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Carl Sagan, em 1986, ao lado de um modelo da sonda Voyager. Preocupação com o descolamento entre a sociedade e o conhecimento científico marcou a trajetória do cientista e fez dele um ícone na luta pela ciência. AP Photo/Lennox McLendon

O legado duradouro de Carl Sagan na ciência e na divulgação científica

“Cosmos” foi um programa de televisão produzido entre 1978 e 1979, que passou em telas brasileiras nas noites de domingo no segundo semestre de 1982. Eu tinha 10 anos quando conheci seu apresentador: Carl Sagan.

Mal sabia eu da longa e bem estruturada carreira que Sagan trazia consigo, encapsulada naquela tela quadrada que iluminava as minhas noites de domingo. Mal sabia eu da vitória pessoal que era, para ele, estar à frente de um programa cujo principal objetivo era levar a Ciência à casa das pessoas.

Carl Sagan estava mais preocupado em mostrar o que era a Ciência do que em ensinar algo propriamente dito. “Cosmos”, o programa de TV, tinha como missão inspirar o telespectador; e, também, desmistificar, tornar palatável o conhecimento científico. Em última análise, Sagan queria mostrar que a Ciência era parte fundamental das nossas vidas.

Em um artigo seu publicado na revista The Skeptical Inquirer (Vol. 14, número 3), em 1990, Sagan diz que “vivemos em uma sociedade completamente dependente da ciência e da tecnologia, na qual praticamente ninguém entende sobre ciência e tecnologia.” Essa frase ressurgirá, ominosa, em seu livro de 1995, “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, com o óbvio corolário que “isso é uma receita para o desastre”.

(1990! Se Sagan nos visse hoje, certamente estaria mais desesperançado ainda…)

O problema grave a que ele se refere em 1990, o descolamento entre a sociedade e o conhecimento científico, é muito mais antigo, e ainda atual. E estava em seu radar há muito mais tempo. Tanto que, no final da década de 1970, ele conseguiu realizar o sonho de produzir um programa de TV cujo objetivo era difundir a Ciência. Sim. “Cosmos”, ele mesmo. A série deu origem ao seu livro mais famoso, de mesmo nome.

(Quando perguntado porque ele se esforçava tanto em falar de Ciência para o grande público, Sagan certa vez deu uma resposta emocional: “Quando se está apaixonado, você quer contar pra todo mundo!”)

Mas o Carl Sagan televisivo é um Carl Sagan no auge de sua carreira; um Carl Sagan que tinha tração suficiente para fazer “Cosmos” acontecer. O programa de televisão foi, por assim dizer, a coroação de sua luta pela difusão científica.

Educação para mudar de vida

Sagan nasceu em 1934, em uma Nova York que se recuperava da Grande Depressão. Sua história de sucesso se assemelha à de muitos: filho de pai operário e mãe dona de casa, entendeu logo que a educação seria a melhor ferramenta para mudar de vida.

Aluno acima da média, Sagan foi estimulado em casa a estudar mais e mais. Em seu livro “Shadows of Forgotten Ancestors” (sem tradução para o português), Sagan lembra com carinho da influência que seus pais tiveram nele, e em sua decisão de se tornar cientista: “Meus pais não eram cientistas. Eles não sabiam quase nada sobre ciência. Mas, ao me introduzirem simultaneamente ao ceticismo e ao saber, ensinaram-me os dois modos de pensamento coexistentes e essenciais para o método científico”.

Aos cinco anos de idade, Sagan se encontrou com sua vocação. Na biografia “Carl Sagan: A Life”, escrita por Keay Davidson, encontramos a seguinte passagem: “Fui para o bibliotecário e pedi um livro sobre as estrelas… E a resposta foi impressionante. A resposta era que o Sol também era uma estrela, só que muito próxima. Logo, as estrelas eram outros sóis, mas estavam tão distantes que eram apenas pequenos pontos de luz para nós… A escala do Universo de repente se abriu para mim. Era um tipo de experiência religiosa. Houve uma magnificência para ela, uma grandeza, uma escala que nunca me deixou. Nunca me deixará…” Lembrem-se: ele tinha somente CINCO anos!

Sagan formou-se na Universidade de Chicago, onde concluiu também o seu mestrado e o seu doutorado. De lá foi para Berkeley, lecionar. Depois Harvard e, finalmente, Cornell, na cidade de Ithaca, no estado de Nova York. Sempre conciliou as suas atividades de professor universitário com as de escritor, divulgador científico e consultor da NASA, a agência espacial americana. Entre muitas coisas que fez com a NASA, Sagan é um dos autores dos discos de ouro levados pelas sondas Voyager, com informações escritas em uma linguagem tentativamente universal, explicando para possíveis alienígenas quem somos e onde estamos no Universo.

Ciência e poesia

Raios de luz cruzam na vertical com um pequeno ponto brilhante, a Terra vista de longe, em um deles
Captada pela sonda Voyager 1 a uma distância de cerca de 6 bilhões de quilômetros, a icônica imagem do Pálido Ponto Azul mostra a Terra como um pequeno ponto brilhante suspenso em um raio de luz: metáfora da fragilidade humana frente à grandiosidade do Universo. NASA/JPL-Caltech

Foi de Carl Sagan a ideia da foto que hoje conhecemos como “Pálido Ponto Azul”. A Voyager 1, sonda não tripulada lançada em 1977 pela NASA, tinha como missão se aproximar dos planetas Júpiter e Saturno, para fotografá-los e coletar dados. Finda essa missão, ela continuaria voando rumo aos confins do Sistema Solar e, eventualmente, para fora dele. (Daí a ideia de incluir uma mensagem universal para possíveis civilizações alienígenas.)

Após seu encontro com Saturno, terminada a missão, Sagan sugeriu que a sonda se virasse para a Terra e registrasse uma foto de nosso planeta, feita àquela distância. (O “selfie” mais épico da história da Humanidade!) Os engenheiros da NASA abraçaram a ideia, as permissões necessárias foram concedidas e, em 14 de fevereiro de 1990, a Voyager 1 fez a famosa foto.

Sobre ela, Sagan disse, em seu livro “Pálido Ponto Azul”, de 1994: “Olhem de novo para esse ponto. Isso é a nossa casa, isso somos nós. Nele, todos que você ama, todos que você conhece, todos que já ouvimos falar, todo ser humano que já existiu, viveram suas vidas. O agregado de nossas alegrias e sofrimentos, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas, cada caçador e saqueador, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e plebeu, cada jovem casal apaixonado, cada mãe e pai, cada criança esperançosa, inventores e exploradores, cada educador, cada político corrupto, cada superestrela, cada líder supremo, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali, em um grão de poeira suspenso num raio de Sol”.

Sagan tinha essa sensibilidade. Conseguia mesclar a Ciência com a Poesia. Conseguia traduzir conceitos, criar imagens e nos fazer sentir a imensidão do Universo e toda a beleza contida nele. Todos os anos, em 9 de novembro, dia de seu nascimento, celebramos o seu legado em um evento mundial conhecido como “Carl Sagan Day”.

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