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Foto mostra professora Rosy Mary em sala de aula. No projetor, lê-se Old tools for new questions
Apenas um quarto dos pesquisadores 1A do CNPq são mulheres. Entre elas, Rosy Mary é a única negra. Arquivo pessoal

Primeira pesquisadora negra nível 1A do CNPq: “quantidade de melanina não dita competência”

O ano era 2018. Participando do 1⁰ Congresso de Mulheres na Ciência da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fui surpreendida pela fala da professora Maria Aparecida Moura, da Escola de Ciência da Informação. Ao ver os dados apresentados sobre as bolsistas negras de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), me reconheci naquele momento dentre seus dados estatísticos. Estava ali na plateia, saltando da planilha, aquele que era um dado relevante: eu era a única pesquisadora autodeclarada negra, nível 1, do CNPq.

A Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq é organizada em níveis, em ordem crescente: 2, 1D, 1C, 1B, 1A. Na época, eu estava no nível PQ 1C. No ano seguinte, passei ao nível PQ 1B e, agora em 2024, ao nível PQ 1A. Ser a primeira mulher negra a alcançar o nível mais alto entre as bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq me faz feliz e aumenta a sensação de responsabilidade.

Quem eu represento e como eu represento as jovens que sonham com a carreira acadêmica e que talvez não tenham a sorte que eu tive de encontrar as pessoas certas nos lugares certos? Afinal, é comum que nós, mulheres negras, sejamos desacreditadas no universo acadêmico, e que tenhamos que seguir em frente, ignorando os fatos, certas de que a quantidade de melanina não dita nossa competência.

Êxito e responsabilidade

Tendo crescido em uma família de classe média, sem heranças a receber, o único caminho possível foi, e continua sendo, estudar. Meus pais me cercaram de livros e, graças ao grande afeto a estes objetos, pude aprimorar meu domínio da língua portuguesa e depois da língua inglesa. Além, claro, de viajar e conhecer diversas culturas sem me deslocar do sofá. Me preocupa, como professora, que cada vez mais os jovens leiam menos.

Entrei na docência como professora de Inglês, a convite de um curso livre do Rio de Janeiro, local onde estudei grande parte da minha vida, primeiro em escolas públicas, depois em uma universidade privada, a Universidade Santa Úrsula, que me deu condições de ingressar no mestrado no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e deste para o doutorado na Universidade de São Paulo (USP).

A Botânica me fascina desde a graduação, quando pude pela primeira vez conhecer as células e tecidos das plantas vistos ao microscópio. Minha orientadora de mestrado, a professora Léa Neves, foi quem me desafiou a estudar as galhas e este objeto de estudo me levou a procurar minha orientadora de doutorado, a professora Jane Kraus. Ainda no início do doutorado, fiz o concurso para professora assistente da UFMG, onde este ano completo 30 anos de carreira, nove dos quais como professora titular.

Ser professora titular do departamento de Botânica da UFMG e pesquisadora nível 1A do CNPq me trazem o sentimento de êxito e, como já disse, de responsabilidade. Venho pensando bastante sobre estes dois títulos. Uma coisa é ler os editais e ter os requisitos para subir de nível, mas o sentimento de que algo ou alguém pode impedir este avanço sempre nos acomete nos momentos de avaliação. Nós, professores pesquisadores, somos avaliados pelos nossos pares que muitas vezes, brinco, são ímpares.

Sem plantas não dá!

Imagem mostra duas folhas com protuberâncias, que são as galhas
Galhas são crescimentos anormais nas plantas provocados por insetos e outros seres que vivem parte de sua vida dentro das mesmas, obtendo alimento e proteção. De Sousa, V.; Couri, M.

A escalada enquanto pesquisadora se iniciou após a participação em um congresso sobre galhas e organismos galhadores na Serra do Cipó, MG, no qual compareceram pesquisadores de todo o mundo, envolvidos no estudo das interações inseto-planta. Os congressos científicos são momentos importantes de troca de informações, de aprendizado e de contatos com colegas que compartilham interesses em temas similares àqueles que estudamos. Voltei desse congresso na Serra do Cipó com o cérebro fervilhando de ideias, daí escrevi o projeto que foi aprovado e com o qual iniciei dentre os pesquisadores do CNPq, como nível PQ 2.

Chegar ao que pode ser considerado o topo da carreira envolveu muitos grandes encontros, muito trabalho, muitas horas de dedicação à arte de estudar as plantas, para mim um microcosmos observado com ajuda de microscópios. Este é meu foco: entender, à luz de diversos tipos de microscopia, como as células e os tecidos vegetais reagem a estímulos externos. Na maioria das vezes, estes estímulos se originam de animais, tais como os insetos galhadores, que levam as plantas a reagirem de forma tão marcante que novas estruturas estranhas ao corpo vegetal se formam: as galhas.

Por se tratar de pesquisa básica, não descobrirei a cura do câncer ou algo que seja diretamente afeito aos seres humanos. Porém, conhecer o potencial destes seres incríveis que são as plantas e das interações estabelecidas com insetos e, por vezes, com fungos, ácaros e nematódeos, é desafiador e me coloca frente a estratégias de desenvolvimento e ao potencial das plantas para seguirem nos ofertando o bem mais caro, ar puro. Tenho repetido como um slogan em diversas oportunidades: sem plantas não dá!

Duas fotos mostram em detalhes a cabeça e o tórax, com as asas do inseto nomeado em homenagem a Rosy Mary dos Santos Isaias
Cabeça e tórax do Palaeomystella rosaemariae, inseto galhador que recebeu seu nome em homenagem à professora Rosy Mary dos Santos Isaias. By Fernando A. Luz, Gislene L. Gonçalves, Gilson R. P. Moreira, Vitor O. Becker

As plantas propiciaram momentos marcantes da minha carreira, na forma de dezenas de convites para ser paraninfa, patronesse ou professora homenageada das turmas de formandos em Ciências Biológicas da UFMG. As galhas trouxeram a homenagem das homenagens para uma cientista, ter duas espécies de insetos galhadores com meu nome: a Palaeomystella rosaemariae Moreira & Becker e o Eriogalococcus isaias Hodgson & Magalhães. Recuperei estas memórias, dentre outras, quando da preparação de meu memorial para professora titular. Construí o memorial, tendo o olhar externo como foco e me questionando do que me leva a seguir adiante.

Vocês também podem!

Minha força motriz é a convivência com meus alunos. Meus espaços são a sala de aula e o laboratório, pela convivência diária com os alunos, momentos nos quais desafio e sou desafiada. Me considero uma professora que faz pesquisa. As ideias fluem, a troca de impressões e o compartilhamento de conhecimentos com os alunos e pesquisadores colaboradores são prazerosos e proveitosos. O resultado é o crescimento de todos rumo aos seus sonhos, com um detalhe: se não for para realizar as atividades de pesquisa com leveza e prazer, acredito que não vale a pena.

Atualmente, estou coordenando um projeto fronteiriço entre o ensino e a extensão, mas que também envolve a pesquisa. O projeto se intitula: “Construindo olhares botânicos” e funciona em uma parceria da UFMG com a Escola Estadual Getúlio Vargas e o Parque Estadual Serra Verde. Os integrantes deste projeto são pesquisadores, pós-graduandos, graduandos e principalmente estudantes secundaristas; todos envolvidos na perspectiva de produção do conhecimento e da construção do diálogo com a sociedade sobre a importância das plantas no nosso cotidiano e na manutenção da vida no planeta.

Ao longo da minha trajetória acadêmica, posso dizer que tive grandes encontros - com minhas orientadoras, com amigas e amigos que me impulsionaram a atuar na monitoria na graduação e na pós-graduação, a solicitar a primeira bolsa de produtividade em pesquisa ao CNPq: “você tem o perfil. Peça!”. Pedi, o projeto foi aprovado, outros projetos vieram, as publicações saem como consequência da necessidade de divulgação dos resultados, meu conhecimento e meu currículo crescem e crescem o conhecimento e os currículos de quem caminha ao meu lado.

Embora meu fenótipo cause estranheza em alguns espaços, não há muito o que eu possa fazer, além de buscar dormir melhor do que eu acordei, sempre na certeza de que só há sentido no crescimento pessoal. Espero que a grande divulgação de ser a primeira pesquisadora negra nível 1A do CNPq seja não somente um marco na minha carreira, mas também um exemplo a ser seguido pelas jovens que sonham com a ciência. A elas eu digo: não desistam; se eu cheguei até aqui, vocês também podem!

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