Menu Close
Seis homens e uma mulher sentados em cadeiras, num palanque, ouvem o presidente colombiano, que discursa em pé.
O presidente Gustavo Petro discursa em Bogotá, em agosto, na cerimônia que marcou o início de um cessar-fogo de seis meses, parte de um acordo com o ELN. AP Photo/Ivan Valencia

Colômbia procura incluir a direita radical nas negociações com o ELN em busca da “paz total”

Há sete anos, durante a presidência de Juan Manuel Santos, a Colômbia dava um importante passo na direção à paz com a obtenção de um acordo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Atualmente, o país tem buscado uma solução pacífica junto à sua segunda maior guerrilha de esquerda e a maior ainda em operação: o Exército de Libertação Nacional (ELN).

Embora haja uma profusão de estereótipos a seu respeito, geralmente fundados na representação midiática da violência criminal e os impactos do narcotráfico, trata-se de um conflito motivado por um emaranhado difícil de desembaraçar e que recusa explicações simplistas. Há uma série de atores envolvidos em alianças e enfrentamentos fluidos: o Estado colombiano e as elites políticas que o controlam, as Forças Armadas, as guerrilhas de esquerda, os grupos paramilitares de direita e seus sucessores, os narcotraficantes e uma diversidade de outros grupos criminais. Assim, com tudo que isso implica, as populações afetadas pela violência habitam o espaço do fogo cruzado entre esses atores há mais de cinco décadas.

Nas raízes do conflito estão, entre outras questões, a distribuição de terras, o modelo econômico, o processo (e as dificuldades) da consolidação estatal e as ferramentas de inclusão política disponíveis à população. A desigualdade social e a exclusão política ajudam a explicar o surgimento das guerrilhas nos anos 1960 como alternativa armada de reivindicação política. O combate a tais movimentos armados, por sua vez, deu lugar a políticas estatais de contra-insurgência que se apoiaram não somente nas Forças Armadas e na ajuda estadunidense, mas também em forças paraestatais. Os processos de desmobilização negociada entre Estado e grupos armados ao longo das últimas décadas foram parciais, questionáveis ou, com mais frequência, malsucedidos, de modo que uma resolução pacífica ao conflito pareceu um sonho distante até os Diálogos de Havana com as FARC.

Dos Diálogos de Havana à paz total de Gustavo Petro

Para setores há muito empenhados na construção da paz, os Diálogos de Havana representaram um sopro de esperança que, na medida do possível, acolheu e deu voz às demandas da sociedade. Porém, outras parcelas da população, em especial a direita radical liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, não se sentiram representadas pelo acordo. Pelo contrário, viram nele a celebração da impunidade dos crimes da guerrilha e interpretaram o enfoque de gênero adotado em sua redação como a imposição de uma “ideologia de gênero” que ameaçaria tradições e valores familiares colombianos.

Em 2016, mediados pelo então presidente cubano Raul Castro, Juan Manuel Santos e Timoleon Jimenez, líder das Farc, assinaram acordo de paz. A direita radical não se sentiu representada e um referendo forçou a renegociação de partes do texto, quase colocando o processo a perder. AP Photo/Ramon Espinosa

Tal oposição culminou na rejeição do acordo de paz em um referendo realizado pelo governo em 2016, o que forçou a renegociação de partes do texto e quase colocou o processo a perder. Um dos maiores desafios enfrentados pela implementação do acordo, portanto, tem sido sua incapacidade de cultivar coesão política e social em torno da paz, garantindo-lhe um senso de continuidade resistente a oscilações políticas. Muito aconteceu desde 2016 – muito mudou, mas muito também permaneceu igual.

Por um lado, o ineditismo do acordo com as FARC transformou o ponto de partida para qualquer novo investimento na paz. Os atuais esforços de resolução do conflito retomam as lições aprendidas nesse processo, partindo do primeiro governo de esquerda da história do país, encabeçado por Gustavo Petro e Francia Márquez. Assim, no último ano viu-se uma guinada em busca do que o novo governo intitulou paz total – uma proposta de paz que seria acordada em negociações simultâneas com múltiplos grupos armados políticos e criminais e que, apoiando-se na noção de segurança humana e trabalhando de baixo para cima junto à população, transformaria o direito constitucional à paz em uma política de Estado.

Apesar disso, boa parte do emaranhado permanece intacto. O vácuo deixado pela desmobilização das FARC abriu espaço para a criação de novos grupos armados e o fortalecimento ou repaginação de antigos, o que contribuiu para a permanência e em alguns sentidos até a deterioração dos níveis de violência. Isso se evidencia no risco enfrentado por líderes sociais e ex-integrantes das FARC, que aumentou muito desde a assinatura do acordo de paz – segundo o INDEPAZ, somente entre janeiro e setembro deste ano foram 127 defensores de direitos humanos e 31 signatários do acordo assassinados no país. Acima de tudo, permanece na Colômbia uma imbricação histórica entre a política e a violência organizada, bem como discordâncias fundamentais sobre a melhor saída para o conflito.

As negociações com o ELN

Nesse contexto, a proposta de uma “paz total” parece tanto uma aposta ambiciosa demais quanto a única saída possível para este longo ciclo de violência. Dadas as críticas já recebidas pelo projeto até o momento, sua viabilização promete representar uma montanha íngreme e acidentada.

Ao lado das negociações para a submissão à justiça de grupos criminais tais como o Clã do Golfo, as conversações com o ELN constituem um elemento chave desta iniciativa. Muitos a consideram uma guerrilha de mais difícil negociação do que as FARC, dado que não se organiza hierarquicamente como esta, e sim por uma estrutura federal – o que implica um consenso interno prévio à tomada de decisões na mesa. Além disso, o ELN faz maiores exigências por participação social nas negociações, o que é desejável do ponto de vista da qualidade da paz a ser obtida, mas igualmente pode resultar em diálogos mais longos e acirrados.

Como “herança” das negociações com as FARC, poderíamos citar o apoio próximo de Cuba e Noruega, países garantidores que foram cruciais para o êxito dos Diálogos de Havana. Chile e Venezuela, que haviam sido acompanhantes com as FARC, foram “promovidos” a garantidores no processo com o ELN. A presença da Venezuela revela-se essencial, já que o ELN é hoje efetivamente considerada uma guerrilha colombo-venezuelana. Aqui, juntaram-se neste papel também México e Brasil. No caso do ELN, percebe-se um reforço ao elemento regional e um critério maior de alinhamento político com os países designados garantidores. Como países acompanhantes foram escolhidos Alemanha, EUA, Suécia, Suíça e Espanha.

Ao contrário das negociações com as FARC, que ocorreram em Havana do início ao fim, os ciclos de conversa entre governo e ELN têm ocorrido em rodízio entre os países garantes. Até o momento, já houve ciclos no México, na Venezuela e em Cuba. Recentemente, a mesa se encontrou pela primeira vez em solo colombiano e, embora ainda sem confirmações nesse quesito, levantou-se a possibilidade de as delegações instalarem-se permanentemente no país.

Diferentemente da estratégia adotada pelo governo Santos e as FARC, em que o conflito seguiu se desenrolando ao longo das conversas, no processo atual declarações bilaterais temporárias de cessar-fogo têm sido negociadas. Desde agosto, o governo e o ELN iniciaram um compromisso de suspender operações militares direcionadas um ao outro por 180 dias.

Desafios à frente: o papel da direita radical e além

Talvez o contraste mais notável em relação ao caso das FARC, e certamente um aprendizado em relação a ele, diga respeito à escolha da equipe negociadora. A despeito de proceder de um governo de esquerda e ser chefiada pelo ex-integrante do M-19 Otty Patiño, a delegação governamental dessa vez conta com a participação de um representante da direita radical – o uribista e presidente da Federación Colombiana de Ganaderos (Fedegan) José Félix Lafaurie. Trata-se de uma cartada ousada porém bastante lógica, tendo em vista que a falta de representatividade deste setor no processo de paz anterior lhe impôs uma série de desafios.

Em um posicionamento muito diferente do adotado durante o processo capitaneado por Santos, Uribe não se opôs à participação de Lafaurie nas negociações. Embora tenha frisado que suas decisões na mesa não representam oficialmente a posição do partido Centro Democrático, fundado por Uribe e do qual ambos fazem parte, o ex-presidente ponderou à época que a presença de Lafaurie poderia contribuir ao desenho de um acordo aceitável para todos a nível nacional. A oposição mais vocal às negociações tem partido de María Fernanda Cabal, congressista do Centro Democrático, potencial candidata presidencial para 2026 e esposa de Lafaurie. Uma das opositoras mais ferrenhas do governo Petro, Cabal declarou que respeitava, mas discordava da decisão do marido de se tornar negociador.

Enquanto maneja este jogo de múltiplos tabuleiros, o governo terá de demonstrar muita desenvoltura – nos últimos dias foi anunciada mais uma mesa de negociações, desta vez com o Estado Maior Central (EMC), dissidência das FARC chefiada por Iván Mordisco. Isso envolve uma descentralização consciente das tarefas à frente, que incluem a garantia da implementação do acordo de paz com as FARC e uma interação habilidosa não só com os grupos armados e a sociedade, mas também com a oposição política e os representantes mais resolutos da direita radical.

Want to write?

Write an article and join a growing community of more than 182,900 academics and researchers from 4,948 institutions.

Register now