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Equipamento de mamografia de última geração em uso num hospital em São Paulo: para a médica Fabiana Makdissi, as responsabilidades do cotidiano e profissionais levam muitas mulheres a negligenciar o exame e perder a chance de um diagnóstico precoce. Eduardo Knapp/Folhapress

Câncer de mama: por que há mulheres que demoram demais a fazer o exame que detecta a doença no Brasil?

Normalmente, eu iniciaria essa discussão falando sobre os números do câncer de mama no Brasil, mas prefiro começar contando a minha própria experiência. Sou médica mastologista e, há seis anos, quando tinha 45 anos e já liderava o Centro de Referência de Mama do A.C. Camargo Câncer Center, passei de médica a paciente.

Recebi o diagnóstico de câncer de mama no meu consultório, entre uma consulta e outra. Percebi na hora em que abri a porta para uma paciente e vi na sala de espera uma amiga mastologista, que viria a ser minha médica. Ela estava lá para me dizer pessoalmente que a biópsia da minha mama tinha revelado um câncer.

Inúmeros questionamentos vieram à mente e senti o pensamento desconexo por conta de muitos medos. Na condição de especialista, conhecia bastante bem o assunto e sabia que não seria exceção por ser médica. Afinal, sou uma mulher e estou envelhecendo, duas condições que geram um risco maior para o câncer de mama.

Houve momentos em que saber tanto sobre a doença realmente pareceu uma espécie de castigo. Uma amiga médica que também fez parte da equipe que cuidou de mim espantou esse pensamento torto e me acalmou: “Fabi, o conhecimento sempre é bom, porque traz a possibilidade de fazer escolhas.”

Durante o tratamento, contei sobre a doença apenas aos amigos mais próximos, família e colegas da equipe que me tratou. Eu questionava se compartilhar a minha história, similar à de tantas mulheres que atendi, ainda que cada caso seja diferente, acrescentaria algo importante. Mas acabei percebendo que abordar o assunto alivia e humaniza esse momento da vida.

Tomei coragem para falar pela primeira vez sobre a doença no segundo ano depois do diagnóstico, em um evento do Outubro Rosa. Entendi naquele momento que seria importante compartilhar com outras mulheres que passavam por histórias diferentes um outro olhar da mesma doença.

Quem sabe percebendo que mesmo sendo médica eu tive câncer, elas não se sentiriam mais fortes? E foi exatamente assim que aconteceu. Contar minha história para as mulheres têm fortalecido a elas e a mim mesma.

Também fiquei muito tempo pensando no que leva as mulheres a postergarem a mamografia, como eu fiz e tantas fazem. Sim, porque eu estava com os meus exames atrasados e fui alertada pela minha ginecologista. Mas como logo eu, que recomendo a tantas mulheres que mantenham em dia os seus exames? Sou exemplo para elas, e me senti um péssimo exemplo.

A verdade é que muitas vezes as mulheres se veem enredadas pelas responsabilidades do cotidiano ou compromissos profissionais e não colocam a própria saúde na agenda. Muitas cuidam de muitos, mas não reservam igual atenção para si mesmas. É preciso virar essa chave e colocar-se como prioridade.

Alguém já perguntou se você marcou seu exame?

O câncer não vai desaparecer da face da Terra e precisamos garantir que seja identificado e tratado prontamente. A estimativa é de 73 mil novos casos de câncer de mama no Brasil em 2023. Uma em cada oito brasileiras terá esse diagnóstico.

Na verdade, a estatística brasileira de câncer de mama é até menor do que países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Estudos indicam que as taxas de incidência são maiores, por exemplo, entre as mulheres do Norte da Europa e nos Estados Unidos. Porém, isso está estreitamente relacionado ao maior acesso a diagnósticos precoces e a uma quantidade bem menor de casos descobertos em fase avançada. Em muitos desses países há programas eficientes de rastreio.

No Brasil, temos o rastreio que chamamos de oportunístico, quando a mulher lembra ou tem a oportunidade de ir à médica ou médico, que pedem exames. Não há um rastreio organizado, em que a pessoa recebe um telefonema ou mensagem perguntando se está em dia com a sua mamografia ou exame Papanicolaou (detecta lesões precursoras do câncer do colo do útero e da infecção pelo HPV). Isso não é feito na rede pública ou pelas operadoras de planos de saúde, salvo pouquíssimas situações.

No A.C.Camargo, onde atendo pacientes e ensino jovens médicas e médicos a tratar o câncer, temos sugerido que a prevenção do câncer de mama faça parte da política de saúde das empresas. Por exemplo: e se as áreas de Recursos Humanos, que têm os dados de todas as mulheres que empregam, avisassem a elas que acima de 40 anos precisam fazer suas mamografias?

Para estimular a realização dos exames, foi aprovado um projeto de lei (PL 5608/23) para beneficiar com incentivos fiscais e acesso a programas de capacitação as empresas que contratam e reinserem mulheres com câncer no mercado de trabalho. Existem também propostas para incentivar as empresas a liberar suas funcionárias no dia agendado para a mamografia. Hoje isso não ocorre, ou se ocorre é raridade.

No SUS, o governo oferece a mamografia a mulheres acima dos 50 anos de idade, quando a incidência aumenta. No entanto, considerando a epidemiologia regional, nós temos um volume significativo de pacientes mais jovens com câncer de mama. Para abranger um número maior de pessoas e fazer diagnósticos mais precoces, seria adequado o governo garantir a mamografia a partir dos 40 anos, como se dá na saúde suplementar.

Esse limite vem sendo muito discutido. De acordo com o critério atual, eu não teria feito o exame aos 45 anos e não teria diagnosticado um câncer em fase inicial, quando o tratamento é menos custoso e mais efetivo. Se tivesse esperado mais cinco anos, provavelmente minha história teria sido outra.

Precisamos avançar na detecção precoce e apoiar umas às outras no cuidado com a própria saúde. Participei recentemente do lançamento do movimento “8 por todas”, que encoraja as mulheres a cuidarem de outras oito mulheres do seu círculo de relações. É uma ideia que pode produzir um grande impacto. Mulheres têm grande poder quando se juntam.

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