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Imagem da galáxia M74, também conhecida como Galáxia Fantasma
A velocidade de rotação das galáxias há muito tempo intriga os cientistas, já que a gravidade proporcionada pela matéria que podemos observar não seria suficiente para que elas se mantivessem inteiras. Nasa/James Webb Telescope

Estudos recentes colocam em xeque principal hipótese alternativa à matéria escura

Um dos maiores mistérios da astrofísica atual é o fato de que a soma das forças nas galáxias não parece estar certa. As galáxias giram muito mais rápido do que deveriam pela aplicação da lei da gravidade de Newton à sua matéria visível, apesar de essas leis funcionarem bem em todo o Sistema Solar.

Para evitar que as galáxias se separem, é necessária alguma gravidade adicional. É por isso que a ideia de uma substância invisível chamada matéria escura foi proposta pela primeira vez. Mas ninguém jamais viu essa substância. E não há partículas no Modelo Padrão, de tão grande sucesso na física de partículas, que possam ser a matéria escura - ela deve ser algo bastante exótico.

Isso levou à ideia rival de que as discrepâncias galáticas podem ser explicadas por um colapso das leis de Newton, e não pela matéria escura. Em a ideia mais bem-sucedida nesta linha é a conhecida como Dinâmica Milgromiana, ou Mond, na sigla em inglês, proposta pelo físico israelense Mordehai Milgrom em 1982. Mas nossos estudos recentes mostram que essa teoria está com problemas.

O principal postulado de Mond é que a gravidade começa a se comportar de forma diferente da que Newton previu quando se torna muito fraca, como nas bordas das galáxias. A Mond é bastante bem-sucedida em prever a rotação de galáxias sem qualquer matéria escura, e tem sucesso em explicar alguns outros fenômenos. Mas muitos deles também podem ser explicados com a matéria escura, preservando as leis de Newton.

Então, como podemos colocar a Mond sob teste definitivo? Estamos buscando maneiras de fazer isso há muitos anos. A chave é que a Mond só altera o comportamento da gravidade em baixas acelerações, não em uma distância específica de um objeto. Você sofrerá uma aceleração menor nas margens do campo gravitacional de qualquer objeto celeste - um planeta, uma estrela ou uma galáxia - do que quando estiver próximo a ele. Mas é a quantidade de aceleração, e não a distância, que prevê onde a gravidade deve ser mais forte.

Isso significa que, embora os efeitos da Mond normalmente se manifestem a vários milhares de anos-luz de distância de uma galáxia, se olharmos para uma estrela específica, os efeitos se tornarão altamente significativos a um décimo de ano-luz. Isso é apenas alguns milhares de vezes mais do que uma unidade astronômica (UA) - a distância entre a Terra e o Sol. Mas os efeitos mais fracos da Mond também devem ser detectados em escalas ainda menores, como no Sistema Solar externo.

Isso nos leva à missão Cassini, que orbitou Saturno entre 2004, e sua queda final no planeta, em 2017. Saturno orbita o Sol a 10 UA. Devido a uma peculiaridade da Mond, a gravidade do restante da nossa galáxia deve fazer com que a órbita de Saturno se desvie da expectativa newtoniana de forma sutil.

Ilustração da sonda Cassini passando por Saturno.
A sonda Cassini orbitou Saturno de 2004 a 2017. Wikipedia, CC BY-SA

Isso pode ser testado com a cronometragem de pulsos de rádio entre a Terra e a Cassini. Como a sonda estava orbitando Saturno, isso ajudou a medir a distância Terra-Saturno e nos permitiu rastrear com precisão a órbita de Saturno. Mas a Cassini não encontrou nenhuma anomalia do tipo esperado na Mond. Newton ainda funciona bem para Saturno.

Um de nós, Harry Desmond, publicou recentemente um estudo que investiga os resultados com mais profundidade. Talvez o Mond se ajustasse aos dados da Cassini se ajustássemos a forma como calculamos as massas das galáxias a partir de seu brilho? Isso afetaria o quanto de impulso à gravidade a Mond tem de fornecer para se ajustar aos modelos de rotação de galáxias e, portanto, o que deveríamos esperar para a órbita de Saturno.

Outra incerteza é a gravidade das galáxias vizinhas, que tem um efeito menor. Mas o estudo mostrou que, dada a forma como a Mond teria de trabalhar para se ajustar aos modelos de rotação de galáxias, ela também não pode se ajustar aos resultados de rastreamento de rádio da Cassini - não importa como refinarmos os cálculos.

Com as suposições padrão levadas mais em conta pelos astrônomos, e permitindo uma ampla gama de incertezas, as chances de a Mond explicar os resultados da Cassini é a mesma de uma moeda lançada dar cara 59 vezes seguidas. Isso é mais do que o dobro do padrão de ouro “5 sigma” para uma descoberta científica, que corresponde a cerca de 21 lançamentos de moeda seguidos.

Outras más notícias para a Mond

E esta não é a única má notícia para a Mond. Outro teste é fornecido por estrelas binárias amplas - duas estrelas que orbitam um centro de gravidade compartilhado a vários milhares de UA de distância delas. A Mond prevê que essas estrelas deveriam orbitar uma em torno da outra 20% mais rápido do que o esperado pelas leis de Newton. Mas um de nós, Indranil Banik, recentemente conduziu um estudo muito detalhado que descarta essa previsão. A chance de a Mond estar certa, com base nesses resultados, é a mesma de uma moeda lançada dar cara 190 vezes seguidas.

Os resultados de outra equipe mostram ainda que Mond também falha em explicar os movimentos de pequenos corpos no distante Sistema Solar externo. Os cometas que chegam de lá têm uma distribuição de energia muito mais estreita do que a prevista pela Mond. Esses corpos também têm órbitas que, em geral, são apenas ligeiramente inclinadas em relação ao plano no qual todos os planetas orbitam, e a Mond faria com que as inclinações fossem muito maiores.

A gravidade newtoniana é mais bem-sucedida que a Mond em escalas de comprimento menores que cerca de um ano-luz. Mas a Mond também falha em escalas maiores que as galáxias: ela não consegue explicar os movimentos dentro dos aglomerados de galáxias.

A matéria escura foi proposta pela primeira vez por Fritz Zwicky na década de 1930 para explicar os movimentos das galáxias dentro do aglomerado de Coma, que requer mais gravidade para se manter unido do que a massa que podemos ver pode fornecer. A Mond também não consegue fornecer gravidade suficiente para isso, pelo menos nas regiões centrais dos aglomerados de galáxias, e em seus arredores, fornece gravidade demais. Já a gravidade newtoniana, presumindo a presença de cinco vezes mais matéria escura do que a matéria normal, parece proporcionar um bom ajuste aos dados.

O modelo padrão da matéria escura na cosmologia, porém, não é perfeito. Há coisas que ele tem dificuldades em explicar, desde a taxa de expansão do Universo até as estruturas cósmicas gigantes. Portanto, talvez ainda não tenhamos o modelo perfeito. Parece que a matéria escura veio para ficar, mas sua natureza pode ser diferente do que o Modelo Padrão sugere. Ou a gravidade pode, de fato, ser mais forte do que pensamos, mas apenas em escalas muito grandes.

Em última análise, no entanto, a Mond, como formulada atualmente, não pode mais ser considerada uma alternativa viável à matéria escura. Talvez não gostemos disso, mas o lado escuro da cosmologia ainda é dominante.

This article was originally published in English

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