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A maioria branca na Câmara dos Deputados: disparidades na distribuição de recursos eleitorais, apropriação da agenda racial por partidos de direita e ascensão do neopentecostalismo estão entre as possíveis causas para a dificuldade de crescimento da representatividade preta no Congresso. AP Photo/Eraldo Peres

Redução de homens negros na Câmara dos Deputados perpetua histórico de exclusão na política brasileira

Embora 56,1% da população brasileira se autodeclare parda ou preta, segundo dados do IBGE, a representatividade desse grupo na política é sabidamente menor.

Em 2022, de um total de 513 vagas para deputados federais no Congresso Nacional, o Brasil que foi às urnas elegeu 135 negros e pardos.

Um fato inédito foi o aumento significativo de mulheres negras eleitas para a Câmara dos Deputados, que passou de 13 para 29. Mas o número de homens negros ou pardos recuou de 111 para 106 no mesmo período.

Essa redução na representatividade política dos homens negros pode ser explicada de algumas formas. Uma delas é a própria dificuldade dos candidatos negros de acessarem recursos para suas campanhas eleitorais e, consequentemente, se elegerem.

Nos processos eleitorais de 2014 e 2018, a disparidade na distribuição de recursos de campanha para candidatos homens negros em comparação com outros grupos já alertava para esse fenômeno preocupante, que levanta questões sobre exclusão e racismo estrutural no cenário político brasileiro.

A constatação de que, entre os candidatos competitivos, os homens negros receberam apenas 16% dos recursos de todos os tipos de doação de campanha, mesmo representando 21% dos candidatos a deputado federal, aponta para a confirmação de desigualdades estruturais. Paralelo a esse fenômeno, é possível constatar uma redução na representatividade de parlamentares negros sobretudo entre partidos de esquerda. Por que isso se dá?

De acordo com os números do TSE, nas eleições de 2022 a direita venceu de goleada no número de eleitos autodeclarados pretos ou pardos versus os candidatos autodeclarados pretos ou pardos dos partidos da esquerda. O placar foi de 77 a 31. Dos 135 eleitos, a direita elegeu mais da metade. Foram 25 pelo PL, 20 pelo Republicanos, 17 pelo União Brasil e 15 pelo PP.

Nos partidos da esquerda, o PT elegeu 16 deputados negros. Pelo PDT foram seis, PC do B quatro, PSB e PV dois cada e a Rede elegeu um. Um total de 31 deputados eleitos. Somados, os partidos do Centrão (MDB, PSD, Podemos, Avante e Pros) elegeram 27 deputados.

Um histórico à direita

Mesmo que pareça estranho, a relação do debate racial e a Direita no Brasil é antiga e fundamentada no processo histórico político. Desde o fim do império até 1946, diversas organizações negras passam a integrar esse espectro político. Muitas delas oriundas da massificação da propaganda messiânica ocorrido em consonância com o chamado Isabelismo, movimento de culto à Princesa Isabel (e consequentemente à monarquia) que mobilizou muitos ex-escravizados logo após a nossa tardia abolição.

Tratava-se de uma visão distorcida da realidade, visto que já no Império existia uma política de importação de mão de obra imigrante europeia e assalariada. Relegando assim a força de trabalho nacional (em sua maioria ex-escravizados) ao desemprego e à economia informal.

Mas nessa contradição do racismo, a movimentação das organizações negras aos poucos procurou se consolidar como parte da sociedade brasileira. Opondo-se, por exemplo, aos ideais liberais que apregoavam - sobretudo entre 1870 e 1930 - o conceito de eugenia como ferramenta de “clareamento” da população nacional.

Somam-se a essa complexidade a chegada dos imigrantes europeus a partir de meados do século XIX, período onde se registra a origem da difusão das organizações sindicais e das ligas operárias. Ao longo das décadas seguintes, o debate racial foi se desenvolvendo lentamente, tendo como momento mais notório o surgimento do Movimento Negro Unificado, no início dos anos 70.

Os impactos dessa relação tardia se reverberam na ocupação dos espaços de poder e nos partidos hoje. Além dos números mais recentes da Câmara, evidenciados acima, vale lembrar também o quadro no Senado: após a saída do hoje Ministro do STF Flávio Dino, dos quatro senadores negros ou pardos, três são da direita.

Impacto evangélico

Nos últimos anos, com a ascensão do pensamento conservador nas famílias brasileiras, há uma presença significativa de pessoas negras nas igrejas neopentecostais. Atualmente entre os Cristãos, cerca de 59% são evangélicos. Este número corresponde a 31% da população brasileira.

Isso faz com que esse segmento se fortaleça, e é aí que a direita passa a viabilizar a ascensão de pessoas negras e de pensamento ultraconservador na política, como Fernando Holiday, Sérgio Camargo, Paulo Cruz, Hélio Bolsonaro e Guto Zacarias. Figuras que, uma vez eleitos, trabalham para reforçar uma falsa narrativa de que no Brasil existe algo chamado “democracia racial”.

A insistente desumanização dos homens negros, por parte de uma minoria dominante de brancos, evidenciada em estigmas, discriminações e violências, teve um impacto negativo na formação dos quadros raciais dos partidos de esquerda.

A prática do apagamento dos corpos dos homens negros, que ocorre em todas as estruturas da sociedade, acontece na política partidária também.

Exigir o investimento das verbas eleitorais nos homens negros, sem negligenciar o direito das mulheres negras, é um imperativo que a representação da população negra brasileira não pode abrir mão.

A realidade cotidiana cruel, que se manifesta em dados alarmantes de violência urbana, somadas à imposição de uma educação de qualidade inferior nas escolas públicas, acaba gerando um ciclo criminoso que prejudica, diretamente, os homens negros em todos os setores da sociedade e principalmente nos partidos políticos. De todos os matizes ideológicos.

O baixo investimento financeiro dos partidos de esquerda na representação política dos homens negros em todos os municípios do Brasil precisa ser denunciado. Além da exigência de mudanças públicas e compromissadas dos dirigentes dos partidos de esquerda em cada município.

Hoje, milhares de meninos negros não têm em quem se espelhar ou ter como referência no espectro masculino. A ausência de homens negros em cargos de poder reforça a ideia de que eles não pertencem a esses espaços, dificultando a quebra desse ciclo perverso.

Os homens negros exigem seus espaços, sem diminuir o espaço da mulher negra. A representatividade política dos homens negros é crucial não apenas para desafiar estereótipos e preconceitos, mas também para garantir que suas vozes sejam ouvidas junto com as vozes das mulheres negras, e que suas comunidades sejam adequadamente representadas.

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