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Equipe de telejornalismo em ação durante as cheias em Porto Alegre: muito além do testemunho histórico, abordar temas como a injustiça ambiental que as mudanças climáticas evidenciam são fundamentais para despertar a sociedade para a real dimensão do problema. Reprodução / Portal UPF

Não só relatos, dados e alertas: papel do jornalismo ambiental na crise climática é bem maior

Quando o assunto é mudança climática, o jornalismo é fundamental para a compreensão do que está em jogo, especialmente em momentos de desastres como as cheias recentes no Rio Grande do Sul. Ao narrar esses acontecimentos, os veículos ajudam a construir a maneira como a sociedade tende a lidar com estes fatos.

Na ótica de um bom jornalismo ambiental, as mudanças climáticas exigem mais que o discurso científico, o alerta, o alarme, o tom catastrófico, o testemunho histórico: é necessário movimentar a visão de mundo da sociedade. O cenário é desafiador para a construção da informação que direcione o olhar para a urgência deste cenário, para a comunicação dos riscos e para o tipo de desenvolvimento que estamos dispostos a bancar.

Uma abordagem que vem mudando ao longo dos anos

No início do século 21, percebemos em nossas pesquisas sobre a cobertura jornalística uma dinâmica que transitava do “susto” ao “esquecimento”. Ou seja, cada chuva intensa ou outros desastres naturais eram tratados como fatos isolados, fatalidades sem precedentes, sem relação com o aquecimento global e menos ainda com as mudanças climáticas.

Nos últimos 20 anos, observamos que a crise climática tem estado mais presente como pauta da mídia, ainda que não seja uma cobertura permanente na maioria dos veículos. O tema desaparece entre um ou outro marcador de fato relevante, como reuniões internacionais (conferências e cúpulas), divulgação de relatórios científicos (com destaque ao IPCC) ou por conta de desastres causados por fenômenos extremos.

A análise da cobertura das cheias de 2010 no Rio de Janeiro e São Paulo de uma revista semanal de grande circulação mostrou que o enfoque estava na dinâmica do inesperado, indicando uma apatia política e governamental em relação às causas ambientais que, efetivamente, não apareciam nas notícias sobre tragédias.

Em 2011, nas chuvas intensas, enchentes e deslizamentos na região Serrana do Rio de Janeiro - que causou mais de mil mortes e deixou milhares de desabrigados -, o tema da ocupação de áreas de risco teve seu ápice, porém foi esquecido logo depois. A individualização da tragédia, pelas manifestações das testemunhas na mídia, indica que “as experiências são individuais, mas o medo e a insegurança são partilhados com a audiência”.

Infelizmente, essas ideias ainda estão presentes na base de alguns discursos negacionistas, que pretendem diminuir as responsabilidades de políticos, gestores e da sociedade como um todo, minimizando o impacto da atividade humana para a ebulição global. Desta forma, deixam livre de questionamentos ações que autorizam e implementam a destruição da natureza bastante acima dos limites do planeta.

Na última década, até mesmo pelo aumento da frequência dos eventos extremos, a crise climática tem ganhado mais espaço, com o acompanhamento dos efeitos e impactos climáticos, que agora se colocam como uma emergência climática. Por vezes, no entanto, ainda há falta de uma correta interpretação e correlação de fatores, dificultando a compreensão da crise climática, como proposto em análises de mídia.

No exemplo recente da enchente no estado gaúcho, o caos climático é explicado por informações, conceitos, dados e gráficos científicos. Além destes aspectos importantes que explicam os fenômenos, o jornalismo precisa dedicar maior foco para indicar a pressão política para que se possa repensar o sistema de produção e consumo vigente.

Esta ausência de espaço para o debate das políticas públicas foi, durante muito tempo, a tônica do jornalismo brasileiro. Mas mudanças climáticas estão em constante crescimento na abordagem do Jornalismo, tanto pelo aumento da consciência ambiental quanto pela ampla divulgação científica, que traz problemas locais e globais para o debate público.

Jornalismo ambiental comprometido com uma visão crítica

Há inúmeras formas de apresentar os fatos, visto que o jornalismo atua diretamente com a seleção dos temas, das fontes, do enfoque da reportagem, e cada publicação pode trazer um enquadramento discursivo próprio.

O jornalismo ambiental deve se propor a ir além da divulgação e da decodificação de discursos de diferentes atores sociais: ele deve atuar de forma comprometida e complementar à educação ambiental, para o desenvolvimento de relações justas e não predatórias entre humanos e natureza.

Debater e compreender a relação “homem, natureza e futuro” exige uma abordagem ampla e contextualizada. Entendemos o jornalismo ambiental como uma prestação de serviço para as futuras gerações, no sentido de cumprir a observação do mundo a partir da sustentabilidade e, portanto, a atividade deve estar atenta à dimensão humana.

Já há 15 anos, pensando sobre “o impacto, o significado e a repercussão na prática do jornalismo ambiental”, tracei algumas linhas sobre como podemos abordar o espaço educativo do Jornalismo, que ainda hoje é imperioso. A imprensa deve atuar em dois pontos fundamentais.

O primeiro está ligado à divulgação de fatos, de forma clara e honesta, para que os cidadãos possam entender aquilo que a sociedade está construindo por si. O segundo é mais complexo, pois está ligado ao papel da educação informal, que visa promover uma percepção do mundo capaz de pautar para as melhores escolhas, sustentáveis, coletivas, visando ao bem comum".

A busca do jornalismo deve ser em torno da possibilidade de indicar os impactos no cotidiano das pessoas, relacionar as questões de forma contextualizada (não fragmentada), ao mesmo tempo em que dimensiona o que é local na perspectiva do fenômeno global. Ao longo do tempo, essa adequação foi sendo construída, mostrando a preocupação do jornalismo, que já começa a associar o drama e as perdas às transformações decorrentes da emergência climática.

Na trajetória dos impactos ambientais cada vez mais crescente, sabemos que ainda há falhas a corrigir na cobertura jornalística, mas ao mesmo tempo o caráter científico a respeito da pauta climática é um ponto significativo.

Decorrente de educação ambiental, da divulgação científica e da atuação de meios de comunicação, o tema se torna mais palpável para a população. Como chegamos até aqui e quais as perspectivas? A imprensa, de maneira geral, fez uma apropriação crescente dos temas divulgados pela ciência ao longo dos anos.

Diferente olhares sobre a questão ambiental

Os veículos mais tradicionais conservam uma visão hegemônica da sociedade e geralmente dão ênfase à racionalidade dominante — econômica —, que busca encobrir a complexidade ambiental. As ênfases são geralmente colocadas pelo desafio da transição da economia e como o desenvolvimento pode seguir seu curso diante dos problemas ambientais.

Mas há vários veículos independentes trazendo elementos novos para a cobertura, reforçando a crítica aos sistemas econômico e político e cobrando responsabilidade pela manutenção de infraestruturas de proteção, sejam naturais ou construídas. Esse papel do jornalismo é crucial, fundamentando uma visão crítica para construir um debate mais bem elaborado para a cidadania.

Importa, portanto, trazer os relatos pessoais dentro de uma lógica da cultura da prevenção de desastres. No entanto, ainda se percebe certo conservadorismo na abordagem, na medida em que o sistema capitalista mantém grandes veículos de comunicação e interesses econômicos acima dos ambientais.

Assim, o que se percebe é que um lado menos abordado na cobertura se refere à injustiça ambiental, já que a conta está sendo muito alta para as populações mais vulneráveis. Este é um tema que passa a ser fundamental diante da transformação estrutural necessária para o enfrentamento à crise climática e que começa a despertar na imprensa.

A prática consistente do jornalismo ambiental, com informação bem apurada, aprofundada e contextualizada, pode auxiliar na melhoria da percepção pública e na compreensão da complexidade da crise climática. O jornalismo ambiental deve trazer a pluralidade e a diversidade de saberes para o debate e, essencialmente, deve atuar para o despertar de uma conscientização sobre as escolhas que precisamos fazer, em nome da sustentabilidade da vida, de forma comprometida com o debate essencial em torno da cidadania ambiental.

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