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Uma mulher em trajes romanos posa para a câmera
Helen Mirren, no papel de Caesonia no controvertido filme Caligula, do diretor italiano Tinto Brass, lançado em 1979. Reprodução

Gregos e romanos gostavam mesmo de orgias?

Se orgias evocam imagens da Antiguidade greco-romana, isso se dá graças a filmes com tons eróticos e imperadores devassos a la Satyricon (1969), de Federico Fellini. Hoje em dia, a expressão já se aplica a qualquer tipo de excesso. Fato é que orgia soa a prazeres carnais em uma sociedade livre de regras. Mas afinal, o que eram orgias?

De onde vem a orgia?

A palavra vem do grego. Orgia se refere a rituais em homenagem a divindades como Dionísio, cujo culto celebrava a regeneração da natureza. Eram chamados “cultos de mistério”, reservados para homens e mulheres já iniciados, que se haviam comprometido a não revelar seus segredos.

Orgia remete à ideia de libido e paixão. Embora não se saiba muito sobre os ritos orgiásticos devido ao status misterioso que tinham, podem ter envolvido objetos em formatos sexuais durante práticas extasiadas e violentas a fim de alcançar um estado de transe coletivo.

Mas não foi até finais do século XVIII que a palavra passou a se referir a práticas sexuais em grupo, geralmente associadas ao excesso de álcool e comida. Especialmente na literatura francesa. No conto Smarh, de 1839, o escritor Gustave Flaubert descreve “uma festa noturna, uma orgia repleta de mulheres nuas, tão belas quanto Vênus”.

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Mulher e homem em um banco entre um flautista e um criado. Cerâmica, século VI a.C. Museu Arqueológico, Corinto. Wikipedia.

Gregos, “prostitutas e peixes”

De todas formas, tampouco a orgia em si foi uma invenção moderna. Banquetes que combinavam paladares e erotismos estão bem documentados em textos antigos. No século IV a.C., por exemplo, o orador grego Ésquines, em seu discurso ‘Contra Timarco’, acusou o inimigo de se entregar à “mais vergonhosa volúpia” e a “todas as coisas com as quais um homem livre e nobre não deveria se deixar dominar”.

Quais serão, então, esses tais prazeres proibidos? Timarco convocava jovens flautistas à casa, que se sentavam à mesa com outras mulheres sensuais em verdadeiros banquetes. Cabe ressaltar que, neste caso, flautistas não eram meros artistas contratados pela música, mas também para satisfazer os desejos sexuais dos convidados.

Banquete grego com com a presença de jovens seduzidos por flautista de túnica transparente. Krater, cerca de 400 a.C., Museu Kunsthistorisches, Viena. Wikimedia, CC BY. khm.at/de/objektdb/detail/58183

Além de cortesãs e cortesãos, peixes pomposos também eram servidos e consumidos por oradores no século IV a.C. Demóstenes conjuga essas duas facetas de libertinagem em seu famoso discurso ‘Sobre a Falsa Embaixada’.

Em 346 a.C., a cidade de Atenas enviou embaixadores em missão diplomática com o rei Filipe II da Macedônia, que ameaçava a Grécia militarmente. O monarca, porém, subornou alguns dos enviados atenienses para que apoiassem suas ambições imperiais.

Um dos embaixadores comprados pelo rei macedônio foi acusado por Demóstenes de corrupção e ainda de malgastar o dinheiro sujo com “prostitutas e peixes”. Um duplo delito de gula carnívora e carnal.

Afresco na cidade romana de Herculano mostra um típico banquete. século I d.C. Wikimedia . CC BY. Wikimedia

Romanos alla Puttanesca

Historiadores romanos também descrevem banquetes suntuosos, combinando sexo e paladar. Na década de 80 a.C., o tirano Sula teria sido o primeiro líder político de Roma a organizar festas eróticas regadas a álcool. Aparentemente, o modelo teria sido importado do leste grego, onde Sula havia conduzido uma campanha militar. Plutarco relata na biografia do ditador que ele se divertia até a manhã seguinte com comediantes, músicos e mímicos.

Assim como a arte da mímica, danças sensuais também compunham o repertório de habilidades das cortesãs, que se contorciam, às vezes, simulando atos sexuais.

O jantar de Trimalchio, cena do filme Satyricon (1969), de Federico Fellini. CC BY.

O biógrafo latino Suetônio retrata Tibério como o arquétipo do imperador devasso. No palácio que construiu ao sul da Itália atual, em Capri, ele mesmo participava de espetáculos obscenos. Recrutava companhias de jovens atores para praticar atos sexuais ao vivo. As cenas reais de luxúria eram chamadas spintriae –vocábulo latino de significado controverso, com conotação sexual, às vezes ligado à sodomia.

De acordo com Suetônio, o sucessor de Tibério, Calígula, mantinha relações com as irmãs à vista dos convidados. Incestuoso e exibicionista, transgredia assim duas proibições de uma vez. Também exibia a esposa Cesônia a cavalo, vestida como guerreira ou nua. Ainda segundo Suetônio, a imperatriz era cúmplice do marido e desfrutava participar das sessões especiais, “perdida na libertinagem e no vício”.

Cerca de 20 anos depois, o imperador Nero “dava festas do meio-dia à meia-noite”, escreve Suetônio. Durante os longos banquetes, todos os sentidos precisavam ser saciados. Servia-se uma sinestesia de paladares, música e corpos à vontade, enquanto escravos perfumavam o ambiente e faziam chover flores do teto.

Conta-se no livro ‘História Augusta’ que, por volta de 220 d.C., durante um banquete do imperador Heliogábalo, convidados teriam se sufocado até a morte porque “não conseguiram se libertar”.

Cena de banquete, afresco de Pompeia, século I d.C. CC BY.

Isso não quer dizer que tais banquetes decadentes eram mais comuns durante o Império Romano do que são hoje. Por trás das descrições de orgias feitas por autores antigos, há sempre um propósito: condenar a “libertinagem”, em nome da moral e dos bons costumes.

Banquete no Palácio de Nero. Ilustração de Ulpiano Checa do romance Quo Vadis? de Henryk Sienkiewicz, por volta de 1910. Wikimedia. Wikimedia

A denúncia cristã

A cristianização do Império Romano apenas reforçou a perspectiva moral. Um bom exemplo está na obra de Santo Agostinho, no sermão 16, sobre a decapitação de João Batista.

Pôster do filme Babylon, Damien Chazelle, 2022.

O trecho retrata a gula dos convidados com um excesso de comida no banquete de Herodes Antipas, governador da Galileia. A isto se soma a luxúria denunciada por Agostinho como obra de Satanás: Herodes pede a sua sobrinha-neta Salomé que dance. Perversa, a jovem dança e exibe os seios sem pudor. Em troca, pede a cabeça de João Batista servida em uma bandeja.

De Roma à Babilônia

Rompendo com os textos clássicos, o filme Babilônia (2022), de Damien Chazelle, confronta o espectador com uma imponente cena de orgia sem insinuar julgamentos morais.

Talvez por isso as reações do público e da crítica tenham sido fortemente polarizadas, entre detratores que consideram o filme escandaloso, e admiradores que aplaudiram a insana “orgia visual”.


Christian-Georges Schwentzel é escritor e historiador, formado pela Universidade Sorbonne de Paris

This article was originally published in French

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