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É justamente do Quarto Distrito - polo de tecnologia e inovação de Porto Alegre que segue debaixo d'água (foto) - que podem sair as soluções baseadas na natureza capazes de proteger a cidade de futuros alagamentos. VANDRO LEAL/Agencia Enquadrar/Folhapress

Porto Alegre: área mais atingida guarda a inovação e a tecnologia capazes de proteger o futuro

Com grandes universidades e parques tecnológicos, Porto Alegre vinha se posicionando como uma “capital da inovação” – com projetos urbanísticos e de revitalizações, como a Orla do Guaíba e o Cais Mauá. Um dos “hubs” de inovação porto-alegrense, o “4º Distrito” - uma região industrial que teve uma “época dourada” no século 20, foi sendo abandonada e vem passando por uma “revitalização” desde os anos 2010 - foi, ironicamente, uma das áreas mais atingidas pela enchente de 2024.

Mas, em meio a processos de gentrificação e grandes incentivos, a região historicamente afetada pelas enchentes tem o potencial de reverter o revés justamente com seu atual potencial: a inovação.

Soluções baseadas na natureza

Inovar não é apenas criar algo novo: é também melhorar o existente, desenvolver novas ideias e soluções. E as soluções devem considerar o ambiente, as mudanças que se avistam. As soluções devem considerar o meio: e os corpos hídricos são parte das cidades. As soluções devem ser sustentáveis – em seu sentido amplo. E estas podem ser soluções baseadas na natureza (SbN).

As chamadas SbN tentam imitar, para as transformadas cidades, o que sempre ocorreu de forma natural – com áreas mais verdes, permeáveis e resilientes. As infraestruturas devem ser menos “cinzas” e mais “verdes” e “azuis”: com sistemas de Drenagem Urbana Sustentáveis (SuDs), as águas podem encontrar um caminho em meio a cidade; com mais ruas verdes e completas, há mais resiliência climática e serviços ecossistêmicos. Tudo isso, é claro, aliado a infraestruturas tradicionais – nas quais Porto Alegre já tem protagonismo – e a eficientes e efetivos sistemas de alerta, que minimizem as perdas humanas.

É preciso ter em mente que os custos do pós-desastre são maiores do que a sua prevenção. Por isso, precisamos adaptar as cidades para as próximas enchentes. Mas, também, para as próximas estiagens – ainda mais comuns no estado. Os sistemas urbanos devem estar preparados, como um extintor de incêndio que torcemos para nunca precisar usar. Precisamos de alternativas para segurança hídrica, para as altas temperaturas, para crises energéticas: cidades mais sustentáveis e suficientes. Cidades mais resilientes.

Um encontro de águas virou problema

Entre o fim de abril e início de maio de 2024, um acumulado de mais de 400 mm de chuvas caíram em menos de 10 dias sobre diversas cidades gaúchas. Isso representou até três vezes o esperado para o mês inteiro. Estas torrenciais chuvas afetaram centenas de cidades e o evento extremo se tornou a maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul.

Mas as águas que caíram na metade leste do estado geraram um efeito dominó ainda mais complexo: cidades como Roca Sales viram a destruição por enchentes pela terceira vez e as águas foram escoando e inundando outras cidades no caminho, como Lageado e Canoas. E todas estas águas se encontraram em Porto Alegre.

A Região Hidrográfica do Lago Guaíba cobre quase um terço da área do Rio Grande do Sul e é onde está a maior parte da população do estado. Os rios Gravataí, dos Sinos, Caí e Jacuí se encontram no arquipélago do Delta do Jacuí, na região central de Porto Alegre. Este grande “encontro das águas” está representado no nome guarani do lago: “Guahyba”.

No passado, esta grande quantidade de águas foi não um problema, mas uma solução: as vias fluviais e a posição estratégica foram o motivador da localização da capital gaúcha. O centro histórico de Porto Alegre está justamente próximo da parte mais estreita da foz destes grandes rios. E esta ligação do Rio Jacuí, passando pelo Guaíba e chegando ao Oceano através da Laguna dos Patos foi possivelmente a motivação do nome do estado: a percepção de um Rio Grande do Sul.

Com um encontro tão grande de águas, as cheias fizeram parte da história de Porto Alegre e se repetiram por muitas vezes: em 2024, em 2023, em 2015 e assim até a grande e histórica enchente de 1941 – que até agora, era a maior enchente já registrada.

Passado, presente e futuro

Para combater esta grande enchente do passado, Porto Alegre construiu um grande sistema de proteção: formado por quase 70 km de diques, bombas de recalque e um muro de 2 km (o “Muro da Mauá”), que foi finalizado na década de 1970 e por anos foi apenas um entrave político e motivo de disputas por sua derrubada. Em 2015, os portões do Muro da Mauá chegaram a ser fechados, mas o sistema foi realmente testado apenas em setembro de 2023 – quando foi demonstrado que precisava de manutenções.

Estes eventos extremos que assolaram o estado eram previsíveis e infelizmente os atuais sistemas de proteção não foram suficientes e/ou falharam – afetando direta ou indiretamente centenas de milhares de pessoas. Assim, estas infraestruturas não podem ser apenas reconstruídas, mas precisam ser adaptadas às realidades futuras. E os problemas futuros exigem soluções presentes.

O passado, o presente e o futuro de Porto Alegre agora se encontram: o crescimento populacional desordenado, entre os anos de 1940 e 1970, gerou uma série de obras estruturais em uma cidade efervescente; entre 1950 e 1970, uma grande área do lago foi aterrada na região central; e, entre 1940 e 1970, era canalizado e retificado o Arroio Dilúvio.

Entre 1960 e 1990, o Lago Guaíba sofreu as consequências e foi tema de lutas ambientalistas, como as lideradas por José Lutzemberger. Mas o presente apresentava boas notícias: apesar de um passado sombrio, o futuro avistava dias melhores – as condições do Guaíba vinham melhorando ao longo dos anos.

Enquanto reverbera a ideia de que “a Porto Alegre de anos atrás já não existe mais”, seu futuro pode ser promissor. É preciso olhar o presente sem esquecer do futuro. Os rios seguem no mesmo lugar, mas as chuvas já não são as mesmas do passado. Podemos até negar a realidade que se apresenta, mas não podemos negar a necessidade de nos preparamos para o que virá. Soluções integradas devem criar cidades mais resilientes: um futuro resiliente para a capital da inovação.

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