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Vista aérea do Mutange, um dos bairros atingidos pelo desastre causado pela pela Braskem em Maceió. Em 2023, a tragédia lenta e anunciada completa cinco anos e soma 57 mil pessoas atingidas, mas só agora chama atenção da sociedade. Foto de Jonathan Lins / Folhapress

Desastre anunciado, afundamento de mina de sal-gema em Maceió afeta toda a capital e proximidades

Há cinco anos que Maceió, capital de Alagoas, está em alerta para o colapso da mina 18 de extração de sal-gema operada pela Braskem dentro dos limites do município. O sal-gema - um mineral extraído de pedras localizadas em camadas profundas do subsolo (nesse caso, quase 100 metros abaixo da superfície) - é usado desde os anos 70 para a produção de PVC e outros produtos industriais. Em Maceió, o mineral é forte candidato a ser também protagonista, junto com a própria Braskem, de um dos maiores desastres ambientais urbanos de que se tem notícia no Brasil e no mundo.

Em novembro de 2023, o colapso acelerou o processo de afundamento do solo das áreas afetadas, provocando a desocupação total do Bairro do Bom Parto. E, finalmente, chamando a atenção da mídia local, nacional e internacional. Desde 2018, o desastre já afetou mais de 55 mil pessoas e mais de 14 mil imóveis precisaram ser desocupados em cinco bairros da cidade.

Impactos registrados

A população de Maceió vem sofrendo, direta ou indiretamente, vários impactos sociais, econômicos e ambientais desde o início do desastre. No que diz respeito aos impactos sociais, podemos destacar a perda do patrimônio físico e cultural. O bairro Bebedouro continha um sítio histórico com imóveis que foram afetados. Além disso, grupos de folclore típicos da cidade de Maceió se reuniam na localidade.

A perda da memória afetiva também deve ser destacada. A situação forçou inúmeras famílias a deixar suas casas, onde construíram décadas de memórias afetivas nos mesmos lugares. Nos bairros existiam o campo de futebol, a escola e o parquinho onde brincavam quando crianças. Além disso, eram onde moravam muitos de seus amigos e outros familiares.

Várias escolas foram fechadas e centenas de crianças não tinham mais onde estudar. Hospitais também foram fechados, deixando a população destes bairros sem atendimento. Em diversos casos, o bairro designado para a realocação dessas famílias não apresentava a mesma estrutura de apoio comunitário que o bairro afetado proporcionava. Isto também ocasionou em problemas de saúde. Algumas pessoas, inclusive, desenvolveram quadros de ansiedade e depressão. Até mesmo o cemitério do bairro Bebedouro foi fechado, o que acarretou na falta de locais disponíveis para sepultamentos.

Dez linhas de ônibus foram desativadas, e um trecho por onde passava o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) foi interrompido, o que impactou negativamente a mobilidade urbana da cidade. Portanto, além dos bairros afundados, outras localidades da cidade de Maceió e até mesmo de cidades circunvizinhas foram afetadas. Isso ocorreu devido à necessidade de absorver o atendimento da população deslocada, sem um planejamento e capacidade adequados para essa demanda.

Os bairros de Flexal de Cima e Flexal de Baixo, por exemplo, não foram desocupados, mas seus residentes ficaram ilhados devido à desocupação dos bairros vizinhos. Esse cenário resultou no aumento da violência e em dificuldades de mobilidade. Além disso, os pescadores que vivem às margens da Laguna Mundaú também se encontram ilhados após o recente deslocamento da população do Bairro do Bom Parto, em decorrência do colapso da mina 18.

Em relação aos impactos econômicos, destaca-se a significativa perda da fonte de renda da população. O desastre levou ao fechamento de muitas empresas, impossibilitando trabalhadores informais de continuarem suas atividades e resultando na perda do sustento para diversas pessoas. Com a crescente demanda por imóveis em outras áreas, Maceió enfrenta o desafio da inflação imobiliária. Embora os primeiros moradores realocados tenham tido a oportunidade de encontrar imóveis com padrão similar ao anterior, cuja indenização seria suficiente, a demora no recebimento das indenizações impossibilitou que muitos deles agissem com rapidez.

Além disso, a demarcação gradual áreas, com a suas inclusões no mapa de risco, resultou em muitas famílias demorando a perceber a necessidade de deixar suas residências. Esse processo contribuiu para uma valorização expressiva dos preços dos imóveis na cidade, tornando difícil para muitas famílias adquirirem uma moradia equivalente ao que possuíam com o valor da indenização.

Diante desse cenário, algumas famílias optaram por se mudar para cidades vizinhas ou permanecer no aluguel. Todos esses impactos têm repercussões significativas na vida das pessoas, resultando em uma deterioração na qualidade de vida da população. O município de Maceió sofreu diretamente com a perda de arrecadação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), devido à inutilização de aproximadamente 60 mil imóveis, além do impacto no Imposto Sobre Serviços (ISS) e outros tributos.

Quanto aos impactos ambientais, estes ainda não foram ampla e completamente avaliados, uma vez que o desastre continua em curso. Contudo, já é perceptível a perda da biodiversidade, a modificação da paisagem e a degradação da qualidade de vida em termos ambientais para a população. Muitos animais domésticos foram deixados para trás nos bairros afetados, enfrentando escassez de alimento e cuidados, resultando em alguns casos de morte. Estima-se também um impacto ambiental significativo na atividade pesqueira, considerando que a salinidade da água aumentará consideravelmente após o colapso. A pesca de diversas espécies de peixes e do sururu foi comprometida.

Em resumo, os diversos danos decorrentes desse incidente em andamento têm provocado mudanças profundas nos aspectos comportamentais, culturais, e estruturais. Atualmente, os impactos não se limitam aos moradores dos cinco bairros afetados; toda a cidade de Maceió e até mesmo localidades vizinhas começam a experimentar os efeitos adversos do desastre. Essas repercussões abrangem questões como mobilidade urbana, elevação dos preços dos imóveis, e a infraestrutura dos bairros, gerando um impacto abrangente em diversos aspectos da vida urbana.

Como tudo começou

Em 03 de março de 2018, a cidade de Maceió registrou fortes chuvas e um tremor de 2,4 pontos na escala Richter, que foi sentido, principalmente, no bairro do Pinheiro. Após esse evento, teve início um processo geológico de subsidência (afundamento) no terreno, provocando rachaduras e trincas no solo e nos imóveis.

Em junho daquele ano, o Serviço Geológico do Brasil, através da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), iniciou a investigação do fenômeno. Os relatórios técnicos produzidos pela CPRM comprovaram a relação do fenômeno com as atividades de extração de sal-gema realizada pela empresa Braskem.

A exploração do sal-gema em Maceió ocorreu em 35 minas com profundidade entre 900 e 1000 metros, das quais 11 se encontravam em colapso, metade delas em processo acelerado. Segundo a CPRM, a possibilidade de sumidouro (surgimento de crateras) é precisa, e constatou-se que a extração não atendeu aos critérios mínimos de segurança exigidos pela legislação ambiental. Ao todo, foram atingidos cinco bairros do município: Mutange, Bebedouro, Pinheiro e parte do Farol e Bom Parto, além do ilhamento dos bairros dos Flexais.

Em 2019, a Braskem criou o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação como uma estrutura de suporte para os residentes, desde a preparação da mudança até o pagamento da compensação. No entanto, o Programa foi encerrado em janeiro de 2023. Mesmo com 98% de aceite das propostas de compensação pelos grupos afetados, existe um descontentamento tanto na forma com que o acordo foi criado até os parâmetros estabelecidos pelo Programa de Compensação.

Apesar das comprovações feitas pela CPRM, a Braskem ainda não foi penalmente responsabilizada pelo desastre. Com base na análise de seus relatórios de sustentabilidade após o desastre, podemos perceber uma tentativa de minimização do problema, o que se constata pela não utilização de termos como “impactos negativos”, “desastre”, “tragédia” e termos relacionados. A empresa assume um posicionamento de filantropia perante a situação ocasionada pelo desastre.

É com abordagens como essa que muitos impactos ambientais, sociais e econômicos associados a mineração de sal-gema da Braskem em Maceió persistem sem solução de mitigação. Embora a empresa tenha realizado acordos de reparação, com o objetivo de atender a população e o município, muito tem sido questionado a respeito da real responsabilidade da empresa, e dos danos que não foram reconhecidos e indenizados.

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