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Reprodução da imagem de um fóssil de actinopterígio: ainda não entendemos muito sobre os primórdios da história evolutiva desse grupo, que se deu entre 400 e 280 milhões de anos atrás. Reprodução

Fósseis encontrados no Brasil revelam raros detalhes da anatomia interna de peixes de 290 milhões de anos

Quando pensamos em fósseis ou em paleontologia, nosso imaginário tende a imagens de ossos, dentes, conchas ou até esqueletos completos. Raramente imaginamos fósseis contendo alguma evidência de tecidos moles como pele, órgãos internos, olhos, ou músculos. Felizmente, o registro fossilífero é vasto e, em casos excepcionais, encontramos fósseis que preservam mais do que o senso comum diria ser possível em restos de animais de milhões de anos atrás.

Minha pesquisa de doutorado nos últimos cinco anos tem buscado entender como a preservação de tecidos moles em peixes pode nos ajudar a entender melhor a história evolutiva desse grupo. Peixes de nadadeiras raiadas, ou actinopterígios, são o grupo mais diverso de vertebrados nos dias atuais, com mais de 35 mil espécies vivendo em basicamente todos os ambientes aquáticos conhecidos.

Mesmo com toda essa diversidade e com um registro fossilífero igualmente vasto, ainda não entendemos muito sobre os primórdios da história evolutiva desse grupo entre 400 e 280 milhões de anos atrás. Será que tecidos moles em fósseis dessa idade podem ajudar a entender questões evolutivas ainda sem resposta? Os resultados do meu trabalho indicam que sim.

Os segredos dos peixes do sul do Brasil

Fósseis de peixes de Mafra, em Santa Catarina, já eram conhecidos há muitas décadas em camadas de rocha batizadas de Folhelho Lontras, mas somente analisando sua morfologia externa, pesquisadores não foram capazes de dizer muito sobre onde na árvore evolutiva dos actinopterígios eles se encaixavam.

Por meio de micro-tomografia computadorizada (micro-CT), pude extrair mais informações sobre a anatomia interna desses fósseis, e, para a minha surpresa, todos mostravam algum grau de preservação de tecidos moles.

A maioria dos fósseis de Mafra que analisei preservam detalhes do cérebro e dos nervos cranianos, mas alguns preservam ainda mais detalhes de outros órgãos, como olhos, músculos, partes do coração e vasos sanguíneos da cabeça, além de filamentos das brânquias. Somados, esses fósseis se tornam um achado sem precedentes para o estudo dos actinopterígios.

Tecidos moles e a paleontologia

Boa parte do conhecimento paleontológico é derivado de evidências das partes duras de organismos, como ossos, dentes, escamas e conchas, que além de preservarem relativamente bem por milhões de anos, também podem ser diretamente comparados a espécies viventes.

Porém, nem sempre essas partes duras são suficientes para entender a evolução das espécies. Em alguns casos, evidências excepcionais de tecidos moles em fósseis informam sobre características morfológicas que nos ajudam a diferenciar ou correlacionar fósseis a organismos dos dias atuais. Além disso, tecidos moles têm o potencial de informar detalhes importantes sobre a vida e metabolismo desses organismos extintos há milhões de anos.

Reescrevendo a evolução do cérebro dos actinopterígios

O cérebro é o tecido que melhor se preservou nos fósseis de Mafra e por isso se tornaram o foco do meu estudo. Depois de comparar todas as oito amostras que analisei, pude separá-las em duas espécies distintas. As diferenças entre os ossos cranianos dessas espécies indicam que uma delas é mais próxima a fósseis mais novos, enquanto a outra se assemelha bastante a outras espécies de mesma idade ou mais antigas.

O cérebro dessas duas espécies também é diferente. Em uma delas encontramos o que chamamos de telencéfalo evaginado, uma característica encontrada em outros grupos de vertebrados e em um fóssil mais antigo de cérebro de actinopterígio que descrevemos ano passado. A outra espécie, por outro lado, mostra um telencéfalo evertido, característica que até então só era conhecida em actinopterígios dos dias atuais.

Somando essa variação da forma do telencéfalo com outras diferenças entre esses cérebros fossilizados e comparando com dados tomográficos de espécies viventes, podemos entender melhor a complexa história evolutiva do cérebro desse grupo tão diverso.

Esses cérebros fósseis possuem um mosaico de características encontradas em diversas linhagens e, portanto, indicam que somente analisando espécies viventes jamais poderíamos entender os primórdios da história evolutiva do grupo.

Outros tecidos moles encontrados nesses fósseis também estão muito bem preservados, em especial os tecidos dos olhos, onde em alguns espécimes podemos ver detalhes das lentes, esclera, retina e até a musculatura associada ao movimento dos olhos.

Infelizmente, esses outros tecidos ainda não são suficientes para nos informar melhor sobre a sua evolução, mas com a descoberta de mais fósseis excepcionais como os de Mafra e uma amostragem mais abrangente de espécies viventes, aos poucos seremos capazes de entender como se deu a diversificação dos peixes actinopterígios há mais de 290 milhões de anos atrás.

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