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Decisão do TCU fez com que o SUS perdesse R$20 bilhões este ano: segue em curso um processo de desfinanciamento da saúde pública brasileira. AP Photo/Renata Brito

SUS: uma história de insuficiência de recursos que se repete mais uma vez

Em 23 de novembro passado, os mais importantes jornais do país informavam que o Tribunal de Contas da União havia autorizado, por unanimidade, que o poder executivo somente teria que respeitar o piso mínimo constitucional a ser aplicado à saúde pública, o correspondente a 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), em 2024. Isso leva a que o SUS perca R$ 20 bilhões, a que se somam as perdas ocorridas desde 2018: é o chamado desfinanciamento da Saúde.

A decisão do TCU foi resultado de consulta feita pela área técnica do Ministério da Fazenda e teve o apoio do Ministério Público. Ela concede um certo alívio ao governo que, para atingir a meta para 2023, valeu-se do contingenciamento de gastos em diversas áreas. Caso tivesse que alocar mais R$ 20 bilhões para a Saúde, isso resultaria em ampliação desse contingenciamento. Dessa forma, ao contrário do que era esperado pelos setores comprometidos com a saúde pública, no primeiro ano do terceiro governo Lula, depois de superado o Teto de Gastos e de ter sido desenhada nova regra fiscal, a situação financeira do SUS não se alterou de forma substancial.

Este ano se completam 35 anos da Constituição de 1988 e 33 anos da Lei 8.080, de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, isto é, que dispõe sobre o SUS. Durante todo esse tempo, sem desconsiderar avanços ocorridos, sua história foi de insuficiência de recursos, o que impede ou dificulta o pleno cumprimento de seu objetivo de prover ações e serviços adequados de saúde a todos.

SUS, de subfinanciamento a desfinanciamento

Esse longo período pode ser divido em dois. O primeiro vai até 2017 e tem como marca o subfinanciamento do SUS; no segundo, de 2018 em diante, o subfinanciamento transformou-se em desfinanciamento. Antes de vigorar o Teto de Gastos, o gasto público com saúde correspondia a 3,9% do PIB, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi de 6,5% do PIB e, entre os países com sistema similar ao nosso, 8%. No mesmo ano, o setor público foi responsável por 43% dos gastos totais em saúde, frente à 73,6% na média dos países da OCDE.

Em 2016, foi aprovada a Emenda Constitucional 95 (EC 95), que instituiu o Teto de Gastos. Como fruto de negociação para aprovação da nova legislação, a saúde não teve seus recursos congelados no primeiro ano de sua vigência. No lugar, foi considerado como piso 15% da receita corrente líquida (RCL), de modo que, em tese, houve aumento de recursos em relação a 2016.

Mas, a partir de 2018, começou a valer o congelamento inclusive para a saúde: tanto o piso como o valor efetivamente aplicados em ações e serviços de saúde registraram queda, tanto em termos reais per capita como proporção da RCL. O subfinanciamento (fruto de recursos insuficientes) havia se transformado em desfinanciamento (redução dos recursos). A saúde pública perdeu R$ 17,6 bilhões de recursos no acumulado de 2018 e 2019. Já no acumulado 2018 a 2022, a perda foi de R$ 70 bilhões.

Mudam-se as leis, segue a escassez de recursos

A reforma fiscal aprovada pelo governo Lula, que tomou o lugar da EC 95, substitui o congelamento por pequeno grau de flexibilidade na evolução das despesas totais (nunca inferior a 0,6% ao ano e nunca superior a 2,5% ao ano). Assim, como a saúde e a educação têm pisos garantidos e esses estão vinculados a receitas, restringe-se a margem de manobra para que haja ampliação das despesas em outras áreas. Em outras palavras, se o cobertor é curto e parte dele tem “dono”, sobra pouco para outras áreas.

Não por acaso, aumenta o número daqueles que consideram que essas vinculações devam ser revisadas e que o governo atribua à reforma tributária a possibilidade de amenizar esse conflito, dado que espera aumento da arrecadação a partir de sua aplicação, com destaque para o efeito positivo da simplificação tributária na atividade econômica.

Mas, para que ocorra a disponibilização de recursos adequados e condizentes com a universalidade a que se propõe o SUS, é preocupante que a nova regra fiscal continue a ter como parâmetro maior, tal como a EC 95, o equilíbrio das contas públicas. Nessas circunstâncias ou frente a esse “arcabouço”, o financiamento do SUS encontra-se longe de estar garantido.

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