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Rapaz observa uma vitrine cheia de livros
Jovem coreano observa miríade de opções na vitrine de uma livraria de rua em Seul: o hábito de ler livros se tornará um diferencial cada vez mais importante para garantir um lugar ao sol na economia digital. AP Photo/Lee Jin-man

O que a literatura pode fazer pela Economia 4.0?

Enquanto lê este parágrafo, o leitor/usuário/cliente pode pagar um boleto bancário, responder uma mensagem, dar um match, rejeitar uma chamada, comprar um tênis, curtir um post e… perder-se em uma miríade de tarefas e de distrações. Tão corriqueira e prejudicial, essa experiência marcada pela fragmentação, dispersão e superficialidade esconde uma questão pouco reluzente, mas alarmante: os impactos na nossa capacidade cognitiva da leitura de conteúdos variados e diários (sites, posts, notícias etc) versus a leitura de obras literárias, cada vez mais rara.

Livros têm tudo a ver com capacidade cognitiva, que tem tudo a ver com pensamento crítico, raciocínio lógico, foco, memória e criatividade. A inteligência é o que assegura minimamente um lugar ao sol na desafiadora Economia 4.0.

Os professores Denis Maracci Gimenez e Anselmo Luís dos Santos, ambos do Instituto de Economia da Unicamp, descrevem o futuro do mercado de trabalho a partir de várias fontes, entre elas uma pesquisa da consultoria McKinsey:

“…inteligência artificial e robótica, afetarão 60% das ocupações no mundo, considerando que pelo menos 30% das tarefas em cada atividade poderão ser automatizadas até 2030”.

E continuam:

“Os cenários construídos sugerem que, em 2030, entre 75 milhões e 375 milhões de trabalhadores (3% a 14% da força de trabalho global) precisarão mudar de categoria ocupacional. Além disso, todos os trabalhadores precisarão se adaptar…”

Entre os países periféricos, o Brasil é um dos que mais deverá sentir a pressão da Economia 4.0, já que uma fatia considerável da força de trabalho está alocada em atividades pouco complexas, que podem ser substituídas por sistemas e máquinas com facilidade.

Segundo o relatório dos professores da Unicamp, gargalos na indústria, na educação e na formação profissional tornam o país bastante vulnerável aos saltos tecnológicos.

Distância cada vez maior para os países desenvolvidos

Um relatório produzido pelo Banco Mundial e apoiado em dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), aponta que os alunos brasileiros podem levar em torno de 260 anos para alcançar a proficiência em leitura dos países desenvolvidos.

O estudo foi realizado antes da pandemia. Sobre o pós-pandemia no Brasil, a pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apresenta um quadro ainda mais dramático: entre 2019 e 2022, o percentual de crianças de 7 anos de idade que não sabem ler e escrever duplicou, passando de 20% para 40%.

O atraso na alfabetização e no letramento gera evasão escolar, menores chances de entrar e ascender no mercado de trabalho, baixa produtividade, queda na autoestima, entre outros malefícios.

Ensino da Literatura: chave para a mudança

Apostar na leitura como estratégia para enfrentar os novos tempos pode parecer ingênuo ou utópico, mas não é. Ela é uma das chaves para praticarmos o aprendizado contínuo exigido pela Economia 4.0. Os livros fazem parte dos alicerces da civilização, transmitem e transformam o conhecimento da humanidade a cada geração, contribuindo para a sabedoria individual e coletiva.

A silhueta de uma menina ao lado de uma adulta segurando e lendo juntas um livro ilustrado
O contato com literatura desde cedo é um estímulo fundamental para a ampliação da capacidade cognitiva e da inteligência. Sem elas, competir no mundo digital fica muito mais difícil. (Foto: Ben Mullins, QTQz oYk A/Unsplash)

A capacidade cognitiva é estimulada especialmente pela leitura de obras escritas, mas nem tanto por outros tipos de conteúdo (jornais, filmes ou sites). A inteligência se expande notavelmente com os livros, e se retrai se não for devidamente exercitada, sobretudo na velhice. Uma atividade cerebral potente e saudável abre perspectivas de relacionamentos, de produtividade e de autonomia durante boa parte da nossa existência.

Um estudo realizado pelos cientistas Timothy Keller e Marcel Just, da Universidade Carnegie Mellon (EUA), revelou que o hábito da leitura turbina a atividade cerebral. Os pesquisadores realizaram um estudo com crianças de 8 a 10 anos, que receberam um treinamento para ler mais. Após seis meses de treino, exames de imagem mostraram não apenas um desempenho superior na comunicação entre diferentes regiões cerebrais, mas também mais facilidade para a leitura.

Devorar livros é como ingerir bons nutrientes para a inteligência. E por que a leitura de livros tem esse efeito? A sétima arte, por exemplo, não entrega os mesmos resultados cognitivos.

Os livros, pelo formato e conteúdo, suscitam:

1) reflexão mais profunda; 2) total liberdade de imaginação; 3) a elaboração de um sentido próprio sobre a narrativa 4) um fôlego intelectual elevado, se comparado ao esforço de assistir a um filme, no qual os recursos multimídia acabam facilitando a compreensão.

Livros são ponte para a empatia

A professora e pesquisadora Lucia Santaella mostra no artigo “A leitura como prótese reflexiva” que as obras escritas proporcionam uma experiência contemplativa, solitária, longa, imóvel. É diferente do que acontece com a notícia lida no celular ou o filme assistido em uma telona, vivências aceleradas, imediatistas, móveis e compartilhadas. A reflexão dos leitores de livros é mais sofisticada.

Não bastasse nos fazerem mais inteligentes, os livros também elevam a empatia. Os títulos ficcionais são campeões nesse quesito, pois nos convidam a imaginar como os personagens vivem. A imaginação enriquece nosso repertório de vida, incentivando uma atitude empática.

O ambiente doméstico também importa nessa história. Pais e filhos que leem livros juntos, visitam bibliotecas e participam de eventos literários desde os primeiros anos de vida da criança, favorecem a alfabetização. Aprender a ler e a escrever com o apoio da leitura de livros – e não apenas com a associação entre sons e letras – é meio caminho andado para formar o hábito da leitura.

Se não há como antecipar os próximos capítulos da Economia 4.0, uma certeza já temos a essa altura. A literatura pode beneficiar incrivelmente de crianças a idosos, passando ainda por profissionais de todas as áreas. Ler livros é também escrever uma história de vida mais interessante e compatível com a complexidade do mundo contemporâneo.

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