Menu Close
Imagem de uma folha em macrofotografia
Serão as plantas capazes de avisar quando estão doentes ou detectam radiação? Sebastian Kopp/EyeEm via Getty Images

Como as plantas podem ajudar a localizar corpos desaparecidos?

A ideia de trocar informação com plantas sobre gente morta soa como um filme de terror ruim. Mas esse é o tema de um artigo científico do qual sou coautor. A cada dia, cerca de 160.000 pessoas morrem no mundo. Para muitas delas, haverá procedimentos, trâmites e tradições na despedida do corpo, conforme o país ou a cultura, com a presença de familiares, amigos, sentimentos.

Para outras, não tem nada disso. Há pessoas que morrem no deserto, em guerras, em circunstâncias questionáveis… e o corpo nunca aparece. Não há registros, rastros, restos ou adeus. As famílias passam a viver em busca e em luto permanentes. E em casos de assassinato ou genocídio, os responsáveis ficam impunes. Se não tem corpo, não tem crime.

Como biólogo e pesquisador de biotecnologia e biologia sintética das plantas, cunhei o termo “fitosensor” a princípios dos anos 2000, em referência à engenharia genética de plantas com sistema sensorial e alerta. Imagine uma planta que pudesse informar quando fica doente, antes de começar a morrer. Era o meu conceito de fitosensor.

Passaram vários anos até que comecei a me perguntar se não haveria plantas naturalmente “fitosensoras”, ou seja, que não foram geneticamente modificadas e também pudessem detectar e emitir sinais. Descobri então que outras pessoas na minha universidade já se perguntavam a mesma coisa.

O que as árvores têm a dizer

Talvez a noção de árvores falantes não seja tão absurda. Afinal, as plantas estão acostumadas a reagir às mudanças no ambiente. Como estão enraizadas no solo, elas não têm escolha a não ser permanecer no mesmo lugar e se adaptar às adversidades. São capazes de mudar sua química e biologia quando são atacadas por pragas, enfrentam escassez, como na seca, ou até se beneficiam de fertilizantes por meio das fezes de animais.

Isso significa que plantas de vida longa, como as árvores, respondem bem ao estresse, já que crescem e produzem sombra por décadas e até séculos. Quando as pessoas morrem de causas naturais ou provocadas e não são encontradas, seus corpos começam a se decompor se o clima estiver quente. Mas quando se decompõem sob a sombra em uma floresta, é praticamente impossível rastrear e recuperar vestígios. Uma solução seria aprender como as plantas reagem à decomposição humana e depois “ouvir” o que elas dizem sobre corpos que estiveram ali.

Com meus colegas na Universidade do Tennessee (sudeste dos Estados Unidos), em 2019, iniciamos reuniões com antropólogos, geólogos e demais especialistas em plantas de outras disciplinas. O campus abriga o Centro de Antropologia Forense conhecido como The Body Farm (“A Fazenda de Corpos”), o primeiro laboratório de decomposição no mundo, fundado na década de 1980 pelo renomado professor emérito William Bass.

Um bosque nos arredores da universidade foi o ponto de partida de Bass para entender as fases da decomposição humana. Cadáveres doados eram depositados na superfície ou enterrados para observação, o que marcou uma série de avanços para a ciência forense. As pesquisas no laboratório a céu aberto permitiram identificar vários organismos, como insetos, que interagem e decompõem restos humanos por etapas. Contudo, o grande mistério –a própria floresta– tem sido uma fonte subestimada de respostas.

Cientistas pesquisam sobre como plantas podem indicar a localização de corpos enterrados.
Um drone examina plantas perto da Body Farm em um voo de teste. Neal Stewart, CC BY

Qual é o idioma da floresta?

Publicado na revista científica Trends in Plant Science (Tendências em Ciência das Plantas), nosso artigo buscou entender o que e como a floresta pode informar sobre a localização de restos humanos. Abordamos uma série de aportes dos cadáveres ao solo, como o nitrogênio, capaz de fertilizar as plantas ao redor.

As maneiras como as plantas reagem aos influxos de nitrogênio são bem conhecidas. Basicamente, o nitrogênio faz com que as folhas das plantas fiquem mais verdes, porque aumenta a produção de clorofila. Além disso, outros elementos químicos como drogas ou metais poderiam ser liberados durante o processo de decomposição humana, deixando alguns sinais, ainda que sutis.

Talvez você se pergunte como podemos distinguir a reação de uma planta aos restos em decomposição de um animal e de uma pessoa. Como a maioria dos mamíferos selvagens é bastante menor do que os seres humanos, a reação da planta a um animal morto em comparação com um cadáver humano deveria reproduzir sinais de características incompatíveis. Já os cervos poderiam ser realmente um problema, pois chegam a pesar igual.

[Conhecimento profundo, diariamente. Assine o boletim informativo do The Conversation].

De todos modos, os insumos presentes no solo afetam os micróbios que interagem nas proximidades, o que, por sua vez, altera os nutrientes que as plantas absorvem por meio das raízes. No entanto, a pesquisa não decodificou o quadro completo ou suficiente de elementos para compreender como as árvores e os arbustos podem mudar sua química, biologia e aparência física devido à decomposição de cadáveres em seus solos.

Por outro lado, nossa equipe multidisciplinar concluiu que o primeiro laboratório de decomposição do mundo é ideal para encontrar as respostas. E lá seguimos pilotando pequenos drones com sensores para estudar como a gramínea switchgrass reage a insumos de nitrogênio, com a experiência prévia na busca de cadáveres com drones.

Mais além da utilidade forense, há plantas geneticamente modificadas para identificar e relatar outros problemas, como doenças em cultivos, inclusive as causadas por bactérias ou radiação ionizante. No caso do meu laboratório, as plantas projetadas produzem proteínas fluorescentes ao identificar algum sinal específico, como um patógeno ou exposição à radiação. Criamos até um projetor a laser personalizado para obter imagens de plantas com assinaturas fluorescentes.

Ou seja, embora ainda não saibamos exatamente como as plantas podem nos contar onde há pessoas mortas, agora sabemos usar os recursos multidisciplinares disponíveis e indispensáveis para continuar investigando.

This article was originally published in English

Want to write?

Write an article and join a growing community of more than 182,600 academics and researchers from 4,945 institutions.

Register now