a nova cepa.

Recentemente, mais uma subvariante de Ômicron, a XBB.1.5, elevou o número de casos. Análises feitas pelo Instituto Todos pela Saúde (ITpS) a partir de resultados de exames de um conjunto de laboratórios privados mostraram que, em 15 semanas, a positividade para a Covid-19 variou de pouco mais de 6% (em 8 de julho) para atingir seu ponto máximo de 33% em 14 de outubro. A partir de meados de outubro, a taxa começou a declinar e alcançou 26% em 4 de novembro. Trata-se, evidentemente, de uma amostragem restrita a 25% da população com acesso à medicina suplementar e que não representa a sociedade toda.

Hospitalização de idosos e vulneráveis está em alta

Neste momento, a Covid-19 está afetando com maior gravidade os grupos mais vulneráveis e idosos. São pessoas que têm uma ou mais comorbidades, como hipertensos, diabéticos, pessoas com imunodeficiências e com câncer que terão dificuldades maiores. Dados da plataforma SP Covid-19 InfoTracker, criada por pesquisadores da USP e Unesp com apoio da Fapesp mostravam em outubro um aumento de 35% das hospitalizações no estado em São Paulo por Covid-19. Recentemente, a plataforma indicou uma diminuição de 22% dessas hospitalizações entre 4 e 18 de novembro (de 1.239 internados por Covid no estado para 971).

Diante dessa realidade, a atualização da vacina bivalente que temos não é uma prioridade como foi o desenvolvimento de uma vacina que nos protegesse da variante Ômicron. Vamos recapitular o que aconteceu com as vacinas e falar de um outro aspecto muito grave – o pequeno percentual da população que tomou as doses de reforço.

Passados quase três anos de pandemia, não dispomos de dados suficientes para estabelecer a sazonalidade do vírus SARS-CoV-2 e nem evidências para definir os melhores intervalos de doses para as vacinas. Ainda assim, os países precisam rodar os seus programas de vacinação contra a Covid-19 para proteger suas populações.

O Brasil começou a vacinar contra a doença em meados de janeiro de 2021. Relembrando, o ciclo primário de vacinação contra a Covid-19 previa pelo menos duas doses e depois um reforço. Se a vacina fosse a CoronaVac, o intervalo entre a primeira e a segunda dose seria de quatro semanas. Para as vacinas AstraZeneca/Oxford e ComiRNAty (Pfizer/BioNTech), o intervalo seria de três semanas entre a primeira e segunda dose do ciclo primário.

A dose de reforço (ou terceira dose) teve início em setembro de 2021, com aplicação inicialmente na população acima de 60 anos que tivesse tomado as duas doses do esquema primário. Nesta fase, a preferência para a terceira dose foi pela vacina produzida pela farmacêutica Pfizer a partir de um mRNA sintético . Todas as vacinas desse período protegiam contra o SARS-Cov-2 de Wuhan, a cidade na China onde ele foi descoberto, e suas variante (alfa, beta, gama e delta). A cada uma delas o vírus se tornou mais facilmente transmissível.

A eficácia das vacinas vem sendo monitorada em diversas populações e contextos. No entanto, ainda não temos dados para determinar com certeza quanto tempo dura a sua proteção. As incertezas sobre a duração da proteção vacinal e a necessidade de adaptação contínua diante das variantes são desafios que enfrentamos.

Índice de aplicação de doses de reforço é muito baixo no país

Tudo isso me faz acompanhar com extrema preocupação a queda na procura por doses de reforço, essenciais para estimular novamente a produção de anticorpos e manter a imunidade. É o que se vê em todo o país.

Os primeiros lotes da nova vacina bivalente desenvolvida pela Pfizer/BioNTech, a ComiRNAty bivalente BA.4/BA.5, com fragmentos de mRNA sintético da variante Ômicron, começaram a chegar ao Brasil em fevereiro de 2023, quando teve início a imunização de grupos de risco.

Fato é que até o dia 30 de novembro deste ano, apenas 17,2% da população brasileira tomaram um reforço com a vacina bivalente. Isso quer dizer que a maior parte da população não está usufruindo da proteção que temos disponível contra a Ômicron e está mais vulnerável a ter Covid-19 novamente. São Paulo (23%), Distrito federal (22,75%) e Piauí (20,64%) lideram o ranking da vacinação de reforço, que termina com o Mato Grosso, onde apenas 7,38% tomaram a bivalente, segundo os dados oficiais.

É um direito querermos melhores vacinas, mas neste caso isso não se justifica. A meu ver, não precisamos de uma nova vacina contra a Covid-19 porque a vacina bivalente que temos consegue nos protege da variante Ômicron e suas subvariantes. Estudo mencionado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), feito pela Rede Canadense de Pesquisa em Imunização, apontou uma eficácia vacinal de 83% no período de 7 a 29 dias após a vacinação e de 81% no período de 60 a 89 dias após a vacinação usando esse novo imunizante.

O grande problema é que, em termos populacionais, estamos deixando de lado a proteção essencial e disponível contra o vírus. E mais – estamos desinformados. Hoje, o esquema vacinal completo é composto por duas doses e duas doses de reforço. Mais quatro doses (a terceira, terceira de reforço, dose adicional e dose reforço) já foram disponibilizadas nos postos de saúde. Basta ir ao posto de saúde para tomá-las. A vacina bivalente pode aplicada em um intervalo de três meses após o primeiro ciclo vacinal ou dose de reforço. Quem não sabe quanto tomou a última vacina pode consultar suas datas de imunização no aplicativo ConecteSUS.

Mudança de cenário

Dados do monitor Covid-19 no Brasil, do Ministério da Saúde e baseados nas notificações ao SUS, mostram que durante a SE 47ª (Semana Epidemiológica de 19 a 25 de novembro de 2023), 319 brasileiros morreram com ou por Covid-19. Ano passado foram 548, contra 1.599 em 2021 e 3.331 vidas perdidas na mesma Semana Epidemiológica em 2020. Essa perspectiva revela quantas mortes foram evitadas. Mas isso não resolve a perda de um ente querido ou a convivência com as sequelas da doença, que vem mantendo um padrão de maior impacto entre crianças pequenas e idosos.

Neste ano, foram registrados 1.747.130 casos e 13.936 óbitos por Covid-19 até o dia 25 de novembro. Não há dúvida de que estamos muito distantes do que vimos no início da pandemia, mas ainda morrem cerca de 50 pessoas por dia no país com ou por Covid-19 e isso não pode ser algo normalizado.

A partir de 2024, a vacina contra a Covid-19 passará a fazer parte do Programa Nacional de Imunizações (PNI). A recomendação é vacinar prioritariamente crianças de 6 meses a 5 anos incompletos e grupos de maior risco para formas graves da doença, onde estão inseridos idosos e profissionais de Saúde, gestantes e mulheres no pós-parto, pessoas com imunodeficiências e com câncer.

Tenho dito que aqueles com mais de 60 anos que se vacinaram em primeira e segunda dose a partir de agosto de 2021 devem ir ao posto tomar tomar a sua vacina bivalente ou o reforço dessa vacina. Afinal, não sabemos quantas variantes mais teremos, e nem se seguirão um roteiro previsível de menos agressividade e cada vez maior disseminação.

Em nota técnica divulgada no dia 5 de dezembro deste ano, o Ministério da Saúde enfatiza a necessidade de que as pessoas com 60 anos ou mais e imunocomprometidos acima de 12 anos de idade que tenham recebido a última dose da vacina há mais de 6 meses tomem o reforço da vacina bivalente.

As orientações foram motivadas por uma avaliação da disseminação da variante BA.2.86 (ainda da família Ômicron) no país e suas sublinhagens. A partir de 21 de novembro de 2023, a variante foi identificada em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Ceará e, para os especialistas, ela pode estar circulando em outros locais do Brasil. A orientação é que o SUS passe a testar os novos casos de Síndrome Gripal para a Covid-19, preferencialmente por métodos moleculares, e que sejam coletadas amostras testes diagnósticos laboratoriais.

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