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O cilindro cercado de sensores de um detector de matéria escura
O interior do detector externo LZ, a máquina supersensível que um dia poderá detectar a matéria escura. Matt Kapust, SURF, CC BY-SA

Matéria escura: longe de entender, perto de comprovar

Físicos como eu não entendem completamente o que compõe cerca de 83% da matéria do universo – algo que chamamos de “matéria escura”. Mas com um tanque cheio de xenônio (elemento químico gasoso) enterrado a quase um quilômetro de profundidade na Dakota do Sul, centro-oeste dos Estados Unidos, talvez um dia possamos medir o que é matéria escura de fato.

No modelo típico, a matéria escura é responsável pela maior parte da força gravitacional no universo, fornecendo a cola que permite a formação de estruturas cósmicas, como galáxias, incluindo a nossa Via Láctea. Enquanto o sistema solar orbita ao centro da Via Láctea, a Terra se move por meio de um halo de matéria escura, que constitui a maior parte da matéria em nossa galáxia.

Figura mostra o halo de matéria escura que circunda o disco espiral central da Via Láctea.
Uma representação artística mostra o halo de matéria escura que circunda o disco espiral central da Via Láctea. NASA/ESA/A Feild STSci, CC BY

Sou um físico interessado em compreender a natureza da matéria escura. Uma hipótese popular considera que a matéria escura é um novo tipo de partícula, uma partícula massiva de fraca interação, conhecida como WIMP (por sua sigla em inglês). O termo ‘WIMP’ capta muito bem a essência da partícula: ela tem massa, o que significa que interage gravitacionalmente, mas, por outro lado, interage muito fracamente –ou raramente– com a matéria normal. Em teoria, as WIMPs na Via Láctea passam por nós o tempo todo, mas, como a interação é tão fraca, simplesmente não acontece nada.

À caça de WIMPs

Ao longo dos últimos 30 anos, cientistas desenvolveram um programa experimental para tentar detectar as raras interações entre WIMPs e átomos regulares. Na Terra, entretanto, estamos constantemente cercados por níveis baixos e não perigosos de radioatividade provenientes de elementos químicos residuais –principalmente urânio e tório– no ambiente, bem como de raios cósmicos do espaço. A missão de buscar a matéria escura consiste em construir o detector mais sensível possível, capaz de identificar a matéria escura e armazená-la da forma mais silenciosa possível, para que possamos analisar seu sinal sem a interferência da radioatividade de fundo.

Com resultados publicados em julho de 2023, a colaboração LUX-ZEPLIN, ou LZ, fez exatamente isso, construindo o maior detector de matéria escura até o momento, operado a 1.478 metros de profundidade no laboratório Sanford de Pesquisa Subterrânea (SURF, por sua sigla em inglês) na pequenina cidade de Lead, Dakota do Sul.

No centro do LZ há 10 toneladas métricas de xenônio líquido. Quando as partículas passam pelo detector, elas podem colidir com os átomos de xenônio, provocando um flash de luz e a liberação de elétrons.

Diagrama mostra partículas interagindo  com o xenônio no LZ, liberando elétrons.
Partículas interagem com o xenônio no LZ, liberando elétrons que serão detectados por duas gamas sensíveis à luz na parte superior e inferior. SLAC/LZ, CC BY

No LZ, duas grades elétricas maciças aplicam um campo elétrico em todo o volume líquido, o que empurra esses elétrons liberados para a superfície do líquido. Quando eles ultrapassam a superfície, são puxados para o espaço acima do líquido, preenchido com gás xenônio. Ali, são acelerados por outro campo elétrico para criar um segundo flash de luz. Dois grandes conjuntos de sensores de luz coletam ambos flashes, o que permite que os pesquisadores reconstruam a posição, a energia e o tipo de interação que ocorreu.

Como reduzir a radioatividade

Todos os materiais na Terra, inclusive os usados na construção do detector de WIMP, emitem alguma radiação que poderia mascarar as interações da matéria escura. Portanto, os detectores de matéria escura são construídos com os materiais mais “radiopuros” –ou seja, mais livres de contaminantes radioativos– disponíveis tanto dentro quanto fora do máquina.

Por exemplo, ao trabalhar com fundições de metal, a LZ conseguiu usar o titânio mais limpo da Terra para construir o cilindro central - ou criostato - que contém o xenônio líquido. O uso desse titânio especial reduz a radioatividade no detector, criando um espaço livre para observar quaisquer interações de matéria escura. Além disso, o xenônio líquido é tão denso que, na verdade, atua como um escudo de radiação, e é fácil purificar o xenônio de contaminantes radioativos capazes de entrar sorrateiramente.

Técnico do LZ, usando traje de proteção branco, ao lado de um grande cilindro.
No detector interno da LZ, os dois sensores de luz ficam na parte superior e inferior do cilindro central que será preenchido com xenônio líquido. Matt Kapust, SURF, CC BY

No espaço da LZ, o detector central de xenônio fica dentro de outros dois detectores, chamados de pele de xenônio e detector externo. Essas camadas de suporte capturam a radioatividade no caminho para dentro ou para fora da câmara central. Como as interações com a matéria escura são muito raras, uma partícula de matéria escura provavelmente vai interagir uma vez só em todo o aparato. Assim, se houver um evento com várias interações no xenônio ou no detector externo, poderemos já presumir que não se trata de um WIMP.

Todos esses aparatos, incluindo o detector central, o criostato e o detector externo, vivem em um grande tanque de água a quase 1,6 km de profundidade. O tanque de água protege os detectores da caverna, e o ambiente subterrâneo protege o tanque de água dos raios cósmicos ou das partículas constantes na atmosfera da Terra.

O LZ vive no subsolo para bloquear a radiação cósmica. Mas, para chegar lá, os engenheiros do SURF tiveram que descobrir uma maneira de transportar todo o maquinário e os equipamentos.

A caçada continua

Neste primeiro resultado publicado, usando 60 dias de coleta de dados, o LZ registrou cerca de cinco eventos por dia no detector. Isso representa cerca de um trilhão de vezes menos do que um detector de partículas da superfície registraria em um dia. Observando as características desses eventos, os pesquisadores podem dizer com segurança que nenhuma interação até agora foi causada pela matéria escura. O resultado, infelizmente, não é uma descoberta de uma nova física, mas podemos estabelecer limites sobre a intensidade exata da interação da matéria escura, já que ela permanece invisível ao LZ.

Esses limites ajudam a dizer aos físicos o que a matéria escura não é –o que a LZ faz melhor do que qualquer outro experimento no mundo. Enquanto isso, há esperança para o porvir em busca de matéria escura. O LZ está coletando mais dados agora, e estimamos coletar 15 vezes mais dados nos próximos anos. Uma interação WIMP pode já estar nesse conjunto de dados, aguardando apenas para ser revelada nas rodadas seguintes de análise.

This article was originally published in English

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