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Escola Municipal Olívia dos Santos Feierabend, no interior de SP, que mesmo com poucos recursos tem bons rendimentos nas suas avaliações regulares: ensinos básico e superior fazem parte de uma mesma corrente de conhecimento, e não devem ser vistos como antagonistas. Rafael Hupsel/Folhapress

Mitos da Educação: Tirar recursos das universidades federais não é o caminho para melhorar a educação básica

Ao longo do tempo, por diversas razões, em geral relacionadas à disputa pela destinação dos recursos financeiros disponíveis para desenvolver ações que projetem um futuro brasileiro menos desigual, análises e conclusões superficiais sobre a educação no Brasil foram se cristalizando na sociedade. Na série de artigos “Mitos da educação”, o mestre em Física e doutor em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) Nelson Cardoso Amaral examina em profundidade algumas dessas crenças equivocadas sobre o setor. Abaixo, no quarto artigo da série, Nelson contesta o mito de que a Educação Básica estaria melhor se parte dos recursos destinados ao Ensino Superior fossem nela aplicados.


A afirmação de que a Educação Básica poderia melhorar muito se fossem transferidos recursos das universidades federais para esse nível educacional é recorrente em diversos setores da sociedade brasileira. Recentemente, em 14/02/2024, o jornal O Estado de S. Paulo publicou um editorial intitulado “Prioridade errada”, em que retoma essa temática.

A origem dessa afirmação está no fato de que durante muitos anos houve uma “orientação” do Banco Mundial para que os países com grandes dificuldades educacionais dessem prioridade para a aplicação de recursos financeiros para a Educação Básica (EB). Isso provocou uma destrutiva contraposição entre a EB e a Educação Superior (ES), como se não fossem “elos” de uma mesma “corrente”. Como efetivar uma boa qualidade na Educação Básica se os principais responsáveis por isto, os professores, são formados na Educação Superior?

A premissa estabelecida de que a EB poderia melhorar muito se fossem transferidos recursos das universidades federais para esse nível educacional se constitui em uma verdadeira falácia!

No ano de 2014, por exemplo, “foram aplicados R$ 36 bilhões em recursos do tesouro nas universidades federais brasileiras. Se supusermos que a metade desses recursos fossem transferidos para a EB, o valor por aluno nesse nível educacional passaria de R$ 5.324,00 para R$ 5.684,00, um aumento de 6,8%”.

Pode-se perguntar: essa pequena elevação de recursos financeiros por estudante resolveriam os enormes problemas educacionais da Educação Básica no Brasil? O que ocorreria com as universidades federais? Teriam que demitir a metade de seu corpo docente? Fechariam cursos, desativariam pesquisas, cancelariam atividades culturais? Diminuiriam o tamanho da pós-graduação, mestrados e doutorados? Eliminariam quantos leitos nos hospitais universitários?

O que poderia explicar a continuidade e força desse mito? Em primeiro lugar, a “pregação” pelo Banco Mundial, durante décadas, de que os países em desenvolvimento deveriam priorizar a EB. Em segundo lugar, um desconhecimento, ou “má-fé”, de alguns setores da sociedade, de que a EB brasileira é oferecida quase que totalmente pelos estados, Distrito Federal e municípios, que em 2014 aplicaram um total de R$ 265 bilhões nesse nível educacional.

O próprio Banco Mundial reconheceu isso, de forma tardia, e muitos países seguiram as suas “orientações” e sofreram e sofrem hoje ao verem a interrupção da “corrente” do conhecimento, desde a Educação Infantil até a Educação Superior.

Em 2000, numa espécie de mea-culpa, o Banco Mundial lançou um documento em que um Grupo de Trabalho foi instituído para discutir esse tema que recomenda aos governos agirem de outra forma:

“Desde os anos 80 muitos governos nacionais e organismos financiadores internacionais têm atribuído à Educação Superior um nível de prioridade relativamente baixo. As análises econômicas, de olhar estreito – e, em nossa opinião, equivocado – têm contribuído para formar a opinião de que o investimento público em universidades e em instituições de Educação Superior se traduziria em ganhos insignificantes em comparação com os ganhos do investimento em escolas primárias e secundárias; assim como de que a Educação Superior aumenta exageradamente a desigualdade de ganhos”.

Segundo o relatório do Banco Mundial, “[…] O Grupo de Estudo está coeso na convicção de que a urgente tomada de medidas para expandir a quantidade e melhorar a qualidade da Educação Superior nos países em desenvolvimento deveria constituir-se em máxima prioridade nas atividades de desenvolvimento”.

É preciso, portanto, compreender que todos os níveis, etapas e modalidades da educação são importantes para o desenvolvimento social e econômico do país e não é possível estabelecer critérios que possam priorizar um em relação ao outro.

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