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Model of a human brain lit by pink and blue light
Are there innate differences between female and male brains? SebastianKaulitzki/Science Photo Library via Getty Images

100 anos depois, Ciência não vê diferença entre homens e mulheres

Caçar diferenças entre os cérebros da mulher e do homem tem ocupado a ciência desde pelo menos o século XIX, quando o físico americano Samuel George Morton (1799-1851) utilizou chumbo para medir o volume de crânios humanos.

O francês Gustave Le Bon (1841-1931) descobriu que o cérebro dos homens é geralmente maior do que o das mulheres, o que levou o filósofo escocês Alexander Bains (1818-1903) e o biólogo canadense George Romanes (1848-1894) a argumentarem que o tamanho maior torna os homens mais inteligentes. Mas o inglês John Stuart Mill (1806–1873) observou que, por esse critério, os elefantes e as baleias deveriam ser mais inteligentes do que as pessoas.

Logo, o foco passou a ser o tamanho relativo das regiões do cérebro. Os frenologistas sugeriram que a parte acima dos olhos, chamada de lobo frontal, é mais importante para a inteligência e é proporcionalmente maior nos homens, enquanto o lobo parietal, atrás do lobo frontal, é proporcionalmente maior nas mulheres. Posteriormente, os neuroanatomistas argumentaram o contrário, que o lobo parietal seria mais importante para a inteligência e que o dos homens é maior.

Nos séculos XX e XXI, os cientistas procuraram características distintivamente femininas ou masculinas em subdivisões menores do cérebro. Como neurobiólogo comportamental e pesquisador, considero a busca toda equivocada. É que os cérebros humanos são todos variados.

Diferenças anatômicas do cérebro

A maior e mais consistente diferença por sexo no cérebro foi encontrada no hipotálamo, uma pequena estrutura que regula a fisiologia e o comportamento reprodutivo. Pelo menos uma subdivisão hipotalâmica é maior em roedores machos e homens. Mas o objetivo de muitos pesquisadores era identificar causas cerebrais de supostas diferenças no pensamento –não apenas na fisiologia reprodutiva. Os estudos se concentraram então na região do córtex, responsável pela inteligência.

Ali, o que mais atraiu pesquisas sobre diferenças tanto raciais como sexuais foi o corpus callosum (corpo caloso), uma faixa espessa de fibras nervosas que faz a ponte entre os dois hemisférios do cérebro. Nos séculos XX e XXI, alguns cientistas mostraram que o corpo caloso inteiro é proporcionalmente maior na mulher, enquanto outros apontaram que apenas algumas partes são maiores. Essa característica chamou a atenção do público e foi sugerida como a causa de diferenças cognitivas (nas capacidades) entre homens e mulheres.

Mas os cérebros menores têm um corpo caloso proporcionalmente maior, independentemente do sexo do proprietário, o que torna inconsistente classificar o tamanho dessa estrutura por sexo. A história é semelhante para outras medidas cerebrais, razão pela qual não tem sido muito frutífera a tentativa de explicar supostas diferenças cognitivas entre os sexos por meio da anatomia cerebral.

Características femininas e masculinas se cruzam

O gráfico mostra como também coincidem medidas que geralmente divergem entre os sexos, por exemplo, a altura
O gráfico mostra como também coincidem medidas que geralmente divergem entre os sexos, por exemplo, a altura. Ari Berkowitz, CC BY

Mesmo quando uma região do cérebro apresenta uma média na diferença de sexo, geralmente há uma repetição considerável nas medidas caracterizadas como masculina e feminina. Isto significa que não é possível prever o sexo da pessoa se o parâmetro de comparação nem sempre diverge em ambos casos.

Pense na altura, por exemplo. Eu tenho 1,80 m de altura. A partir desse dado você já sabe que eu sou homem? Talvez você conheça mais homens altos, mas mulheres que medem 1,80 m existem, então não é um indicador exatamente masculino ainda que haja uma eventual tendência. No caso do cérebro, as regiões que normalmente apresentam diferenças por sexo também apresentam ainda mais chances de ser iguais.

A equipe da neurocientista Daphna Joel examinou ressonâncias magnéticas de mais de 1.400 cérebros humanos, registrando as 10 regiões com maiores promédios diferentes por sexo. O estudo avaliou o quanto cada medida em cada pessoa era provável de ser feminina, masculina ou igual. O espectro de dados que ilustra as extremidades opostas e a possibilidade intermediária mostrou que apenas 3% a 6% das pessoas eram consistentemente “femininas” ou “masculinas” em todas as estruturas. Todos os outros eram um mosaico.

Os fatores hormonais

Mas quando ocorrem diferenças sexuais no cérebro, qual é a causa?

Um estudo de 1959 demonstrou pela primeira vez que uma injeção de testosterona em uma roedora prenha provocava comportamentos masculinos na prole feminina mais adiante, na idade adulta. Os autores deduziram que a testosterona pré-natal (normalmente secretada por órgãos fetais) “organiza” permanentemente o cérebro. Vários estudos posteriores mostraram que isso é essencialmente correto nos animais, porém muito mais complexo em homo sapiens.

Como a ciência não pode alterar eticamente os níveis de hormônios pré-natais em seres humanos, a evidência disponível partia de “experimentos acidentais” nos quais os níveis de desses hormônios ou as reações a eles eram incomuns, como no caso de pessoas intersexuais. Mas as condições hormonais ambiente se encontram emaranhadas nesses estudos, deixando os trabalhos inconsistentes, sem conclusões claras para os seres humanos.

Os fatores genéticos

Um tentilhão-zebra metade macho, metade fêmea.
Um tentilhão-zebra metade macho, metade fêmea. Copyright 2003 National Academy of Sciences, CC BY-NC

Embora hormônios pré-natais possam causar a maioria das diferenças por sexo no cérebro de outros animais, em alguns casos a explicação é genética.

Isso ficou claro graças ao passarinho tentilhões-zebra com uma estranha anomalia: ele é macho do lado direito e fêmea do lado esquerdo. Sua estrutura cerebral relacionada ao canto é maior somente no lado direito, sendo que ambos lados compartilham a mesma condição hormonal ambiente.

Portanto, a assimetria cerebral não foi causada por hormônios, e sim pelos genes. A influência dos genes nas diferenças sexuais do cérebro também foi encontrada em camundongos.

O exercício de aprender muda o cérebro

Muita gente supõe que as diferenças sexuais do cérebro humano são inatas, mas é só uma suposição.

Os seres humanos aprendem rapidamente na infância e continuam aprendendo –de forma mais lenta, infelizmente– quando crescem. Recordar fatos ou conversas ou aprimorar habilidades musicais e atléticas são exemplos de aprendizados que alteram as conexões entre as células nervosas chamadas sinapses. São inúmeras e constantes alterações, apesar de microscópicas: medem menos de um centésimo da largura de um fio do nosso cabelo.

Homem estudando mapas de Londres
Alguns motoristas de táxi de Londres não usam GPS e conhecem a cidade de cor, um processo de aprendizado que leva de três a quatro anos, em média. Carl Court/AFP via Getty Images

Estudos sobre uma determinada profissão, no entanto, mostram que o aprendizado pode mudar drasticamente o cérebro dos adultos. No caso dos taxistas de Londres, eles precisam memorizar um verdadeiro mapa de rotas complexas, ruas e pontos de referência da cidade, uma das maiores do mundo. Os cientistas descobriram que, nos motoristas, o exercício de adquirir tal conhecimento alterou fisicamente o hipocampo, uma região do cérebro crucial para a navegação. Os hipocampos dos taxistas de Londres eram milimetricamente maiores que os de outros profissionais. Pode parecer ínfimo, mas representa mais de 1.000 vezes o tamanho das sinapses.

Ou seja, não faz sentido que qualquer diferença sexual no cérebro humano seja inata, já que o aprendizado é um fator que incide e varia ao longo da vida. Vivemos em uma sociedade condicionada por estereótipos que criam expectativas e oportunidades diferentes para homens e mulheres. Trata-se de um aprendizado constante desde que nascemos, o que inevitavelmente também altera o cérebro.

No fim das contas, quaisquer estruturas cerebrais distintas por sexo provavelmente se devem a uma combinação complexa e interativa de fatores genéticos, hormonais e aprendidos.

This article was originally published in English

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