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Pesquisas estão se aprofundando em entender as origens do que acontece de errado no cérebro das pessoas com o mal de Alzheimer. Tek Image/Science Photo Library via Getty Images

Estudo dos fatores genéticos que causam o Alzheimer poderão promover novos tratamentos

Doenças comuns na família geralmente têm explicações genéticas. Algumas são causadas por mutações específicas e diretamente responsáveis por uma doença em si que podem ser herdadas. Outras ocorrem pela herança de genes de risco para o corpo, que aumentam a chance de alguém desenvolver determinada doença. No caso do Alzheimer, há três genes particulares, cuja mutação herdada em qualquer um deles origina o problema, e outros de risco que aumentam ou diminuem sua propensão.

Sabemos que algumas mutações ou variantes genéticas interagem com outras alterações genéticas que levam ao mal de Alzheimer. E há situações em que essas interações com genes causadores da doença terminam sendo benéficas, suprimindo, de fato, disfunções cerebrais patológicas às quais as outras mutações normalmente levariam. São genes de risco que protegem, que podem retardar ou evitar drasticamente o declínio cognitivo. Em dois informes sobre casos recentes de Alzheimer na família, encontraram-se mutações que adiaram os sintomas por décadas.

Sou neurologista e neurocientista, dediquei minha carreira a estudar o mal de Alzheimer e a demência, tanto em laboratório quanto na prática clínica. Posso dizer que saber como os genes afetam a química do cérebro é vital para entender como a doença progride e para elaborar intervenções preventivas ou que retrasem o declínio cognitivo.

O que é a hipótese amiloide

No início da década de 1990, cientistas propuseram a hipótese amiloide para explicar como o mal de Alzheimer se desenvolve. Isso porque as primeiras alterações neuropatológicas detectadas no cérebro de pacientes diagnosticados foram a formação de placas amiloides - aglomerados de pedaços de proteína chamados beta-amiloide. Acreditava-se que outras alterações no cérebro se desenvolvessem mais tarde no curso da doença, por exemplo, o acúmulo de outro tipo de proteína anormal conhecido como emaranhados neurofibrilares.

A beta-amiloide começa a se acumular no cérebro até 15 anos antes do surgimento dos sintomas. Por sua vez, os sintomas se correlacionam com o número de emaranhados neurofibrilares no cérebro - quanto mais emaranhados, pior a cognição. Pesquisadores tentaram então determinar se a prevenção ou a remoção das placas amiloides do cérebro seria um tratamento eficaz.

O mal de Alzheimer resulta do acúmulo de proteínas anormais no cérebro.

Imagine a empolgação da comunidade científica na década de 1990 quando cientistas identificaram três genes diferentes que explicam a doença na família! Todos os três estavam envolvidos com a proteína beta-amiloide.

O primeiro foi o gene da proteína precursora da amiloide. Esse gene direciona as células para produzi-la. Logo, ela se decompõe em fragmentos menores, incluindo a beta-amiloide que forma as placas amiloides no cérebro.

O segundo gene foi denominado presenilina 1, ou PSEN-1, necessário para cortar a proteína precursora em fragmentos menores de beta-amiloide.

O terceiro gene, presenilina 2, ou PSEN-2, está intimamente relacionado ao anterior, mas é encontrado em um número menor de famílias com mal de Alzheimer genético.

Essas descobertas reforçaram a explicação da hipótese amiloide para a doença. Entretanto, a incerteza e a oposição à essa corrente cresceram nas últimas décadas. Em parte porque também foram reconhecidos vários outros processos - emaranhados neurofibrilares, inflamação e ativação do sistema imunológico - envolvidos na neurodegeneração do Alzheimer.

A hipótese também passou a ser rejeitada após o fracasso de vários testes clínicos para tentar bloquear os efeitos da amiloide ou removê-la do cérebro. Em alguns casos, os tratamentos tiveram efeitos colaterais significativos. Alguns pesquisadores até apresentaram fortes defesas da hipótese. Mas até que um ensaio clínico pudesse realmente mostrar resultados definitivos, a incerteza permaneceria.

A genética que freia o Alzheimer

A grande maioria - mais de 90% - dos casos de Alzheimer ocorre no final da vida, com a prevalência de sintomas aumentando progressivamente a partir dos 65 anos. São majoritariamente esporádicos, isto é, sem histórico familiar claro da doença.

Entretanto, um pequeno número de famílias possui uma das três mutações genéticas conhecidas por causar o problema. Nos casos de incidência familiar, metade de cada geração herdará o gene mutante e desenvolverá a doença muito mais cedo, geralmente entre os 30 e os 50 anos.

Nos anos de 2019 e 2023, cientistas identificaram alterações em pelo menos dois outros genes que atrasaram significativamente o início dos sintomas em pessoas com mutações genéticas por herança familiar. Esses genes mutantes foram encontrados em uma família muito grande na Colômbia, cujos membros tendiam a desenvolver Alzheimer por volta dos 40 anos.

Uma mulher dessa família, portadora de uma mutação no gene PSEN-1, não apresentou nenhum sintoma cognitivo até os 70 anos de idade. Uma análise genética mostrou que ela tinha uma mutação adicional em uma variante do gene que codifica uma proteína chamada apolipoproteína E, ou ApoE. Pesquisadores acreditam que a mutação, chamada de variante Christchurch - em homenagem à cidade da Nova Zelândia onde a mutação foi descoberta - é responsável por interferir e frear a doença.

É importante ressaltar que o cérebro dela tinha uma grande quantidade de placa amiloide, mas muito poucos emaranhados neurofibrilares. Isso sugere que a ligação entre os dois foi rompida e que a supressão do número de emaranhados neurofibrilares também atrasou a perda cognitiva.

Pesquisadores estudaram determinadas famílias na Colômbia com variantes genéticas raras que retardam a progressão do mal de Alzheimer.

Em maio de 2023, os pesquisadores relataram que dois irmãos da mesma família colombiana tampouco desenvolveram problemas de memória até os 60 ou 70 anos de idade. Eles descobriram que ambos eram portadores de uma mutação em um gene que codifica uma proteína chamada reelina.

Estudos em camundongos sugerem que a reelina tem efeitos protetores contra a deposição de placas amiloides no cérebro. No cérebro desses pacientes, assim como no da que tinha a variante Christchurch, havia placas amiloides extensas, mas muito poucos emaranhados neurofibrilares. Essa observação confirmou que os emaranhados são responsáveis pela perda cognitiva e que há várias maneiras de “desconectar” o acúmulo de emaranhados amiloides e neurofibrilares.

Descobrir medicamentos que possam imitar os efeitos protetores da variante Christchurch ou da mutação da reelina poderia ajudar a retardar os sintomas do Alzheimer em todos os pacientes diagnosticados. Como a grande maioria dos casos sem histórico familiar se manifesta após os 70 ou 75 anos de idade, um atraso de 10 anos no surgimento dos primeiros sintomas poderia reduzir enormemente a prevalência da doença.

Essas descobertas demonstram que o mal de Alzheimer pode ser ralentizado e, com sorte, levarão a novas terapias que, algum dia, poderão não apenas tratar a doença, mas também preveni-la.

Tratamentos para Alzheimer hoje

Apesar de mais de duas décadas de dúvidas e fracassos terapêuticos, nos últimos anos foram observados resultados positivos de três fármacos diferentes - aducanumab, lecanemabe e donanemabe. Eles removem as placas amiloides e retardam a perda da função cognitiva até certo ponto. Enquanto ainda existe uma discussão sobre o quanto a desaceleração do declínio cognitivo é clinicamente significativa, tais resultados dão suporte à hipótese amiloide. Mas eles também sugerem que outras estratégias serão necessárias para o tratamento ideal.

A FDA aprovou o medicamento aducanumab (Aduhelm) em junho de 2021, com muita controvérsia.

Em 2021, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, pela sigla em inglês) aprovou o primeiro tratamento com anticorpos para Alzheimer, o aducanumab, vendido com o nome comercial de Aduhelm, e foi controverso. Apenas um dos dois ensaios clínicos que testaram sua segurança e eficácia em seres humanos apresentou resultados positivos. O medicamento foi liberado com base nesse único estudo por meio de um processo acelerado, no qual os tratamentos para uma necessidade clínica não atendida podem adquirir uma licença mais rápida.

O segundo medicamento, lecanemabe, vendido como Leqembi, foi aprovado em janeiro de 2023 por meio da mesma via de permissão acelerada. Posteriormente, foi totalmente aprovado em julho de 2023.

O terceiro, donanemabe, concluiu com sucesso um ensaio clínico de fase três e está aguardando mais dados de segurança. Quando esses dados forem enviados à FDA, a agência considerará o medicamento para aprovação.

This article was originally published in English

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