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Nayib Bukele, presidente reeleito de El Salvador, promete recrudescer ainda mais política de governo baseada no uso das forças de segurança para combater o narcotráfico. AP Photo/Moises Castillo

Mais uma ditadura à vista? Nayib Bukele é reeleito presidente de El Salvador, agora com controle do Legislativo

Conforme previsto à exaustão por todos os institutos de pesquisa, Nayib Bukele, de 42 anos, está virtualmente reeleito presidente de El Salvador, em votação realizada no último domingo, 04 de fevereiro. Ao final da contagem, ele deverá sair dono de 85% dos votos já no primeiro turno. O anúncio da vitória foi feito pelo próprio Bukele em suas redes sociais, antes do resultado oficial ser divulgado. Ex-publicitário e ex-prefeito das cidades de Nuevo Cuscatlán e San Salvador, o atual presidente, que se autodenomina o “ditador mais legal do mundo”, se elegeu pela primeira vez em 2019 como um outsider da política. A diferença entre aquele pleito e o de agora está na sua constitucionalidade.

A Constituição de El Salvador proíbe a reeleição presidencial em seis artigos. Todavia, esse não foi um problema para Bukele. Quando se elegeu em 2019, o mandatário não possuía maioria no Legislativo. O cenário mudou em março de 2021, quando a coalizão liderada pelo seu partido, Nuevas Ideas, elegeu 64 dos 84 deputados.

Controlando o Legislativo, Bukele fez com que os cinco membros titulares e os quatro suplentes da Câmara Constitucional da Suprema Corte de Justiça e o Procurador-Geral da República fossem destituídos e substituídos por juristas apoiadores do governo. Em setembro do mesmo ano, a sua reeleição imediata foi permitida pela Suprema Corte, abrindo caminhos para o resultado do final de semana.

O poder do regime de Bukele também se expressa pelas reformas eleitorais aprovadas pelo Legislativo governista. Em junho de 2023, os deputados aprovaram a redução da Assembleia Legislativa de 84 para 60 vagas e reduziram as 262 prefeituras para 42. No último domingo, a coalizão de Bukele teria eleito 58 dos 60 deputados, segundo o mandatário em suas redes sociais.

Com eleições municipais marcadas para 03 de março de 2024, as chances do Nuevas Ideas obter ampla maioria de prefeituras é grande, pois atualmente comanda 150 das que ainda existem. Mas, como Bukele concentrou tanto poder em 5 anos sem causar revoltas populares?

Nayib é o presidente mais popular das Américas, com mais de 81% de aprovação entre os eleitores. Apesar de seu governo não entregar resultados favoráveis na economia e saúde, é na segurança pública que está a base de tudo. Após tomar posse em 2019, o governo anunciou o Plan Control Territorial, uma política de “mano dura”, ou seja, de forte combate às gangues de narcotraficantes e redução dos assassinatos.

Em 2015, a taxa de homicídios de El Salvador era de 106 a cada 100 mil pessoas. Caiu para 51 em 2018, 18 em 2021, 7,8 em 2022 e, em 2023, 2,4 homicídios a cada 100 mil pessoas, a segunda menor taxa das Américas, depois do Canadá.

A redução foi possível pelos acordos do governo com a Mara Salvatrucha-13, uma das gangues mais perigosas do país, visando reduzir assassinatos e obter apoio eleitoral ao Nuevas Ideas. Porém, os dias 25 a 27 de março de 2022 puseram o acordo em risco, quando 87 pessoas foram assassinadas, fazendo com o que o sábado, 26, fosse o dia mais sangrento do país no século XXI.

A resposta à onda de assassinatos se deu pelo estado de exceção decretado pelo governo com aprovação do Legislativo. A medida possibilitou a prisão de qualquer pessoa sem mandato, bastando a suspeita de agentes de segurança de conexão com gangues ou denúncias anônimas. O governo também passou a ter acesso irrestrito às comunicações privadas e pode manter pessoas detidas em presídios sem acusações. Existem denúncias de prisões arbitrárias, torturas e mortes de prisioneiros, inclusive de inocentes.

Desde então, mais de 75 mil pessoas foram presas, levando à superpopulação de presídios e à maior taxa de população aprisionada do mundo, com mais de 2% dos salvadorenhos detidos. Organizações de direitos humanos também denunciam audiências de custódia grupais com dezenas a centenas de pessoas por vez, desnutrição de detentos e ampliação das penas de prisão para 45 anos por “apoiar” gangues. Em fevereiro de 2023, o governo inaugurou a maior prisão da América Latina, na zona rural de Tecoluca, com capacidade para mais de 40 mil detentos.

A possibilidade de denúncias anônimas fez com que a população se sentisse segura para denunciar criminosos que antes a extorquia, ameaçava, furtava e violentava, acarretando sensação de segurança em bairros periféricos que eram dominados por narcotraficantes e reabertura de comércios. Profissionais da imprensa também podem ser detidos por criticar e denunciar a política criminal do governo, com o regime facilitando a perseguição a opositores políticos.

Bukele investe também na força bruta por outros meios. Em 2019, o orçamento de Defesa salvadorenho era de US$ 317,2 milhões (1,18% do PIB) e, em 2022, chegou a US$ 422,4 milhões (1,32%). São questionáveis as intenções do aumento dos gastos, considerando a inexistência de problemas diplomáticos ou bélicos com nações vizinhas e redução drástica das taxas de homicídio.

Os efeitos da política de “mano dura” de Bukele se traduziram no seu apoio popular, que aceita a reeleição inconstitucional e a quebra de paradigmas básicos de democracia em nome da segurança. Dominando os três poderes da República e com possibilidade de perseguir opositores políticos e a imprensa, Bukele se lançou à reeleição em julho de 2023.

Uma brecha legal que diz que o Presidente não pode estar no cargo a menos de seis meses de um novo mandato fez com que Bukele se afastasse da Presidência em 30 de novembro. Em seu lugar, assumiu como encarregada interina da Presidência a sua secretária e antiga funcionária, Claudia de Guevara. Em tese, ela seria a primeira mulher a presidir El Salvador, mas Bukele não renunciou, mantendo seu foro privilegiado, aparato de segurança e residência no palácio presidencial. Sua nova posse e de seus XX deputados será em 1º de maio.

Na América Latina, assombrada pela violência de narcotraficantes, o modelo de segurança pública de Bukele passou a ser idolatrado e replicado. Seja na Argentina, Costa Rica, Equador ou Honduras, ferir direitos humanos e derrubar pilares democráticos em nome da segurança ganhou apoio.

O Latinobarómetro indica que 48% dos latino-americanos apoiam a democracia como modelo de governo. Não é com um governo autocrático, liderado por um autointitulado ditador e com bons resultados na segurança, que esse apoio crescerá. Com a redução de deputados e prefeituras, controle do Executivo, Legislativo, Judiciário e expandindo as finanças das Forças Armadas, Bukele tem todo o potencial para concentrar ainda mais poder e silenciar opositores, podendo ser denominado por todos como ditador.

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