Menu Close
Screenshot at.

Análise: Brasil pode aproveitar presidência do Conselho de Segurança da ONU para tentar negociar paz e ampliar seu status

O brutal ataque terrorista do Hamas contra Israel, a subsequente declaração de guerra pelo governo israelense e a escalada da violência na região tornaram ainda mais tenso o contexto geopolítico global que já vivia um período de complexas disputas internacionais, como a longa guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Essa situação tem o potencial de colocar o Brasil em um papel de destaque, já que ocupa a presidência do Conselho de Segurança da ONU (CSNU) desde o início do mês. O país é atualmente responsável por pautar as principais discussões, convocar reuniões e liderar o mais importante órgão responsável pela manutenção da paz no mundo, buscando mediação de conflitos internacionais e soluções para disputas.

O país de fato agiu rapidamente em sua função após os ataques contra Israel, e convocou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança. Afirmou ainda que a continuidade do conflito não é uma “alternativa viável” e considerar ser “urgente a retomada de negociações de paz”.

Brasil hesita em classificar o Hamas de organização terrorista

Durante a reunião emergencial do CSNU, em Nova York, o Brasil condenou os ataques contra civis na escalada do conflito entre israelenses e palestinos e pediu máxima contenção de ambas as partes. Além disso, o Brasil busca envolver a China e Rússia nas negociações a fim de repudiar a ação do Hamas e iniciar negociações de paz. O Itamaraty informou que o status do Hamas e eventual classificação do grupo como uma organização terrorista serão tratados no âmbito do CSNU.

País não tem poder de fato

Apesar desta proatividade, a percepção de muitos analistas de política externa é que que o Brasil não tem poder de fato para influenciar os rumos da disputa entre israelenses e palestinos. Para começar, o cargo de presidência tem duração de apenas um mês, e o peso do país também é limitado pelo fato de o seu assento temporário ter validade apenas até o fim do ano, quando deixa de fazer parte do CSNU.

Indo além da função do país no CSNU, o Brasil não tem prestígio suficiente para influenciar a situação do conflito entre Israel e o Hamas. Isso porque status é um atributo intersubjetivo, que depende de como o país é visto pelos outros atores da comunidade internacional – especialmente os países com mais poder. E a percepção externa sobre o Brasil é de que o país não tem relevância nas grandes questões de segurança internacional.

Tradição de ficar em cima do muro

Esta foi uma das conclusões da minha pesquisa de doutorado pelo King’s College London (em parceria com a USP), baseada em 94 entrevistas com a comunidade de política externa dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Reino Unido, França, China e Rússia). Para essas grandes potências, o Brasil não é relevante em questões de segurança e perde a chance de ter um papel de peso por conta da sua tradição histórica de evitar escolher lados em disputas internacionais.

A percepção das potências é que o Brasil não possui hard power (poder militar e econômico) suficiente para ser importante como uma potência, e por isso não consegue ter uma voz forte nas questões do “grande jogo” da segurança internacional. Este foi um dos os nove temas desenvolvidos a partir da análise das entrevistas conduzidas em minha pesquisa, e ajuda a explicar por que o país não é considerado uma prioridade para essas potências.

Mesmo que o país possua alguns atributos relacionados ao hard power, como tamanho da população e grande território (além de ter poder militar relevante), os dados indicam que as grandes potências veem o Brasil como um país pacífico e com poder bruto insuficiente para fazer diferença em grandes disputas. Além disso, o país está longe de grandes ameaças e conflitos, não precisa de hard power e não busca esse tipo de poder. Isso faz com que a voz do país tenha limites e ele não tenha capacidade para influenciar estas questões globais.

Esses dados sobre o status brasileiro tendem a confirmar a ideia de que, mesmo presidindo o órgão mais importante sobre questões de guerra e paz no planeta, o Brasil não teria condições reais de influenciar nas negociações pelo fim do conflito. Mas as entrevistas com elites das grandes potências também revelam que a atuação brasileira em um contexto como o atual poderia servir para impulsionar o seu nível de prestígio internacional.

País deve buscar caminhos alternativos ao “poder bruto”

Ainda que a resolução do conflito em um curto período seja de fato improvável, e que a perspectiva seja de que a guerra vai ser longa, esta é uma oportunidade para o Brasil tentar deixar rapidamente uma marca. Enquanto não é visto como tendo força para influenciar os conflitos, a percepção dessas potências é de que o Brasil pode elevar o seu status internacional por outras vias - institucionais e multilaterais - incluindo a atuação atual no CSNU.

Os dados da pesquisa mostram que o Brasil pode seguir caminhos “alternativos” à busca por poder bruto para tentar aumentar seu status internacional. Entre eles, estão o multilateralismo e a construção de um papel relevante em instituições internacionais, assim como a atuação em mediações de conflitos e a competência e profissionalismo da diplomacia brasileira. A fim de desfazer essa impressão negativa sobre a sua importância global, o Brasil pode se aproveitar desses “trunfos” na sua busca por status e da sua posição de destaque no principal fórum mundial de negociações de guerra e paz.

Neste contexto de agressões, conflitos e riscos internacionais, o Brasil se encontra em uma posição privilegiada para tentar desfazer uma percepção problemática construída ao longo de décadas. À frente do CSNU, o país pode se esforçar para ter uma atuação marcante ao longo do mês a fim de avançar na mediação de crises como a atual guerra na Faixa de Gaza. Mesmo com a baixa probabilidade de resolver todos os problemas em um curto espaço de tempo, ao defender ativamente o fim das agressões, levantar uma bandeira para a paz e se mostrar um país que pode ter influência positiva sobre questões importantes de segurança, o Brasil pode ajudar o planeta e melhorar seu status global.

Want to write?

Write an article and join a growing community of more than 182,900 academics and researchers from 4,948 institutions.

Register now