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Agente da Defesa Civil em ação em Porto Alegre: não há como superar desastres climáticos sem o entendimento de suas causas. A comunicação de riscos é um instrumento para isso, e deve ser uma política pública, orientada para a construção de uma cultura de prevenção. oto: Carlos Quadros /Fotoarena/Folhapress

Comunicação de riscos é crucial para a prevenção de desastres climáticos, mas segue negligenciada no Brasil

Muito se fala na necessidade de aprimoramento dos sistemas de alertas, essenciais para salvar vidas quando há a eclosão de um desastre. Entretanto, também é necessário fortalecer a comunicação de riscos.

A comunicação de riscos de desastres é uma área interdisciplinar que, embora compreenda várias dimensões e acompanhe todas as etapas do ciclo de gestão de riscos de desastres, tende a ser lembrada exatamente no período do desastre – um pouco antes, quando os alertas são emitidos, e um pouco depois, quando a fase de restabelecimento é dada por concluída.

Vários especialistas que atuam em situações de emergência sublinham que o processo de comunicação é um aspecto central para que haja prevenção de riscos e uma reação adequada nos momentos críticos. Porém, na prática, há uma série de lacunas a respeito do tema.

É importante questionar quais são as ações de comunicação realizadas no país de forma contínua para que as pessoas compreendam o que são riscos de desastres e respondam de forma adequada aos alertas. Será que, ao receber a mensagem acerca da probabilidade de uma ameaça, o cidadão está conseguindo perceber a sua gravidade e o que deve fazer? Como ocorre a comunicação durante o desastre? E depois dele? Quem informa a população sobre como se dará a gestão do processo?

Mais perguntas precisam ser respondidas com urgência: se é importante que a comunicação de riscos seja compreensível antes mesmo dos alertas, por que não há políticas que viabilizem campanhas para discutir os riscos? Por que isso não está inserido na programação diária dos veículos jornalísticos ou na grade curricular das escolas? Por que governos não investem em prevenção para aprendermos a lidar com os riscos?

Durante e após os desastres, a comunicação segue sendo fundamental. Por meio dela se conduzem as atividades de reconstrução, mitigação dos danos e de governança. Sem uma comunicação efetiva, os silenciamentos e vácuos de informação e a desinformação podem gerar pânico e agravar os efeitos acarretados pelo desastre, tornando mais difícil o trabalho de profissionais da área.

Públicos diferenciados

Embora a chegada da informação qualificada ao público seja imprescindível, é o processo de comunicação que articula as melhores estratégias para fazer esse conteúdo atingir cada perfil de público.

O diálogo com diferentes sujeitos envolvidos com os riscos (afetados, especialistas, poder público, voluntários, etc.) e a construção de percepções e significados que podem facilitar ou dificultar a gestão integral dos riscos são elementos característicos da comunicação de riscos.

Nesse contexto, a depender dos grupos que se busca atingir, a mesma informação pode ser comunicada de forma diferente. Uma mensagem mais técnica pode ser bem recebida por um público de especialistas, mas pode não fazer sentido para quem não está familiarizado com termos ou conceitos específicos. Será que todos entendem a gravidade e as consequências de um “risco hidrológico extremo”?

Apesar disso, pouco se investe em pesquisa na área da comunicação, que é essencial para verificar como a população recebe tais informações, se elas estão fazendo sentido ou não. No Brasil, são raros os estudos orientados para a comunicação de riscos e desastres climáticos, fundamentais para diagnosticar os erros e acertos e, assim, propor caminhos para aprimorar os processos de diálogo demandados em contextos de emergência.

Cabe lembrar que, nessa área, especificamente, pouquíssimos cientistas conseguem se dedicar de forma exclusiva ao tema. A comunicação segue sendo reduzida a uma de suas frentes: a divulgação.

Comunicação e tomada de decisões

Não há como pensar em governança dos riscos de desastres sem considerar que o processo comunicacional é fundamental para a tomada de decisão diante de um determinado risco (antes do desastre) e quando ele se concretiza em tragédia (no período da resposta e da recuperação).

A gestão de riscos pressupõe a democratização das informações, em diferentes dimensões. Uma delas diz respeito à circulação as informações entre aqueles que fazem parte do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, para que não haja ruídos ou vácuos de informação. É preciso saber quem vai responder às perguntas da sociedade e como isso será feito.

Soma-se a isso a interlocução com outros setores e grupos sociais, como voluntários, a fim de que não ocorram mensagens dúbias ou contraditórias, que gerem confusão ou desmobilização. A coordenação de qualquer atividade exige que a comunicação seja clara e permanente.

Outra dimensão, bastante evidenciada, é a da comunicação realizada por meio da imprensa. Pelo seu alcance e legitimidade social, os veículos jornalísticos amplificam as mensagens enviadas pelos sujeitos que estão gerindo os riscos e/ou desastres.

Além de agendar a comunicação do risco na esfera pública, promovendo debates e o fomento de políticas públicas, a maneira pela qual o tema é apresentado pela imprensa pode contribuir com ações de autoproteção e de enfrentamento do desastre.

Contudo, é importante destacar que essa intermediação direta com a população, feita sobretudo pelos jornalistas, requer atenção e não deve ser exclusiva dos aparatos midiáticos.

A construção de confiança nos profissionais que atuam em contato direto com as comunidades mais suscetíveis aos riscos de desastre depende de uma comunicação contínua e educativa, com a finalidade de permitir que ações de prevenção sejam possíveis. Nesse sentido, programas que atuem na formação e adequada reação aos riscos e desastres devem ser prioritários.

Cultura de prevenção

A comunicação dos riscos de desastres não está formulada como uma política pública no país. A Lei 12.608, de abril de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) não faz menção explícita aos esforços necessários de comunicação. Contudo, sua necessidade fica evidente em vários objetivos descritos nesta lei e que dependem diretamente do trabalho da comunicação.

Como exemplo, cito a necessidade, descrita na PNPDEC, de estimular o desenvolvimento de cidades resilientes e os processos sustentáveis de urbanização. Mais uma meta claramente relacionada com a comunicação é a produção de alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de desastres naturais.

Igualmente, o propósito de desenvolver consciência nacional acerca dos riscos de desastre é atravessado pelas ações de comunicação. Da mesma forma, a orientação das comunidades para adotar comportamentos adequados de prevenção e de resposta em situação de desastre e promover a autoproteção está estreitamente ligada à políticas de comunicação.

O artigo 9º dessa mesma lei afirma que compete a todos os níveis do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (ou seja, à União, estados, Distrito Federal e aos municípios) o desenvolvimento de uma cultura nacional de prevenção de desastres, destinada ao desenvolvimento de uma consciência nacional sobre os riscos de desastre no País. Diz ainda que devem estimular comportamentos de prevenção capazes de evitar ou minimizar a ocorrência de desastres.

A implementação disso tudo, de modo a fomentar uma cultura de prevenção, necessita de programas de longo prazo, calcados em estratégias de comunicação e programas de educação continuados, que possam estabelecer um diálogo aberto com a comunidade e construir novos comportamentos.

O problema é que, no Brasil, medidas não estruturais como as ações de comunicação, não costumam receber investimento – o que explica porque, mesmo com sirenes e alertas em pleno funcionamento, temos dificuldades nos resgates e evacuações.

A fase pós-desastre também sofre com a falta de comunicação, principalmente aquela que contextualiza o acontecimento com a intensificação das mudanças climáticas. A realidade é que muitos seguem acreditando que o desastre climático foi um evento raro, difícil de ocorrer novamente.

Outros podem até reconhecer o risco, porém o minimizam porque o risco de não ter onde morar ou como trabalhar é maior. Apresentar alternativas para o futuro é crucial para evitar que os mesmos desastres se repitam.

Em tempos de desinformação e abundância de informações (afinal, quantidade não é sinônimo de qualidade), os processos comunicacionais precisam ser ainda mais valorizados pela sociedade.

Não há como superar os desastres climáticos sem o entendimento de suas causas. A comunicação de riscos de desastres é um instrumento primordial para atingir esse objetivo e deve ser uma política pública, orientada para a construção de uma cultura de prevenção.

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