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Imagens de um pulmão com pontos de câncer durante exame: nesta especialidade em particular, os avanços nos tratamentos de precisão são auspiciosos. Porém, detectar a doença precocemente ainda é um desafio imenso a ser superado. AP Photo/Andy Wong

Medicina de precisão revoluciona oncologia, mas acesso aos tratamentos é o maior desafio

O Dia Mundial de Combate ao Câncer, 8 de abril, é mais uma oportunidade para abordar os progressos e desafios da ciência e da sociedade no enfrentamento da doença.

Assim como a população cresce e aumenta o envelhecimento, os casos de câncer proliferam. A perspectiva é de que o câncer venha a ser a principal causa de mortalidade no Brasil em 2030, ultrapassando os problemas cardiovasculares, atualmente em primeiro lugar.

Por outro lado, nos últimos quinze anos a medicina tem dado passos largos no conhecimento das características genéticas dos pacientes com câncer e das suas respostas aos tratamentos e enfermidades.

A cada dia, assistimos mais progressos no desenvolvimento de melhores medicamentos e testes genéticos, assim como na descoberta de biomarcadores e terapias.

O conjunto de tecnologias voltadas a uma abordagem que considera as características genéticas do paciente e do tumor é chamada de medicina de precisão. Ela é inovadora e deflagrou uma profunda transformação no tratamento da doença.

Biomarcadores são características biológicas do tumor ou da pessoa, como a presença de certas moléculas ou processos celulares que indicam o prognóstico de um tipo de câncer e a resposta potencial a determinados medicamentos.

Mais um avanço é a crescente disponibilidade de testes genéticos justamente para identificar os biomarcadores, como as variações em genes associados a resposta às terapias escolhidas. Hoje já é possível realizá-los com maior celeridade, precisão e a um custo mais acessível. Isso faz com que a identificação dos biomarcadores seja mais ágil, melhorando a tomada de decisão médica, com impacto sobre os resultados do tratamento.

A análise dos biomarcadores auxilia na estratificação dos pacientes e impulsiona a pesquisa e o desenvolvimento de novos tratamentos direcionados e estratégias de diagnóstico mais precisas.

O câncer não é uma única doença

Na minha especialidade, que é o câncer de pulmão, a medicina de precisão trouxe e continua promovendo novas perspectivas para pacientes, como colegas e eu discutimos no artigo Fifteen years of precision medicine in the lung cancer management: Perspectives and Challenges.

No Brasil, dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), mostram que é o câncer de pulmão é o quarto mais frequente em homens e o terceiro mais comum entre mulheres. A estimativa para 2023 foi de 32,5 mil novos casos.

Cada novo teste e medicamento trazem novas esperanças a subgrupos cada vez mais específicos de pacientes. Uma das conquistas mais recentes foi a aprovação, em janeiro, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil, de um novo medicamento para o câncer de pulmão avançado. Ele trata, de maneira seletiva, o gene alterado que faz as células cancerosas pararem de crescer e se multiplicar. Na medicina de precisão, esse tipo de medicamento é conhecido como terapia-alvo.

Em paralelo aos avanços, não faltam desafios em diversos campos. A detecção precoce do câncer, por exemplo, tem reconhecidamente o potencial de elevar as taxas de cura e sobrevida. No caso dos tumores de pulmão, o diagnóstico dos tumores em fases mais iniciais tem ganhos muito grandes com a utilização de exames de imagem mais sensíveis, como a tomografia computadorizada de baixa dose.

Se for associada ao início imediato do tratamento, a identificação do câncer de pulmão ainda em fase precoce eleva as chances de sucesso terapêutico e melhora a qualidade de vida dos pacientes. Essa vantagem é especialmente relevante para pessoas de alto risco, como fumantes e pessoas com histórico familiar da doença.

Além disso, a ciência mostrou que existem muitos tipos de câncer com características diferentes. Essa realidade reforça a necessidade premente de aumentar o financiamento à pesquisa e ao desenvolvimento de terapias direcionadas para abranger subtipos menos comuns de câncer de pulmão é um assunto de primeira ordem.

Muitas vezes, os pacientes com variantes genéticas raras são excluídos dos ensaios clínicos, limitando o seu acesso a tratamentos específicos. Esse é mais um caminho trilhado para reduzir os custos e tornas as contribuições da ciência globalmente mais acessíveis. Nesse sentido, as parcerias público-privadas são essenciais para acelerar a produção e distribuição desses medicamentos.

A resistência aos tratamentos direcionados, que pode surgir devido à evolução do tumor ou a mutações secundárias, igualmente precisa ser alvo de estudos. É necessário avançar na compreensão dessas questões e no desenvolvimento de estratégias para superar a resistência e garantir a eficácia contínua das terapias direcionadas. São lacunas que precisam ser consideradas para que o futuro traga terapias direcionadas para todos os subtipos de câncer de pulmão.

Mais um aspecto é que a prática da medicina de precisão exige uma equipe multidisciplinar, incluindo oncologistas, geneticistas, patologistas e outros profissionais de saúde. Esse cuidado é essencial para garantir o uso correto dos biomarcadores e a escolha do tratamento mais indicado para cada paciente.

Como a tendência é de aceleração dos avanços, os médicos precisam estar atualizados com as últimas descobertas e tecnologias para fornecer o melhor tratamento possível aos pacientes. Por isso, programas de educação médica continuada e parcerias com instituições acadêmicas para alcançar esse objetivo são indispensáveis.

A oncologia de precisão enfrenta muitos desafios que afetam a sua implementação global. O valor e a acessibilidade aos tratamentos direcionados estão entre as principais dificuldades para expandi-la. O alto custo dos medicamentos limita o acesso, especialmente em países de baixa renda.

A privacidade e segurança dos dados genéticos dos pacientes são temas relevantes que precisam ser discutidos e equacionados para garantir a confiança no sistema. Precisamos de regulamentações claras e éticas sobre o uso e compartilhamento desses dados para proteger os direitos dos pacientes e promover a colaboração entre os diversos atores envolvidos.

Por fim, o envolvimento do paciente no processo de tomada de decisão sobre os tratamentos que envolvem a medicina de precisão traz muitos ganhos. Garantir que tenham informações corretas para entender melhor a própria condição e as opções da medicina disponíveis pode melhorar significativamente o comprometimento com o tratamento, os resultados e a qualidade de vida.

Para enfrentar todos esses desafios, é fundamental que prevaleça uma perspectiva e um planejamento abrangentes, envolvendo governos, organizações de saúde, empresas farmacêuticas e a sociedade civil.

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