Bilhões de pessoas em todo o mundo receberam as vacinas contra a COVID-19 da Pfizer ou da Moderna. O rápido desenvolvimento dessas vacinas mudou o curso da pandemia, fornecendo proteção contra o vírus SARS-CoV-2. Mas essas vacinas não teriam sido possíveis se não fosse pelo trabalho pioneiro dos ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina deste ano, décadas antes.
A Dra. Katalin Karikó e o Dr. Drew Weissman, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, receberam o prestigioso prêmio por suas descobertas sobre a biologia do RNA mensageiro (mRNA). A dupla foi a primeira a descobrir uma forma de modificar o mRNA que permitiu que ele fosse entregue às células e replicado por elas.
Sua descoberta não foi apenas essencial para o desenvolvimento da vacina contra a COVID-19, mas também pode levar ao desenvolvimento de muitas outras terapias, como vacinas contra o câncer.
Trabalho de uma vida
Karikó é uma bioquímica húngara e Weissman é um médico e cientista americano. Os dois começaram a trabalhar juntos em 1985, quando Karikó era pesquisadora de pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia, onde Weissman já trabalhava como imunologista. Eles compartilhavam o interesse em saber como o mRNA poderia ser usado para criar novas terapias.
O RNA mensageiro é uma molécula essencial à vida. Ele é produzido no corpo a partir do nosso próprio DNA em um processo chamado tradução. O DNA é o nosso manual especial codificado de instruções para a fabricação de proteínas, que são os blocos de construção dos materiais do corpo.
O mRNA copia e transporta essas instruções genéticas do DNA para as células. Em seguida, as células produzem a proteína para a qual foram instruídas, como a hemoglobina, que ajuda as células vermelhas do sangue a transportar oxigênio pelo corpo.
Karikó e Weissman pensaram que, se fosse possível comandar esse processo, o mRNA poderia ser usado para instruir as células a produzir essencialmente suas próprias curas. Porém, na época em que começaram a trabalhar juntos, as tentativas de outros pesquisadores de fazer isso não tinham êxito.
Os pesquisadores enfrentaram dois grandes desafios ao iniciarem seu trabalho. O primeiro era conseguir evitar que o hospedeiro montasse uma resposta imune contra o mRNA modificado. O segundo era conseguir entregar o mRNA ao hospedeiro com segurança, sem que ele se degradasse.
Para entender como eles superaram a primeira barreira, é importante compreender a estrutura do mRNA. Normalmente, as moléculas de mRNA contêm quatro tipos de moléculas menores conhecidas como bases (nucleosídeos): A (adenina), U (uridina), G (guanina) e C (citosina). Diferentes sequências dessas bases podem ser unidas para produzir uma molécula de mRNA.
Nos primeiros experimentos, Karikó e Weismann descobriram que a injeção de moléculas normais de mRNA em camundongos levava a uma resposta imune. Isso significava que o sistema imune do camundongo via o novo mRNA como um patógeno invasor, e as células imunes o destruíam, em vez de replicá-lo.
Assim, os pesquisadores modificaram o nucleosídeo U para criar uma pseudouridina, um composto químico que estabiliza a estrutura do RNA. Quando eles repetiram o experimento com o mRNA modificado, os camundongos não apresentaram resposta imune.
No entanto, Karikó e Weismann ainda enfrentavam o segundo desafio, que era a capacidade de fornecer o mRNA sob medida sem que ele se degradasse.
Eles decidiram usar lipídios (nanopartículas de gordura) para distribuí-la. Esses compostos químicos gordurosos são parte essencial da membrana celular, controlando o que entra e sai da célula. Os lipídios especialmente criados permitiram que as moléculas de mRNA fossem entregues sem serem degradadas ou quebradas pelo sistema imune.
A pesquisa de Karikó e Weissman eliminou com sucesso os obstáculos que antes impediam o uso clínico do mRNA. A capacidade de instruir o corpo a replicar praticamente qualquer proteína pode ter potencial para tratar uma série de doenças e até mesmo proteger contra infecções virais.
Vacinas contra a COVID
Quando a pesquisa foi publicada pela primeira vez, não chamou muita atenção. Mas, em 2011, duas empresas de biotecnologia - Moderna e BioNTech - perceberam e começaram a pesquisar medicamentos de mRNA.
Não é de se admirar o motivo. Os métodos tradicionais de produção de vacinas são demorados, caros e não funcionam para todas as vacinas. Mas o trabalho de Karikó e Weissman mostrou que o mRNA sintético poderia ser produzido em larga escala.
Os pesquisadores já estavam trabalhando no desenvolvimento de vacinas de mRNA antes da pandemia, como uma vacina contra o ebola que não recebeu muito interesse comercial. Mas em 2020, quando a COVID-19 começou a se espalhar pelo mundo, as vacinas eram necessárias rapidamente para oferecer proteção.
Usando o trabalho fundamental de Karikó e Weissman, os cientistas desenvolveram uma sequência de mRNA sob medida que imitava a proteína spike (que permite que o vírus entre em nossas células). Isso produziu uma partícula inofensiva do vírus da COVID-19 que nossas células replicaram, permitindo que nossos corpos nos protegessem de infecções graves quando encontrassem o vírus real.
As descobertas de Karikó e Weissman, feitas anos antes, foram fundamentais para tornar possíveis as vacinas de mRNA contra a COVID-19. Mas essas não são as únicas maneiras pelas quais seu trabalho poderia ser aplicado.
Os pesquisadores esperam agora desenvolver vacinas de mRNA para vírus como o HIV e o Zika. Estudos também demonstraram que as vacinas de mRNA podem ser úteis no tratamento de certos tipos de câncer.