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Sala de espera do setor de quimioterapia de um grande hospital brasileiro: mudanças previstas em lei, quando implantadas, reduzem o tempo de espera médio para cirurgias oncológicas de 68 para 57 dias, e também aumentam a quantidade de cirurgias. Karime Xavier/Folhapress

Transparência e monitoramento reduzem filas para tratar câncer pelo SUS. Mas ainda em muito poucos lugares

O artigo a seguir aborda um dos assuntos discutidos durante o 14º Fórum Nacional Oncoguia, que se dedicou à análise das barreiras que limitam o acesso dos pacientes ao diagnóstico e à assistência oncológica em nosso país. Em maio deste ano, o evento reuniu em São Paulo profissionais da saúde, ativistas, pacientes e representantes de órgãos e entidades de destaque relacionadas ao câncer para discutir o cuidado oncológico no Brasil e no mundo. A iniciativa foi promovida pelo Instituto Oncoguia, instituição focada no suporte e defesa dos direitos de pacientes oncológicos.


O relato de João da Silva, 52 anos, paciente que compartilhou sua história no 14º Fórum Nacional Oncoguia, é um exemplo do que ocorre com muitas pessoas que buscam diagnóstico e tratamento oncológico no SUS.

Em agosto de 2023, João procurou uma Unidade Básica de Saúde para avaliar uma tosse persistente, rouquidão e dificuldade para engolir.

Quatro meses depois, após ser submetido a uma biópsia em dezembro, ele recebeu o diagnóstico de câncer de faringe. Durante o processo, um nódulo no pulmão também foi identificado, mas não foram realizados exames para conhecer as suas características, o que é muito importante para a definição do tratamento mais adequado.

Enquanto ele esperava por esses exames, a saúde piorou. Em fevereiro de 2024, teve uma hemorragia e foi internado em uma Unidade de Terapia Intensiva. Uma metástase pulmonar foi encontrada nesse período.

João faleceu em abril de 2024 sem nunca ter recebido tratamento adequado. Ele é um entre muitos pacientes que não conseguem o atendimento necessário.

Apesar de o país ter leis promissoras, a situação permanece crítica. Entre essas leis está a nº 12.732/2012, conhecida como a Lei dos 60 Dias, que determina o início do tratamento oncológico pelo SUS em até 60 dias a partir da data do exame diagnóstico. Está também a Lei nº 13.896/2019, que exige, a partir da suspeita, a realização de exames para detecção de câncer no prazo máximo de 30 dias.

Dados do Instituto Oncoguia mostram que 45% dos pacientes têm a Lei dos 60 Dias descumprida, evidenciando a ineficácia da implementação dessas legislações.

Quem é o dono da fila?

O drama de João se repete por todo o país e exige ações eficazes e imediatas para garantir que os pacientes recebam o atendimento necessário em tempo hábil e de preferência, para um câncer ainda em estágios precoces.

A falta de integração entre os sistemas de saúde municipais e estaduais, a insuficiência de recursos e a má gestão das vagas disponíveis contribuem para essa crise. Além disso, em alguns casos, os pacientes conseguem atendimento por meio de contatos pessoais e “furam a fila”, o que igualmente fere o princípio da equidade no SUS.

Mais aspectos influenciam a gestão das filas. Muitos hospitais, por exemplo, possuem seus próprios ambulatórios e utilizam uma parte das vagas disponíveis para atender pacientes internos. Em São Paulo, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) destina 280 das suas 600 vagas mensais ao Hospital das Clínicas, deixando pouco mais da metade para serem distribuídas pelo sistema de regulação estadual.

A falta de um sistema único de regulação agrava o problema. A maioria dos municípios tem sistemas próprios que não se integram ao sistema estadual. O mesmo acontece com os hospitais federais. Em meio a essa falta de ação conjunta, são comuns os casos de solicitações duplicadas, em que o indivíduo espera vaga no Rio ou São Paulo, para ver de onde o chamado para se tratar vem mais rápido. Há também um alto índice de absenteísmo e perda de vagas por falta de comunicação adequada entre os pacientes e os serviços de saúde.

No início de maio, toda essa situação foi debatida em um painel realizado durante o 14º Fórum Nacional do Instituto Oncoguia, em São Paulo.

Entre as propostas apresentadas, destaca-se a necessidade de informar e educar população sobre os seus direitos, especialmente sobre as leis vigentes para garantir o acesso, e sobre como navegar pelo sistema de saúde.

Os pacientes e seus familiares precisam saber que têm direito à informações claras sobre sua posição na fila e o andamento de seu caso. O desafio aqui é que muitas vezes o paciente não sabe nem a quem perguntar ou aonde recorrer, restando sempre a dúvida: mas, afinal, quem é o dono da fila?

A integração dos sistemas municipais e estaduais de gestão de filas é mais uma ação importante para garantir a otimização dos recursos disponíveis e uma comunicação eficiente.

A criação de uma política nacional de alta suspeição também pode ajudar a identificar mais rapidamente os casos suspeitos de câncer, acelerando o diagnóstico e o início do tratamento.

Além disso, garantir que as leis existentes sejam colocadas em prática e que seu descumprimento seja penalizado é uma prioridade!

No estado de São Paulo, a lei que estabelece a transparência das filas do SUS (Lei nº 17.745) foi aprovada no início de setembro de 2023 e entrou em vigor em 10 de janeiro deste ano, quando o Estado de São Paulo deveria iniciar a publicização das filas.

A regra determina que a rede pública estadual divulgue a ordem de espera de pacientes para realização de procedimentos pelo SUS. Isso abrange todo procedimento ofertado via Central de Regulação de Oferta de Serviço de Saúde (CROSS) na cidade de São Paulo, assim como nas unidades SUS do estado.

Os dados devem estar disponíveis online e poderão ser consultados presencialmente nas unidades de saúde da rede. Apesar da urgência do problema, seis meses depois, no entanto, nada disso ocorreu ainda.

O exemplo de Santa Catarina

Medidas adotadas em Santa Catarina mostram que é possível mudar essa realidade. Lá, a Secretária Estadual de Saúde, a enfermeira e ex-deputada Carmen Zanotto (autora das leis dos 60 e dos 30 dias), implantou um sistema de gestão das filas com transparência que permite o acompanhamento em tempo real dos casos oncológicos.

Quando assumiu o cargo em janeiro de 2023, Zanotto encontrou um cenário preocupante, com mais de 105 mil pacientes aguardando cirurgias eletivas, muitos deles oncológicos.

A primeira ação foi separar as cirurgias oncológicas das demais e tratá-las como tempo-sensível. Significa que, embora algumas cirurgias não precisem ser feitas imediatamente, não podem ficar esquecidas nas filas. Foi criado também um painel de monitoramento disponível on-line para qualquer cidadão verificar seu status na fila. Está no site da Secretaria Estadual de Saúde.

Como funciona esse sistema? Ele coleta dados de várias fontes, como registros de hospitais, clínicas e unidades de saúde, e os consolida em um único painel de controle. Os dados são atualizados continuamente, permitindo que gestores e profissionais de saúde vejam informações em tempo real sobre o status de cada paciente, o tempo de espera e a capacidade de atendimento de cada unidade.

Com as mudanças, o tempo de espera médio para cirurgias oncológicas foi reduzido de 68 dias em 2022 para 57 dias em 2023. A quantidade de cirurgias oncológicas também aumentou. Em 2022, foram realizadas 9.088 cirurgias oncológicas no Estado, número que aumentou para 10.991 em 2023.

O monitoramento em tempo real permite mapear diversos tipos de gargalos na navegação do paciente. Pode-se identificar rapidamente, por exemplo, quem mais precisa de atendimento, agilizando o início do tratamento.

As informações atualizadas facilitam a alocação de recursos com mais eficiência, redistribuindo profissionais de saúde, equipamentos e outras infraestruturas para onde a demanda é mais urgente.

A experiência de Santa Catarina destaca o valor da transparência na gestão. Um dos seus méritos é promover a equidade, fazendo com que os pacientes tenham acesso igualitário ao tratamento, sem favorecimentos ou “atalhos” para aqueles com mais influência ou recursos.

Tudo isso aumenta a confiança no sistema. Mas, para que de fato o monitoramento e a transparência se viabilizem, é preciso haver investimento e, principalmente, vontade política. Quando e onde isso existe, mudanças positivas estão em curso e já transformam a vida dos pacientes.

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