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Estudantes do Rio de Janeiro protestam contra cortes na educação: afirmação de que Brasil gasta como países ricos no setor é velha cantilena. AP Photo/Silvia Izquierdo

Mitos da Educação: Arrecadação de impostos no Brasil não é uma das maiores do mundo

Ao longo do tempo, por diversas razões, em geral relacionadas à disputa pela destinação dos recursos financeiros disponíveis para desenvolver ações que projetem um futuro brasileiro menos desigual, análises e conclusões superficiais sobre a educação no Brasil foram se cristalizando na sociedade. Na série de artigos “Mitos da educação”, o mestre em Física e doutor em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) Nelson Cardoso Amaral examina em profundidade algumas dessas crenças equivocadas sobre setor. Abaixo, no segundo artigo da série, Nelson contesta o mito de que o Brasil já arrecada impostos demais, e de que a eterna falta de recursos para setores estratégicos como a Educação viria exclusivamente da má gestão.


Sempre que se fala em elevar os recursos financeiros a serem aplicados na educação brasileira é apresentada a cantilena de que no Brasil pagamos tributos de países ricos, e recebemos serviços de países pobres. Isso não é verdade.

Qual a origem deste mito? O que causa sua força tão devastadora? Detectamos duas vertentes que o explicam. Uma do lado da arrecadação, e outra do lado das despesas.

Do lado da arrecadação, os que possuem poder político e econômico fazem de tudo para que sejam pagos menos tributos e ainda lutam pelas suas renúncias e, do lado das despesas realizadas com esses recursos arrecadados, há a preocupação de sempre que possível usufruírem de parte desses recursos, impedindo a sua destinação para financiar políticas sociais, como é o caso da educação da população brasileira.

Isto provocou uma distorção ao longo do tempo no Brasil: quem ganha menos paga proporcionalmente mais tributos que os que ganham mais! Os que ganham mais fazem parte do grupo que possui poder político para definir as regras da arrecadação e das despesas.

A arrecadação de tributos precisa ser olhada de dois pontos de vista. Primeiro, o que ela significa como percentual do Produto Interno Bruto (PIB), o que permite aferir o esforço que o país está realizando para arrecadar de sua população em relação à sua riqueza expressa pelo PIB. Em 2020, a Dinamarca atingiu 47,1% do seu PIB com a arrecadação tributária, a França, 45,3%, a Finlândia, 41,8%, por exemplos, e a média dos países da OCDE foi de 33,6%. O percentual brasileiro em 2020 foi de 31,6%. Nem sob esse indicador, portanto, o Brasil está entre os maiores percentuais do mundo!

Um olhar dirigido especificamente e apenas para os Estados Unidos da América (EUA), entretanto, conduziria a que a afirmação de ser uma das “maiores do mundo” se tornasse verdadeira, pois os EUA atingiram em 2020 uma arrecadação equivalente a 25,8% do PIB americano.

O que significa o Brasil arrecadar em tributos o equivalente a 31,6% do seu PIB e os EUA, 25,8% do seu PIB? Isto poderia significar, como querem dar a entender, que o Brasil arrecada mais que os EUA? Que os serviços públicos no Brasil deveriam ser melhores que os dos EUA?

As respostas para essas “estranhas” perguntas – parecem tão óbvias! – só é possível se olharmos para o tamanho do PIB brasileiro (US$-PPC 3,28 trilhões) e do PIB americano (US$-PPC 21,132 trilhões), e também para o tamanho da população do Brasil (218.689.757) e dos EUA (339.665.118 de pessoas). Dessa forma, obtém-se que, em média, o/a brasileiro/a paga US$-PPC 4.519,86 por ano e o/a americano/a paga, em média, US$-PPC 16.051,30.

Essa operação não nos deixa dúvidas sobre as respostas “óbvias” às duas questões formuladas anteriormente e, por isto, “estranhas”: são os EUA que possuem melhores condições que o Brasil para oferecer serviços públicos para a sua população. É o volume de recursos financeiros arrecadado que paga salários das pessoas que trabalham, adquire insumos para realizar os serviços, compra equipamentos, melhora e expande a infraestrutura etc., apesar de como percentual do PIB, o do Brasil que equivale a 31,6%, ser mais elevado que o dos EUA, 25,8%.

O “mito”, entretanto, permanece, pois a sua força e o seu poder estão nas pessoas que definem as regras para determinar como os tributos devem ser arrecadados e, no final, como devem ser realizadas as despesas. Em geral, priorizam os seus interesses específicos e não os da população brasileira que necessita da definição de amplas políticas sociais, dentre elas a educação, vetor fundamental para o desenvolvimento social e econômico, caminho seguro para uma diminuição da elevada desigualdade brasileira.

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