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Estudo brasileiro feito com girassóis indica o impacto das mudanças climáticas na produção mundial de alimentos Matthias Schrader/AP Photo

Os girassóis e a produção de alimentos nas mudanças climáticas

As mudanças climáticas representam uma ameaça significativa para a produção global de alimentos, uma vez que os padrões climáticos em constante evolução perturbam os ecossistemas naturais, afetam os ciclos de cultivo e comprometem a disponibilidade de recursos agrícolas essenciais.

No panorama agrícola global, o cultivo do girassol desempenha um papel crucial, em virtude de suas múltiplas aplicações e vantagens. Além de ser fonte de óleo comestível de alta qualidade, o girassol assume um papel fundamental na produção de alimentos para animais, na fabricação de biocombustíveis e no fornecimento de matérias-primas para a indústria química.

No centro da imagem se vê uma ilustração de um girassol. Em volta dele, ilustrações de produtos derivados da planta: grãos, biomassa, mel e flores
Algumas das possibilidades econômicas da produção do girassol: produção de grãos, biomassa, mel e flores. Lucas Arantes Garcia

À medida que a produção de girassol ganha destaque no setor agrícola, as preocupações sobre o impacto das mudanças climáticas em sua colheita aumentam. Diante desse contexto, torna-se imperativo avaliar as alterações que a planta pode sofrer com as mudanças climáticas, o que pode influenciar sua produtividade e as características florais cruciais para atrair os polinizadores.

O girassol no Brasil

As enigmáticas origens do girassol (Helianthus annuus L.) remetem a um passado controverso, com o México emergindo como o provável berço de sua domesticação. Evidências arqueológicas apontam para cultivos na América do Norte por volta de 3.000 a.C. No século XVI, sementes de girassol aportaram na Europa por intermédio dos conquistadores espanhóis e, posteriormente, conquistaram espaço no Brasil, no início do século XX, através dos colonizadores europeus.

A trajetória do girassol no Brasil foi pontuada por obstáculos e avanços notáveis, culminando em sua consagração como segunda safra no Cerrado. Essa complexa introdução se deve, em grande parte, à notável resistência do girassol à seca, aliada aos avanços científicos da Embrapa. A produção brasileira de girassol para a safra 2022/2023 atingiu a marca impressionante de 86,8 mil toneladas, registrando um aumento surpreendente de 111,2% em relação à temporada anterior. Esses números pintam um cenário promissor para o cultivo de girassóis no país, reforçando seu crescimento como cultura agrícola relevante.

Polinizadores

Todo o processo de crescimento e desenvolvimento do girassol, do plantio à colheita - que denominamos de jornada fenológica -, está intimamente relacionada à colaboração dos polinizadores, notadamente as abelhas, cruciais para a fertilização das flores. A polinização, facilitada pela transferência de pólen entre flores por meio de insetos, é indispensável para a formação das sementes. Com suas flores exuberantes, o girassol exerce um atrativo ecológico nessas abelhas diligentes, que seguem pistas visuais e olfativas para coletar néctar e pólen.

Embora variedades híbridas de girassol possam se autopolinizar, as abelhas continuam a desempenhar um papel crucial na produção de sementes. Nesse complexo jogo entre flores e polinizadores, até mesmo características sutis, como o tamanho da parte central e colorida da flor, desempenham influência significativa nas preferências das abelhas. Surpreendentemente, pequenas alterações no tamanho ou na cor da corola resultam em mudanças na atividade das abelhas, destacando sua sensibilidade ecológica e sua suscetibilidade às variações climáticas.

Navegando em um clima em mutação

Com o propósito de aprofundar nossa compreensão sobre o impacto das mudanças climáticas nessa cultura vital, cultivamos o girassol em condições ricas em dióxido de carbono e altas temperaturas. A essa condição de elevado dióxido de carbono (eCO2) e elevadas temperaturas (eT) denominamos eCO2eT.

Para esse estudo, simulamos um dos cenários intermediários previstos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para o ano de 2100, empregando câmaras de topo aberto, como a mostrada na ilustração abaixo.

Na ilustração, se vê uma estrutura de vidro, com uma abertura no alto. Dentro, estão dos girassois. Ao lado, um cilindro de CO2, com um tubo ligado ao interior da estrutura. Ao lado um cientista avalia dados no computador.
Câmara de topo aberto com aumento de CO2 e temperatura. Walisson Kenedy Siqueira

Sob a influência das condições de eCO2eT, as folhas do girassol exibiram concentrações notáveis de clorofila e taxas aprimoradas de fotossíntese. Adicionalmente, observaram-se adaptações anatômicas que não somente atenuaram a transpiração excessiva, mas também mitigaram os danos causados pelo aumento das temperaturas.

No entanto, o estudo desvelou um paradoxo: apesar do aprimorado desempenho fisiológico, as condições de eCO2eT não se refletiram em um crescimento e produtividade elevados das plantas de girassol. De fato, os girassóis evidenciaram uma redução no diâmetro da flor e um aumento na prevalência de sementes vazias, possivelmente devido a um desenvolvimento de pólen e fertilização prejudicado. Essas descobertas destacam os complexos fatores que influenciam a produção de sementes e a interação entre plantas e polinizadores no contexto das mudanças climáticas.

No laboratório, vêem-se as câmaras de topo aberto e vasos de girassol em primeiro plano
Experimento com câmaras de topo aberto e plantas de girassol. Renata A. Maia

Além disso, a pesquisa revelou alterações em características florais que afetam a atratividade e as recompensas para os polinizadores. A combinação de eCO2eT não resultou em mudanças significativas no tamanho da flor em comparação com as condições atmosféricas atuais. Contudo, afetou a pigmentação das pétalas e a qualidade nutricional do pólen. Essas alterações podem ter consequências para a saúde dos polinizadores, uma vez que o pólen é uma fonte vital de nutrientes para eles.

Olhando para o Futuro

Nesse contexto, é crucial enfatizar a relevância desse tipo de estudo no cenário atual. Compreender a resposta das plantas diante das mudanças climáticas iminentes é um pilar fundamental para conduzir uma seleção criteriosa de espécies aptas a prosperar. O estudo lança uma luz esclarecedora sobre a intrincada interação entre as mudanças climáticas e as reações das plantas, à medida que a concentração de carbono na atmosfera aumenta e a temperatura global se eleva.

As implicações dessa pesquisa ultrapassam as fronteiras do laboratório, pois os efeitos do clima sobre os girassóis têm potencial para desencadear modificações tanto ecológicas quanto econômicas, abrangendo um espectro vasto de impactos.

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