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O livro “Tubarão”, de 1974, e o filme subsequente de Steven Spielberg, em 1975, cativaram a atenção do público, mas também despertaram o interesse dos cientistas. Reprodução, CC BY

Há 50 anos, ‘Tubarão’ retratou os animais como monstros, mas também inspirou gerações de pesquisadores

O medo de tubarões tem raízes profundas nos seres humanos. Trabalhos escritos e artes do mundo antigo contêm referências a tubarões atacando marinheiros já no século VIII AEC.

De volta à terra firme, as histórias sobre encontros com tubarões foram embelezadas e ampliadas. Junto ao fato de que de tempos em tempos - muito raramente - os tubarões mordem seres humanos, as pessoas foram preparadas durante séculos para imaginar situações aterrorizantes no mar.

Em 1974, o romance best-seller de Peter Benchley, “Jaws” (“Tubarão”), transformou esse medo em um incêndio que se espalhou pelo mundo. O livro vendeu mais de 5 milhões de cópias nos EUA em um ano, e foi rapidamente seguido pelo filme de 1975 de Steven Spielberg, que se tornou o filme de maior bilheteria da história na época. Praticamente todo o público adotou a ideia, retratada vividamente no filme e em suas sequências, de que os tubarões eram criaturas malévolas e vingativas que rondavam as águas costeiras para se alimentar de banhistas desavisados.

Mas “Tubarão” também gerou um interesse generalizado em entender melhor estes animais.

Anteriormente, a pesquisa sobre tubarões era, em grande parte, o domínio esotérico de um punhado de especialistas acadêmicos. Graças ao interesse despertado por “Tubarão”, agora sabemos que há muito mais tipos de tubarões do que os cientistas conheciam em 1974, e que os tubarões fazem coisas mais interessantes do que os pesquisadores jamais imaginaram. O próprio Benchley tornou-se um ávido porta-voz da proteção dos tubarões e da conservação marinha.

Em minha própria carreira de 30 anos estudando tubarões e seus parentes próximos, as raias, vi as atitudes evoluírem e o interesse em entender os tubarões se expandir enormemente. Veja como as coisas mudaram.

Um homem está de pé na proa de um barco, estendendo uma vara na água em direção a uma grande forma escura.
O biólogo marinho Greg Skomal, da Divisão de Pesca Marinha de Massachusetts, captura imagens de vídeo de um tubarão branco ao largo de Cape Cod, em 21 de outubro de 2022. Joseph Prezioso/AFP via Getty Images

Nadando para o sucesso

Antes de meados da década de 1970, muito do que se sabia sobre os tubarões vinha de pessoas que iam ao mar. Em 1958, a Marinha dos Estados Unidos criou o International Shark Attack File - o único banco de dados abrangente e cientificamente documentado de todos os ataques de tubarão conhecidos - para reduzir os riscos em tempo de guerra para os marinheiros que ficavam presos no mar quando seus navios afundavam.

Atualmente, o arquivo é gerenciado pelo Museu de História Natural da Flórida e pela American Elasmobranch Society, uma organização profissional para pesquisadores de tubarões. Ela trabalha para informar o público sobre as interações entre tubarões e seres humanos, e sobre formas de reduzir o risco de ataques de tubarão.

Em 1962, Jack Casey, um pioneiro da pesquisa moderna de tubarões, iniciou o Cooperative Shark Tagging Program. Essa iniciativa, que continua em vigor até hoje, dependia dos pescadores comerciais do Atlântico para relatar e devolver os identificadores que encontravam nos tubarões, para que os cientistas do governo pudessem calcular a distância que os tubarões haviam percorrido depois de serem marcados.

Depois de “Tubarão”, a pesquisa de tubarões rapidamente se tornou popular. A American Elasmobranch Society foi fundada em 1982. Estudantes de pós-graduação se alinharam para estudar o comportamento dos tubarões, e o número de estudos publicados sobre tubarões aumentou acentuadamente.

A pesquisa de campo sobre tubarões expandiu-se paralelamente ao crescente interesse por esportes radicais ao ar livre, como surfe, parasailing e mergulho. As etiquetas eletrônicas permitiram que os pesquisadores monitorassem os movimentos dos tubarões em tempo real. As tecnologias de sequenciamento de DNA proporcionaram maneiras econômicas de determinar como as diferentes espécies estavam relacionadas umas às outras, o que estavam comendo e como as populações estavam estruturadas.

Esse interesse também tinha um lado sensacionalista, incorporado no lançamento da Shark Week pelo Discovery Channel em 1988. Esse bloco anual de programação, aparentemente projetado para educar o público sobre a biologia dos tubarões e combater a publicidade negativa sobre os tubarões, foi um empreendimento comercial que explorou a tensão entre o medo arraigado das pessoas em relação aos tubarões e seu desejo de entender o que faz esses animais funcionarem.

A Shark Week apresentava histórias feitas para a TV que se concentravam em projetos de pesquisa científica fictícios. Foi um grande sucesso e continua sendo até hoje, apesar das críticas de alguns pesquisadores que a consideram uma importante fonte de desinformação sobre tubarões e a ciência dos tubarões.

Insights físicos, sociais e genéticos

Ao contrário da noção de longa data de que os tubarões são assassinos irracionais, eles apresentam uma ampla gama de características e comportamentos. Por exemplo, o tubarão lanterna de barriga de veludo se comunica por meio de flashes de luz de órgãos nas laterais do corpo. As fêmeas do tubarão-martelo podem clonar réplicas perfeitas de si mesmas sem o esperma masculino.

Os tubarões têm os detectores elétricos mais sensíveis descobertos até agora no mundo natural - redes de poros e nervos em suas cabeças, conhecidas como ampolas de Lorenzini, em homenagem ao cientista italiano Stefano Lorenzini, que descreveu essas características pela primeira vez no século XVII. Os tubarões usam essas redes para navegar no oceano aberto, seguindo o campo magnético da Terra para orientação.

Três mergulhadores nadam acima de um grande tubarão-baleia.
Mergulhadores nadam acima de um tubarão-baleia perto das Maldivas, no Oceano Índico. O maior peixe do mar, o tubarão-baleia é um filtrador que se alimenta de plâncton. Tchami/Flickr, CC BY-SA

Outra descoberta intrigante é que algumas espécies de tubarão, incluindo os tubarões-mako e os tubarões-azuis, segregam tanto por sexo quanto por tamanho. Entre essas espécies, grupos de machos e fêmeas de tamanhos diferentes são frequentemente encontrados em grupos distintos. Essa descoberta sugere que alguns tubarões podem ter hierarquias sociais, como as observadas em alguns primatas e mamíferos com cascos.

Os estudos genéticos ajudaram os pesquisadores a explorar questões como por que alguns tubarões têm cabeças em forma de martelos ou pás. Eles também mostram que os tubarões têm a menor taxa de mutação de qualquer animal vertebrado. Isso é notável porque as mutações são a matéria-prima para a evolução: Quanto maior a taxa de mutação, melhor uma espécie pode se adaptar às mudanças ambientais.

Entretanto, os tubarões existem há 400 milhões de anos e passaram por algumas das mudanças ambientais mais extremas da Terra. Ainda não se sabe como eles persistiram com tanto sucesso com uma taxa de mutação tão baixa.

Gavin Naylor, diretor do Florida Program for Shark Research, descreve como a análise de DNA fornece informações sobre a ciência dos tubarões.

Espécies de destaque

Os tubarões brancos, a espécie focal de “Tubarão”, atraem enorme interesse do público, embora muito sobre eles ainda seja desconhecido. Eles podem viver até os 70 anos de idade e nadam rotineiramente milhares de quilômetros todos os anos. Os tubarões brancos do Atlântico Norte Ocidental tendem a se deslocar no sentido norte-sul, entre o Canadá e o Golfo do México; os tubarões brancos da Costa Oeste dos EUA se deslocam no sentido leste-oeste, entre a Califórnia e o Pacífico Central.

Sabemos agora que os tubarões brancos juvenis se alimentam quase que exclusivamente de peixes e arraias e não começam a incorporar focas e outros mamíferos marinhos em suas dietas até que sejam o equivalente a adolescentes, e atinjam cerca de 3 metros de comprimento. A maioria das mordidas de tubarão branco confirmadas em humanos parece ser de animais com comprimento entre 12 e 15 pés (3,66 a 4,57 metros). Isso corrobora a teoria de que quase todas as mordidas de tubarões brancos em humanos são casos de identidade equivocada, em que os humanos se assemelham às focas que os tubarões atacam.

Ainda na água

Embora “Tubarão” tenha tido um impacto cultural generalizado, ele não impediu que surfistas e banhistas aproveitassem o oceano.

Os dados do International Shark Attack File (Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões) sobre mordidas não provocadas confirmadas por tubarões brancos, desde a década de 1960 até os dias atuais, mostram um aumento contínuo, embora o número de incidentes anuais seja bastante baixo. Esse padrão é consistente com o número crescente de pessoas que realiza atividades recreativas no litoral.

Em todo o mundo, foram registradas 363 mordidas confirmadas e não provocadas por tubarões brancos desde 1960. Dessas, 73 foram fatais. A Organização Mundial da Saúde estima que ocorram 236.000 mortes anuais por afogamento, o que significa cerca de 15 milhões de mortes por afogamento no mesmo período.

Em outras palavras, a probabilidade de as pessoas se afogarem é cerca de 200 mil vezes maior do que a de morrerem por uma mordida de tubarão branco. De fato, é mais provável que os surfistas morram em um acidente de carro a caminho da praia do que sejam mordidos por um tubarão.

This article was originally published in English

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