Menu Close
Turbina de vento em frente a uma usina termoelétrica na Grécia: os números mostram que, aproximadamente, os 50% mais pobres da população mundial emitiram 12% das emissões globais em 2019, enquanto os 10% mais ricos emitiram 48% do total. AP Photo/Martin Meissner

Outrora distantes, economia, biodiversidade e justiça social agora precisam caminhar juntas contra as mudanças climáticas

Todo ano, o Dia da Sobrecarga da Terra marca o ponto em que a demanda por recursos naturais supera a capacidade do planeta de produzir ou renovar esses recursos ao longo de 365 dias. Em 2023, o Dia da Sobrecarga aconteceu em 2 de agosto, e trouxe um dado assustador que alerta para a necessidade cada dia mais urgente de se combater as mudanças climáticas: seria necessário que a Terra fosse 60% maior para manter o padrão de consumo atual da humanidade. Ou seja, precisamos mudar nossa pegada ecológica ou acabaremos com a nossa vida no planeta.

Desde a década de 70, o mundo vem reunindo informações sobre as constantes mudanças climáticas. Contudo, foi com a Conferência do Rio em 1992 que começaram a surgir os alertas mais contundentes da comunidade científica sobre o tema. Até então fazia-se críticas gerais ao modelo capitalista, à sociedade de consumo e ao “desenvolvimento”. Na Conferência, ficou claro que a destruição de ecossistemas/biodiversidade, o excessivo consumo de matérias-primas renováveis e não renováveis, produção de lixo etc. tinha alcançado tal dimensão que colocava em risco nossa própria existência.

Hoje, é consenso de que não se pode crescer infinitamente num mundo finito. Além disso, os diagnósticos também alertam que não temos muito tempo para tentar reverter a situação. Se começarmos agora (o que já era para termos começado há décadas), podemos atenuar a situação, mas revertê-la já não é uma opção.

Países ricos são os que mais poluem

Atualmente sabemos que todos os seres humanos contribuem para as alterações climáticas, mas não de forma igual. Embora ainda não existam muitos dados sólidos sobre a relação entre a desigualdade econômica e as alterações climáticas – e sobre a distribuição das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) entre indivíduos – pesquisadores, políticos e sociedade civil estão convictos que os fatos atuais mostram grupos da população que contribuem mais para o crescimento das emissões (os 10% mais ricos do mundo), e outros grupos que colaboram menos (praticamente os outros 90% da população mundial). Então, faz sentido a mudança (que não é simples) começar pelo grupo que mais polui: os 10% mais ricos do planeta.

Um estudo realizado pelo economista francês Lucas Chancel analisou a desigualdade global das emissões individuais de gases com efeito de estufa (GEE) entre 1990 e 2019, e montou um quadro que diferencia as emissões do consumo e dos investimentos em diferentes continentes, países e estados. Os números mostram que, aproximadamente, os 50% mais pobres da população mundial emitiram 12% das emissões globais em 2019, enquanto os 10% mais ricos emitiram 48% do total.

O estudo revela, que embora as emissões per capita dos 1% mais ricos do mundo tenham aumentado desde 1990, as emissões dos grupos de rendimentos baixos e médios nos países ricos diminuíram. Em outras palavras, o que aumentou muito nas últimas décadas foi o fosso entre o grupo que emite muitos GGE e os grupos que emitem pouco GGE dentro dos países, e não entre países. Chancel deixa claro que, independentemente do lugar, é sempre o mesmo grupo que mais degrada o meio ambiente: os 10% mais ricos.

Essa afirmação faz lembrar Chico Mendes, que acreditava que a luta ecológica não podia se divorciar da luta social. Porque se a luta ecológica tornar-se neutra, nada mais vai parecer que jardinagem, e vai continuar cúmplice da injustiça de um mundo onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos – mas, sim, privilégios dos poucos que podem pagar por eles.

Reduzir o consumo e mudar os padrões de produção

Por isso, quando falamos em reduzir o crescimento, para que possamos salvar a nós mesmos, estamos falando em reduzir o consumo, mudar o padrão de produção, evitar o desperdício, reduzir a emissão de gases etc., de uma parte pequena da população mundial. Além disso, quando olhamos as emissões com mais cuidado notamos que a grande parte provém da maneira que produzem (a mineração, agropecuária, siderúrgica e indústria química são os setores que mais poluem), e não do seu consumo. Embora, é claro, quanto mais pessoas viverem de forma sustentável, melhor para a humanidade.

Junto à redução de consumo e da eficiência na produção, os governos podem, e precisam, incentivar as seguintes atividades para ajudar no combate ao aumento da pegada ecológica: a criação de uma legislação ambiental; incentivar a proteção de áreas verdes; tributar atividades danosas ao meio ambiente; pagar pela conservação de áreas verdes; pagar pela captura de carbono; reduzir o desperdício de comida; e promover uma transição nutricional. Não é fácil, mas precisamos reduzir o consumo, e consumir o que afeta menos o planeta.

As mudanças climáticas já estão alterando os padrões de temperatura no mundo e a tendência é que esses problemas se agravem com o tempo. Mas a humanidade está com dificuldade de entender a gravidade das suas ações na questão climática, porque as consequências não ocorrem como nos filmes, em um grande (e único) desastre ecológico colocando todos em perigo. As consequências de nossas ações, estão sendo lentas (na maioria dos casos), mas constantes.

Não são poucos e nem “leves” os custos que pagaremos se continuarmos a consumir os recursos do planeta, da mesma forma que fazemos hoje. Os custos de um crescimento econômico, sem estar integrado à natureza, tem trazido desastres ecológicos que estão se tornando cada dia mais evidentes e constantes: desmatamento; a escassez de água doce; erosão do solo; a perda de biodiversidade; o acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera; a deterioração de habitats naturais (incluindo florestas, zonas úmidas) etc. E não é só isso. Está mais do que comprovado que o aumento do uso de combustíveis fósseis, a expansão da agricultura e o desenvolvimento urbano (em paisagens anteriormente não utilizadas) trazem enormes custos financeiros associados a perdas de polinização, proteção costeira, abastecimento de água e carbono armazenado.

Como consequência destas mudanças, os preços globais de alimentos vão aumentar à medida que o setor agrícola for atingido pela perda da natureza, com os preços subindo cerca de 8% para a madeira, 6% para o algodão, 4% para as oleaginosas e 3% para as frutas e legumes até 2050.

No Brasil, por exemplo, as mudanças climáticas têm implicações para a energia hidrelétrica, a agricultura e o uso urbano da água e do solo, além de ameaçar os ecossistemas incomparáveis do Brasil, especialmente os biomas Amazônia e Cerrado. O Relatório sobre Clima e Desenvolvimento para o País (CCDR) do Grupo Banco Mundial, mostra que os eventos climáticos extremos, tais como secas, enchentes repentinas e inundações fluviais nas cidades, causam (em média) perdas de R$ 13 bilhões (US$ 2,6 bilhões, ou 0,1% do PIB de 2022) ao ano.

Embora o Brasil tenha reduzido drasticamente a parcela de pessoas que viviam em situação de pobreza extrema nas últimas três décadas, o número de pessoas nessa condição aumentou desde a desaceleração econômica de 2015–2016 e estima-se que tenha chegado a 5,8% em 2021.

Consequências nefastas para a saúde pública

O CCDR nos mostra que, com os possíveis choques climáticos, o país possa ter um acréscimo de 800 mil a 3 milhões de pessoas vivendo na pobreza extrema a partir de 2030. E não é só isso, junto com o aumento da pobreza, virá também um enorme conjunto de danos à saúde pública, ainda não contabilizados ou dimensionados, resultantes da poluição e contaminação. Em áreas metropolitanas, a baixa qualidade do ar pode produzir inúmeras doenças respiratórias cujo impacto econômico precisa ser mensurado.

A degradação ambiental no Brasil decorre de um quadro cada vez mais difícil de controlar: algumas leis existentes são adequadas, mas com uma fiscalização ineficiente; falta pessoal nos órgãos de controle; falta treinamento para fiscalização; a capacitação dos agentes públicos é precária ou reduzida, etc. No entanto, o CCDR mostra, também, que o Brasil (por conta da sua rica biodiversidade) está em uma posição privilegiada para proporcionar ao seu povo uma vida melhor e, ao mesmo tempo, superar com sucesso a ameaça das mudanças climáticas.

Mas o que o CCDR não conseguiu captar foi que existe uma corrente ideológica no Brasil, que abraça o lucro a qualquer custo. Essa corrente ideológica (que é de direita e neoliberal) é predominante na maioria nos governos estaduais e prefeituras, e não se importa com os alertas dados por cientistas ou com os fatos que batem à porta (como estamos vendo agora em Porto Alegre). Ela vai na contramão do desenvolvimento sustentável: quer expandir a monocultura de soja, eucalipto ou pinus; a redução das áreas de proteção ambiental; expandir as áreas para criação de gado; extinção das leis ambientais que protegem mangues, lagos e rios; uma urbanização com verticalização crescente; etc.

O que temos no Brasil é grave, mas não é exclusividade nossa.

Se somos os agentes do “caos”, também podemos ser aqueles que trarão o equilíbrio necessário para não nos destruirmos e garantir a sobrevivência das próximas gerações. Já existem soluções para quase todo tipo de problema aqui citado, porém colocá-las em prática requer investimento e vontade política. Precisamos, urgentemente, disseminar as ideias de uma economia verde.

A “economia verde” tem como base os seguintes princípios: buscar uma baixa emissão de carbono e outros gases que causam o efeito estufa; diminuir os impactos causados pelas mudanças climáticas; utilizar, de forma eficiente e sustentável, os recursos naturais; primar por inclusão social; implantar processos de logística reversa de resíduos, reciclagem e reutilização de bens de consumo; tratamento adequado de rejeitos; utilizar energias limpas e renováveis; valorizar a biodiversidade; exercer o consumo consciente; adotar práticas sustentáveis nos processos produtivos; universalizar o saneamento básico; e conservar os recursos hídricos. Uma lista extensa, mas nenhum item dela é dispensável.

Parece utópico, mas podemos sim ter um modelo de desenvolvimento que resulte numa melhora do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz os danos ambientais. Vai levar tempo, mas é possível. Desenvolvimento sustentável e desenvolvimento econômico não precisam ser antagônicos.

A humanidade, acostumada a pensar nas mudanças sociais no tempo histórico longo, tem muita dificuldade para integrar o sentimento de urgência. E esse é, sem dúvida, um dos nossos maiores desafios. Se quisermos evitar exceder os limites daquilo que a Natureza pode fornecer numa base sustentável e, ao mesmo tempo, satisfazer as necessidades da população humana, os padrões de consumo e produção terão de ser fundamentalmente reestruturados.

Caso não seja possível implementar (para ontem) iniciativas que não vão resolver os problemas ambientais, mas que, pelo menos, comecem a reduzir o desastre climático, o crescimento projetado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de 3,2% para o Produto Interno Bruto mundial (em 2024 e 2025), que parece pequeno para alguns, vai ser uma grande tragédia em termos ambiental. Precisamos desenvolver a economia verde, ou da biodiversidade, com a compreensão de que nós – e nossas economias - estão incorporadas dentro da natureza, e não fora dela.

A concepção de economia verde foi desenvolvida pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em 2008, mas outras definições podem ser encontradas para o mesmo termo. A Green Economy Coalition, coalisão formada por mais de 50 organizações entre ONGs, empresas, agências e sociedade civil, que atua para acelerar a transformação dos sistemas econômicos vigentes em economias verdes, define o termo como uma economia resiliente e justa, que proporciona melhor qualidade de vida para todos e respeita os limites ecológicos do planeta.

Mudar a forma de viver, e isso inclui uma drástica redução (e mudança) no consumo de alimentos, roupas, minérios, água, etc., pode parecer muito ruim para uma parcela da população. Sim, não vai ser fácil e eles lutarão contra essa mudança. Mas o que é pior: mudar os hábitos de consumo e produção ou pagar para ver as consequências desse modelo esgotado? Vale a pena arriscar e seguir para um cenário de incerteza radical?

Want to write?

Write an article and join a growing community of more than 185,400 academics and researchers from 4,982 institutions.

Register now